De todas as histórias que estão vindo à
tona depois do acidente com o Costa Concordia, a minha favorita é a da
moça que estava dentro de uma caixa, presumo que participando de um
número de mágica, quando se deu o choque com as pedras e o navio começou
a adernar. Não sei se ela era ajudante do mágico ou se tinha sido
convocada da plateia para entrar na caixa.
Na
verdade, como não me lembro onde li a história e não ouvi mais nada a
respeito, não posso garantir que não a esteja imaginando.
Mas
pense no que teria passado pela cabeça da moça dentro da caixa. Era
para ela desaparecer e, provavelmente, reaparecer dentro de outra caixa.
E de repente sente que está sendo deslocada dentro daquele espaço
apertado, que está realmente sendo transportada para outro espaço,
talvez para outra dimensão, da qual pode nem voltar se a mágica não der
certo.
E imagine o alívio dela
quando consegue sair da caixa e ver que todo o mundo está deslizando,
junto com pratos e copos. Ufa. De volta à normalidade, pensa ela, antes
de também começar a deslizar.
Muita
gente que não estava lá tem histórias para contar das suas experiências
em navios, e está aproveitando o desastre para contá-las. Eu, modéstia à
parte, tenho várias. Minha mãe não gostava de avião, o que significa
que a família tem um longo passado marinheiro.
Estávamos
no primeiro navio que saiu de Nova York para a América do Sul no fim da
Segunda Guerra Mundial. Um pequeno cargueiro argentino que corcoveava
sobre as ondas. A viagem levou um mês, no qual passei uma semana
vomitando e três aproveitando a aventura.
Durante
anos fomos fregueses dos navios da Moore McCormick na linha Rio-Nova
York-Rio, e a melhor lembrança que guardo deles é das cinco refeições
por dia, não contando o caldinho quente no meio da manhã e o lanche no
fim da noite.
Cruzamos de
Southampton para Nova York no United States, na época o maior do mundo. E
— não podia deixar meus dezessete leitores sem esta informação
fascinante — fiz aniversário três vezes em alto-mar. Não sei qual é o
recorde mundial.
O que tudo isso
tem a ver com o desastre do Costa Concordia? Absolutamente nada. As
maiores emoções em todas estas viagens eram os ensaios para emergências,
que serviam para as pessoas se fotografarem vestindo coletes
salva-vidas. E os céus estrelados, os peixes-voadores e, claro, o
caldinho quente no meio da manhã.
Luís Fernando Veríssimo
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