Ex-secretário de Direitos Humanos admitiu que governo de Ronald Reagan estava a par dos planos do regime militar
O ex-secretário de Direitos Humanos do Departamento de Estado norte-americano entre 1981 e 1985, Elliot Abrams, admitiu nesta quinta-feira (26/01) que sabia que os militares argentinos tinham um plano para o roubo e apropriação ilegal de bebês nascidos em centros clandestinos de prisão durante a ditadura do país (1976-1983).
“Estávamos a par de que algumas crianças tinham sido roubadas quando os
pais estavam presos ou mortos”, afirmou, em depoimento, feito por meio
de vídeo-conferência entre juízes de um tribunal oral federal de Buenos
Aires e o consulado argentino em Washington. “Sabíamos que não eram só
uma ou duas crianças, mas que existia um padrão, um plano, porque havia
muita gente que estava sendo assassinada ou presa”, complementou.
Manifestantes protestam com fotos de desaparecidos políticos durante a última ditadura argentina [Efe] |
Calcula-se que 500 bebês tenham sido roubados e tido sua identidade ocultada durante a repressão argentina. Para encontrá-los, um grupo de mães de presos clandestinamente na época, por razões políticas, se juntaram em uma associação conhecida como “Avós da Praça de Maio”, para tentar encontrar seus netos desaparecidos. Segundo o norte-americano, as crianças foram entregues a “famílias leais” ao regime militar.
Abrams, que atuou no Departamento de Estado dos Eua durante o mandato
do presidente republicano Ronald Regan (1980-1988), prestou depoimento
como testemunha do julgamento, iniciado em fevereiro de 2001, pelo roubo
e apropriação ilegal de 34 bebês, no qual estão sendo processados os
ex-ditadores Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, atualmente
condenados e presos por outros crimes cometidos na época.
O ex-funcionário norte-americano afirmou ainda que como a desaparição
de bebês poderia gerar um “enorme conteúdo humanitário e político”,
sugeriu ao ex-embaixador argentino em Washington no período, Lucio
García del Solar, em 1982, que a Igreja “poderia ajudar” a mediar “este
problema terrível”. “Enquanto os desaparecidos estavam mortos, estas
crianças estavam vivas e isso era, por um lado, o mais grave do problema
humanitário”, diz.
O relato da conversa, registrado em um memorando ao então secretario de
Estado, George Schultz, é um dos 4677 despachos secretos sobre a
repressão argentina abertos pelos EUA em agosto de 2002, e foi entregue
às Avós da Praça de Maio no ano passado. Segundo Abrams, o então
embaixador também se mostrou preocupado, afirmando que já tinha
reportado o assunto às autoridades argentinas.
Apesar da existência de muitos governos militares na época, Abrams diz
não lembrar de outro caso como o argentino, que implicou além do roubo e
apropriação de bebês, em torturas, assassinatos e desaparições. “Foi o
pior caso”, afirmou, sobre as violações aos Direitos Humanos cometidas
na região.
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