Por Rodolpho Motta Lima
Adoro futebol, desde criança. Minha condição de banguense permite
a convicta afirmação de que adoro o futebol pelo futebol mesmo, e não
porque fanaticamente tenha elegido um clube vencedor como uma religião,
ou porque me queira sentir vitorioso ao fim de cada semana,
transferindo para mim as vitórias do meu time. Gosto do futebol pela
plástica desse esporte, pelo que há de coletivo nas evoluções de uma
equipe bem estruturada, pela confraria colorida e alegre que ele
propicia ao redor do campo. São muitas as razões para que eu goste do
“velho esporte bretão”, que alguns chamavam de violento, certamente
porque não conheciam o MMA... Uma dessas razões, porém, seguramente, não
é a identificação de uma seleção brasileira com a nação, pois não
participo da opinião de quem acha que, em épocas de Copa, aqui nos
transformamos em uma “pátria de chuteiras”...
As discussões que estão ocorrendo em torno da formulação de uma Lei
Geral da Copa colocam em destaque, necessariamente, a força descomunal
que se pretende tenha o futebol, em detrimento de muitos valores que
deveriam constituir “claúsula pétrea” em nossa sociedade. Afinal, o
Brasil vem se firmando no cenário mundial nos últimos anos e,
seguramente, isso não tem nada a ver com vitórias no campo
futebolístico, que aliás andam escassa entre nós, mas com conquistas
comunitárias que as políticas sociais do governo vêm implementando.
Muitas vezes já me referi aqui ao descalabro que é esse açodamento
pela construção de estádios em certas cidades que, após a Copa, não vão
utilizá-los de modo a obter benefícios que justifiquem os altos custos
dos empreendimentos, muitos deles feitos exclusivamente com dinheiro do
povo. Nesses casos, o tão propalado “legado” a ser deixado será um
elefante branco. Em muitos lugares, a obra faraônica restará ali,
imponente, em verdadeiro escárnio às efetivas necessidades populares.
Mas isso já é irreversível e só resta acompanhar o desenvolvimento da
coisa. Há muitos outros valores em jogo, além dos financeiros.
Recentemente, tivemos entre nós, uma vez mais, o secretário-geral da
FIFA, Sr. Jérôme Valcke, na condição de avaliador da nossa competência e
quase se atribuindo a última palavra em assuntos que têm a ver com as
políticas internas do país e, se pensarmos bem, com a própria soberania
nacional. Ao afirmar, por exemplo, que está na hora de encerrarmos a
discussão sobre a Lei da Copa e aprová-la (só faltou dizer; ”aprová-la
do jeito que queremos”), o Sr. Jérôme extrapola suas funções. Uma frase
sua: "Só porque vocês ganharam cinco Copas do Mundo, vocês acham que
podem pedir, pedir e pedir". Pior é que conta com o apoio interno de
muitos brasileiros que, por razões e interesses os mais variados, fazem
coro às suas “recomendações”. A mídia comprometida com os aspectos
econômicos do evento, tão “zelosa” em muitas outras situações, faz um
coro não muito discreto às críticas quanto aos nossos atrasos em
cumprimento de prazos. Compondo o cenário, o ex-jogador Ronaldo Nazário,
membro do Comitê Organizador local, tenta substituir, com o carisma que
possuiu quando “fenômeno” futebolístico, a discutibilíssima
credibilidade dos titulares do esporte brasileiro, entre eles o Sr.
Ricardo Teixeira.
Há muitos assuntos pendentes e que a tal Lei da Copa terá que
regular. Um deles: a venda de bebidas alcoólicas nos estádios em que os
jogos se realizarem, contrariando legislação interna do país que proíbe
tal prática. Em entrevista que deu, o secretário da FIFA, em um primor
de sofisma, disse que não queria falar de venda de bebidas alcoólicas,
mas de venda de cerveja...
Outro assunto é a colocação de ingressos mais baratos para estudantes
e idosos, prática institucionalizada no país, sendo que o Governo quer
acrescentar como beneficiários os indígenas e os detentores do Bolsa
Família. Há quem considera oportunista ou demagógico o acréscimo
governamental, mas a verdade é que a proposta, entre outros méritos,
pode ter o de deflagrar, pelo exemplo, outras medidas da espécie que
atinjam esses segmentos, depois que a Copa acabar. Esse seria um legado,
talvez. De qualquer forma, o caso dos estudantes e idosos é diferente,
pois se trata de manter o que já existe, sem retrocessos.
A verdade é que, por mais que gostemos de futebol, não dá para
permitir, por isso, arranhões na soberania brasileira. E se a Copa é um
negócio onde todos querem lucrar, o mínimo que esperamos é que esse
lucro não se faça às custas de prejuízos à cidadania.
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