domingo, 1 de janeiro de 2012

Nalini, o senhor juiz e o CNJ

Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo

Em meio ao conflito generalizado que assola a cúpula do Judiciário e opõe grande contingente de juízes ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador José Renato Nalini declara: "O CNJ está criado, está na hierarquia do Judiciário. A magistratura, a maior parte dela, perdeu essa luta na constituinte tentando impedir sua criação".

Nalini não é apenas mais um desembargador. Ele é também o novo corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, maior e mais importante corte do País, e a que mais resiste às investidas do conselho que a emenda 45 (reforma do Judiciário) criou para fiscalizar toda a malha forense.

Na próxima segunda-feira, Nalini, de 66 anos, toma posse no tribunal que aloja 360 desembargadores e 2 mil juízes de primeira instância.

Mais que um verdugo, ele planeja ser orientador de seus pares. Mas avisa que "é inimigo" da pena de disponibilidade, privilégio histórico que a Lei Orgânica da Magistratura e a Constituição conferem à classe – a sanção prevê que juízes torpes fiquem alijados do trabalho, mas com a remuneração rigorosamente em dia.

Não vê em Eliana Calmon, a corregedora nacional, uma desafeta da toga. "Todas as vezes em que Eliana se referiu em público, em discursos e até por escrito, só teceu elogios à Corregedoria-Geral da Justiça."

Qual é a sua meta como corregedor do maior tribunal do País?

É a função mais relevante do Judiciário porque é por onde passam os anseios, as reclamações, as denúncias, as sugestões. A corregedoria tem que ser órgão de orientação, de amparo, de apoio ao juiz. 99% da magistratura trabalha muito. Minha tônica será tentar oferecer condições para que o serviço seja mais exitoso.

Como?

Vamos buscar eficiência, a gestão de boas práticas. Por que algumas comarcas estão absolutamente em dia, e não há registro de reclamações, e outras, com a mesma carga de serviço, mas o trabalho não anda? Temos que disseminar as boas práticas, para vencer obstáculos.

Acha correto juiz ser punido com afastamento remunerado?

Sou inimigo da pena de disponibilidade. Partilho do entendimento de que o povo vai continuar sustentando alguém que se mostrou inapto. É um peso oneroso para o erário e para a população que sustenta o juiz em disponibilidade. Não é a solução. Você priva alguém de trabalhar, deixa essa pessoa remunerada pelo povo até que complete o prazo para aposentadoria. Não é o ideal para nenhum dos interessados, nem para o juiz, nem para a sociedade.

São muitos os juízes em disponibilidade em São Paulo?

Mais de uma dezena em disponibilidade. É a pena mais grave. As outras, demissão, exclusão dos quadros, só vêm como pena acessória à prática de crime. Na esfera administrativa a pena mais drástica é a disponibilidade remunerada.

Esses casos revelam juízes sem vocação?

É prova também de que a seleção não foi bem feita ou não se soube detectar os problemas que foram se somando a essa carreira angustiante. O juiz trabalha com a UTI social. Se absorver aquilo com que trabalha vai ficando desalentado, carrega a carga de aflição. O juiz não trabalha com coisa bonita, só trabalha com crime, falência, mentiras, só com coisa ruim. Se não tiver apoio o juiz pode ficar contaminado, insensível.

Como vai enfrentar o desafio?

Eu quero que o juiz seja aproveitado quando tiver problema. Sou inimigo também da remoção compulsória. De que adianta o juiz ser removido de uma comarca para outra? Já existe na corregedoria uma força-tarefa, uma espécie de pronto-socorro para colocar em dia lugares com serviços acumulados. Quero multiplicar essa prática, verificar se a gente pode corrigir e prevenir antes de punir. Não posso transigir com a desonestidade, com nada que seja conduta eticamente inadmissível. Mas, em relação a erro e a estilo que não seja nada de nefasto eticamente vou tentar socorrer, fazer com que a gente salve o juiz em lugar de colocá-lo em disponibilidade. O juiz de São Paulo não passa nenhum constrangimento, se comparado com juiz do mundo inteiro. Não fazemos feio em termos de preparo e conhecimento técnico.

O sr. aceita o CNJ?

Esse desencontro é uma questão mais de forma do que de conteúdo. O CNJ existe há 6 anos, é um órgão do Poder Judiciário. Está na hierarquia do Judiciário, é o segundo órgão, depois do Supremo Tribunal Federal, antes do Superior Tribunal de Justiça. Sempre defendi que nós nos ajustemos e colaboremos para levar nossa experiência para essa parte correcional.

Qual deve ser o papel do CNJ?

Sempre concebi o CNJ como órgão de planejamento, que desse as diretrizes para que não tivéssemos grandes diferenças senão aquelas invencíveis em um País de tamanho continental. Judiciário único poderia ter planejamento só e isso o CNJ tem feito com certo êxito. Na função correcional, São Paulo não se sente deficitário. As normas de serviços da corregedoria servem para o Brasil inteiro, até para o exterior. Num país com nossas carências, o Judiciário é extremamente sofisticado. Somos quase cem tribunais. Quando a ministra fala do que tem encontrado, a gente precisa levar em consideração que há culturas e situações diferentes. O CNJ deveria pensar em como recuperar a higidez, o entusiasmo, o fervor com que o juiz ingressa na carreira.

O TJ-SP resiste ao CNJ?

Temos juízes afastados e em disponibilidade, número imenso de censurados, advertidos, que sofreram remoção compulsória. A corregedoria sempre funcionou. Todas as vezes em que Eliana Calmon se referiu em público, em discursos e até por escrito, só teceu elogios à Corregedoria-Geral da Justiça. Não há resistência.

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