Foto: Felipe L. Gonçalves/247
|
Material distribuído por professora da rede pública a alunos associava a cor negra ao demônio; indenização será de R$ 54 mil a família que se sentiu atingida
Fernando Porfírio _247 - O governo paulista foi
condenado por disseminar o medo e a discriminação racial dentro de sala
de aula. A decisão é do Tribunal de Justiça que deu uma “dura” no poder
público e condenou o Estado a pagar indenização de R$ 54 mil a uma
família negra. De acordo com a corte de Justiça, a escola deve ser um
ambiente de pluralidade e não de intolerância racial.
O Estado quedou-se calado e não recorreu da decisão como é comum em
processos sobre dano moral. O juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da
Fazenda Pública, a quem cabe efetivar a decisão judicial e garantir o
pagamento da indenização, deu prazo até 5 de abril para que o Estado dê
início à execução da sentença.
O caso ocorreu na capital do Estado mais rico da Federação e num país
que preza o Estado Democrático de Direito instituído há quase 24 anos
pela Constituição Federal de 1988. Uma professora da 2ª série do ensino
fundamental, de uma escola estadual pública, distribuiu material
pedagógico supostamente discriminatório em relação aos negros.
De acordo com a decisão, a linguagem e conteúdo usados no texto são
de discriminatórias e de mau gosto. Na redação – com o título “Uma
família diferente” – lê-se: Era uma vez uma família que existia lá no
céu. O pai era o sol, a mãe era a lua e os filhinhos eram as estrelas.
Os avós eram os cometas e o irmão mais velho era o planeta terra. Um dia
apareceu um demônio que era o buraco negro. O sol e as estrelinhas
pegaram o buraco negro e bateram, bateram nele. O buraco negro foi
embora e a família viveu feliz.
O exercício de sala de aula mandava o aluno criar um novo texto e
inventar uma família, além de desenhar essa “família diferente”. Um dos
textos apresentados ao processo foi escrito pela aluna Bianca, de sete
anos. Chamava-se “Uma Família colorida” e foi assim descrito:
“Era uma vez uma família colorida. A mãe era a vermelha, o pai era o azul e os filhinhos eram o rosa. Havia um homem mau que era o preto. Um dia, o preto decidiu ir lá na casa colorida. Quando chegou lá, ele tentou roubar os rosinhas, mas aí apareceu o poderoso azul e chamou a família inteira para ajudar a bater no preto. O preto disse: - Não me batam, eu juro que nunca mais vou me atrever a colocar os pés aqui. Eu juro. E assim o azul soltou o preto e a família viveu feliz para sempre”.
A indenização, que terá de sair dos cofres públicos, havia sido
estabelecida na primeira instância em R$ 10,2 mil para os pais do garoto
e de R$ 5,1 mil para a criança, foi reformada. Por entender que o fato
era “absolutamente grave”, o Tribunal paulista aumentou o valor do dano
moral para R$ 54 mil – sendo R$ 27 mil para os pais e o mesmo montante
para a criança.
De acordo com a 7ª Câmara de Direito Público, no caso levado ao
Judiciário, o Estado paulista afrontou o princípio constitucional de
repúdio ao racismo, de eliminação da discriminação racial, além de
malferir os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da
pessoa humana.
“Sem qualquer juízo sobre a existência de dolo ou má-fé, custa a crer
que educadores do Estado de São Paulo, a quem se encarrega da formação
espiritual e ética de milhares de crianças e futuros cidadãos, tenham
permitido que se fizesse circular no ambiente pedagógico, que deve ser
de promoção da igualdade e da dignidade humana, material de clara
natureza preconceituosa, de modo a induzir, como induziu, basta ver o
texto da pequena Bianca o medo e a discriminação em relação aos negros,
reforçando, ainda mais, o sentimento de exclusão em relação aos
diferentes”, afirmou o relator do recurso, desembargador Magalhães
Coelho.
Segundo o relator, a discriminação racial está latente, “invisível
muitas vezes aos olhares menos críticos e sensíveis”. De acordo com o
desembargador Magalhães Coelho, o racismo está, sobretudo, na imagem
estereotipada do negro na literatura escolar, onde não é cidadão, não
tem história, nem heróis. Para o relator, ao contrário, é mau, violento,
criminoso e está sempre em situações subalternas.
“Não é por outra razão que o texto referido nos autos induz as
crianças, inocentes que são, à reprodução do discurso e das práticas
discriminatórias”, afirmou Magalhães Coelho. “Não é a toa que o céu tem o
sol, a lua, as estrelas e o buraco negro, que é o vilão da narrativa,
nem que há “azuis poderosos”, “rosas delicados” e “pretos” agressores e
ladrões”, completou.
O desembargador destacou que existe um passado no país que não é
valorizado, que não está nos livros e, muito menos, se aprende nas
escolas.
“Antes ao contrário, a pretexto de uma certa “democracia racial”,
esconde-se a realidade cruel da discriminação, tão velada quanto
violenta”, disse. Segundo Magalhães Coelho, na abstração dos conceitos, o
negro, o preto, o judeu, o árabe, o nordestino são apenas adjetivos
qualificativos da raça, cor ou região, sem qualquer conotação
pejorativa.
“Há na ideologia dominante, falada pelo direito e seus agentes, uma
enorme dificuldade em se admitir que há no Brasil, sim, resquícios de
uma sociedade escravocrata e racista, cuja raiz se encontra nos
processos históricos de exploração econômica, cujas estratégias de
dominação incluem a supressão da história das classes oprimidas, na qual
estão a maioria esmagadora dos negros brasileiros”, reconheceu e
concluiu o desembargador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário