O advogado Toninho e o major Marcelo Soffner durnate debate na TV |
Diante da câmera, o porta-voz da Polícia Militar em São Paulo, major
Marcelo Soffner, defende o trabalho dos quase 2 mil soldados durante
expulsão dos moradores do assentamento Pinheirinho, em São José dos
Campos. “A polícia não bate. Se teve problema, foi pontual”, diz. “A
polícia é séria e tem como base o respeito aos direitos humanos, a
filosofia de polícia comunitária e a gestão pela qualidade. Tudo o que
fazemos fazemos com toda a dedicação necessária”, garantia.
Ao seu lado, o advogado Antonio Donizete Ferreira, de 54 anos, parece
não crer no que houve. Pudera: nos últimos três dias, corria por todos
os lados da igreja para onde foram levadas as famílias do assentamento
evacuado pelos policiais. Sempre cercado por moradores em busca de
orientação.
“O que mais me entristece é ver, de um lado, gente pobre, soldado que
é filho de operário, que é pobre, é assalariado, batendo em pobre, que
está lutando por um teto. Enquanto o dono, que é o Naji Nahas, um
criminoso do colarinho branco, está no seu ar-condicionado, dormindo
numa cama King Size, enquanto tem uma criança dormindo no chão lá, com
dois meses de idade”.
A fala chega como um torpedo, do qual o major não saberia se
desvencilhar. “Quem vê o major falando aqui pensa que a polícia é um
bando de freiras que tem na mão um rosário e na outra, uma flor”,
completou, sem sinal de exaltação, numa calma que não parece vir de
militantes do PSTU – pintados, quase sempre, como radicais e avessos ao
diálogo.
Pelo contrário. O diálogo, intermediado pelo jornalista Kenedy
Alencar e transmitido pela RedeTV, é mais um de uma série de entrevistas
dadas Toninho, como é conhecido, nos últimos três dias, desde que teve
início a desocupação.
A igreja para onde os desalojados foram levados. Foto: Murilo Machado |
Horas antes da aparição, com uma camisa verde clara,
barba feita, cabelo grisalho e alinhado, ele se misturava a um
verdadeiro batalhão de militantes, dirigentes sindicais, vereadores e
deputados que ofereciam apoio às famílias desalojadas em São José dos
Campos.
Um dos seis advogados de defesa das famílias que viviam no disputado
terreno de 1.382.000 m² de propriedade do empresário Naji Nahas, Toninho
é daquelas figuras que parece não ficar parado nunca. Nem consegue.
Enquanto circula, uma mulher de 60 anos se apresenta a ele. Diz estar
desempregada, sem condições de pagar aluguel, e busca qualquer
orientação para resolver seu problema: sua casa já foi demolida e ela
nem sabe o que aconteceu com o que estava lá dentro.
O trabalho de Toninho com os moradores do Pinheirinho é voluntário.
Para a maioria ali, sabe ele, pagar os honorários para um defensor é
algo fora da realidade – uma realidade que hoje tem como prioridade
resgatar alimentos e objetos deixados nas casas das quais foram
expulsos.
A Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a algumas quadras da
ocupação, abriga desde domingo cerca de mil pessoas que dormem nos
bancos de madeira ou em colchões maltrapilhos colocados no chão. Toninho
passou uma noite lá.
O saldo da operação deixou nele quatro marcas de tiros de borracha
pelo corpo – o que, lamenta ele, são marcas comuns também entre os
desabrigados. Algo que não ocorria “nem na ditadura”. Até o retrovisor
de seu carro foi atingido por um tiro.
Toninho diz que tenta sempre evitar confusões ou provocações com os
policiais – o que ficou claro no enfrentamento ao vivo, com o major, em
transmissão nacional. E critica os “agitadores” que sempre aparecem em
manifestações para atrapalhar os diálogos.
Filiado ao PSTU, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado,
desde sua fundação, em 1994, Toninho hoje é o presidente da legenda em
São José dos Campos. Sob a sigla, concorreu sem sucesso à prefeitura da
cidade em 2008, na eleição vencida por Eduardo Cury (PSDB). Antes,
chegou a militar pelo PT, logo que o partido foi fundado. Fazia parte da
corrente de esquerda Convergência Socialista. Deixou a legenda em 1992.
Fora do Pinheirinho, carrega um paletó e uma gravata no banco de trás
do carro e tem um escritório que divide com outros advogados: “Eu
exerço a profissão, este é meu ganha-pão. Trabalho no meu escritório e
atuamos muito bem, modéstia às favas”.
A desocupação no Pinheirinho, porém, fez com que ele ficasse ausente
do escritório. Mas os colegas de trabalho, garante, são compreensivos. A
família também.
A mulher, como ele, é também advogada, também filiada ao PSTU e
também esteve no Pinheirinho no domingo. Com orgulho, ele conta que a
filha mais velha também seguiu a profissão do pai. As outras duas mais
novas ainda são estudantes, e, embora não possam se filiar a partido
político, já participam de mobilizações sociais.
Mineiro quase sem sotaque, Toninho nasceu em
Guaranésia, perto de São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais, onde
ainda moram seus pais. Apesar de ser interrompido a cada três minutos
pelo celular, com pedidos de ajuda em meio aos alojamentos, ele tenta
manter o humor. “Não conhece Guaranésia? Em Minas, tem duas cidades
importantes, Belo Horizonte e Guaranésia, que hoje deve ter uns 20 mil
habitantes”.
Ele deixou a pequena cidade e veio a São Paulo em 1977 para estudar e
trabalhar. Como tinha concluído apenas o primeiro grau, tentou fazer um
curso técnico de eletrônica. “Era caro e difícil. Eu fazia o turno de
48 horas da GM [General Motors]”. Com isso, acabou abandonando temporariamente os estudos.
Em 1979, sua trajetória na militância começou e não parou mais. Sua
primeira participação foi na greve geral dos metalúrgicos do ABC
convocada por Lula. “Quando o pessoal em São Bernardo entrou em greve,
nós entramos em greve aqui na GM também”, conta.
A participação naquela mobilização o levou à sua primeira passagem
pela prisão. “Não foi nada demais, tive que ‘tocar piano’, fui fichado,
depois liberado”, relata, em tom quase sereno.
Segundo ele, a vida de dirigente sindical o ajudou a continuar os
estudos: alguns anos depois, ingressou na Faculdade de Direito da Univap
(Universidade do Vale do Paraíba) em São José dos Campos. Depois de
terminar o curso, foi aprovado no Exame da OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) na primeira vez que fez a prova. “A vida me levou a isso, eu
precisava ter uma profissão”.
Conhecido na região devido à militância, Toninho só
passou a frequentar o noticiário nacional com o trabalho à frente do
assentamento Pinheirinho. Ele contesta até hoje a legalidade da ação, e a
forma como foi feita, com a interrupção do diálogo e o desafio às
determinações da Justiça Federal.
Sobre seu trabalho como advogado do grupo, ele resume: “É uma emoção a cada dia, uma emoção por ser triste.”
Embora mantenha contato constante com os moradores, sobretudo nos
últimos dias, ele não responde quando perguntado qual dos desalojados
está hoje em situação mais crítica.
Mas logo entrega: em meio a tantos rostos já conhecidos, uma moradora
recebe uma referência especial. “Tem uma senhora que lembra minha mãe.
Fico imaginando se minha mãe estivesse ali”.
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