Irônico que o projeto de edifício em construção pela Secretaria da Cultura, cujo pavimento superior veio abaixo na tarde do dia 12 de janeiro, seja assinado por Ciro Pirondi.
Ele é defensor de uma arquitetura inspirada em “gentilezas urbanas”, como calçadas largas e planas, praças repletas de bancos e destituídas de grades que impeçam o espaço urbano de abrir-se ao desfrute democrático da população nas atividades cotidianas.
A ironia decorre do fato de que o contratante do projeto que abrigaria instalações onde se verificou o desmoronamento, Andrea Matarazzo, ser o mesmo expoente tucano que na condição de secretário das subprefeituras de São Paulo disseminou pela cidade grades, ponteiras de aço e obstáculos que visaram impedir o acesso de cidadãos pobres a equipamentos sociais de logradouros públicos.
Não se deve incriminar, contudo, o arquiteto pelo desabamento que matou um operário e feriu outros onze. O problema não estava no projeto, mas no método adotado pela Secretaria de Estado da Cultura com o propósito de dar maior margem de manobra aos seus agentes nos arranjos destinados à contratação e depois construção dos edifícios que comporiam o conjunto de nove complexos denominados “fábricas de cultura”.
Em busca de uma marca que pudesse respaldar junto à população carente sua pretensão de candidatar-se a prefeito de São Paulo pelo PSDB nas eleições deste ano – e que ao mesmo tempo funcionasse como contraponto aos CEUs (centros educacionais unificados) implantados na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy – o secretário Matarazzo tinha pressa.
Por essa razão determinou ao engenheiro-chefe de sua assessoria técnica de obras e projetos, Ângelo Mellios, que o acompanha desde que era presidente da privatizada estatal de energia CESP, contratar um projeto de obras versátil o bastante para que pudesse ser adaptado aos diferentes terrenos escolhidos para sediar aquelas instalações na capital.
Assim, o projeto arquitetônico de Pirondi - concebido em duas versões, linear de dois blocos e vertical de nove andares - acabou se transformando numa espécie de solução “prêt-a-porter” para atender toda qualquer conveniência de modificação de métodos construtivos arguida pelas construtoras em decorrência de dificuldades das obra frente fatores de ordem locacional.
As adaptações nada ingênuas sofridas pelo projeto possibilitaram, por sua vez, o barateamento da construção em relação aos custos efetivamente lançados em planilha, cujas folgas pudessem depois reverter em contribuições aos caixas de campanha do candidato e em comissões aos responsáveis pela fiscalização de obras.
A fim de conferir ainda maior poder discricionário aos representantes da Secretaria da Cultura no endosso às alterações de métodos e soluções de engenharia, o termo de referência que orientou a contratação das obras foi elaborado de modo a não fazer qualquerr alusão a desvios em relação ao projeto original nem às competências de fiscalização que incumbiriam ao Órgão contratante, deixando às construtoras poder soberano nas decisões, desde que se responsabilizassem por eventuais prejuízos causados ao estado.
Tudo corria solto no plano formal para que no no informal fosse possível transformar em dinheiro vivo as vigas, o cimento e o aço das lages de concreto que deveriam hoje dar segurança aos operários que trabalham nas obras e amanhã às crianças que freqüentarão esses edifícios públicos, arruinados desde o início pela ambição de gente de nome pomposo que nasceu sem nobreza alguma.
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