Por Eliakim Araújo
Não sei como agiria um fervoroso católico se descobrisse que
queimaram a bíblia sagrada e a jogaram numa lixeira. Mas o mundo inteiro
sabe da gravidade do que significa a queima do Alcorão para o mundo
muçulmano, ainda mais quando praticada por invasores.
Foi o que aconteceu no início da semana passada no Afeganistão e
transformou o país em um barril de pólvora, de difícil controle.
A irresponsabilidade de militares estadunidenses que atearam fogo a
exemplares do Alcorão dentro da Base Aérea de Bagram – a maior no
Afeganistão - conseguiu incendiar o país e unir todo o povo afegão
contra os soldados estrangeiros, sobretudo os de Tio Sam, que ocupam o
país. Os livros queimados estavam em uma lixeira e foram descobertos por
um trabalhador local que cuidava de recolher o lixo da base.
Pronto. Daí em diante, se havia entre o povo afegão alguém que ainda
simpatizasse com as forças militares que combatem os insurgentes do
Talibã, agora não há mais. Há sete dias multidões iradas ocupam as ruas
de várias cidades do Afeganistão protestando e pedindo “morte aos
estrangeiros” e “fora ianques”.
Os pedidos de desculpas partiram de vários setores, inclusive do
presidente Obama, mas pelo visto não conseguiram aplacar o sentimento de
revolta do povo afegão contra a queima do livro sagrado dos muculmanos.
No sábado, dois altos oficiais estadunidenses, um tenente-coronel e
um major, foram assassinados dentro do prédio do Ministério do Interior
afegão, em Kabul, onde trabalhavam como conselheiros militares. Os dois
estavam no chão do escritório onde só entram pessoas que sabem o código
numérico de segurança. Imediatamente, as suspeitas recaíram sobre um
jovem oficial de inteligência do Afeganistão, que trabalhava com os
dois e está desaparecido.
Um general senior do Afeganistão disse à BBC que o “virus do sentimento traduzido em ódio se espalhou como um câncer de difícil cura”. De fato, os manifestantes estão cada vez mais ousados e ameaçam até invadir bases estrangeiras no país.
Depois de dez anos de guerra, o incidente chega em um momento crucial
no relacionamento entre o governo afegão e seus parceiros estrangeiros.
Hamid Karzai, o presidente afegão, pede calma à população, mas no fundo
ninguém sabe de que lado ele está. Talvez torcendo pela saída dos
gringos de seu território e pronto para oferecer um ombro amigo aos
dissidentes talibãs. Ele não é flor que se cheire.
Até agora, cerca de trinta pessoas morreram nas manifestações de
protesto e, pelo visto, não tem data para acabar. Até agora são quatro
os militares estadunidenses mortos e outros sete feridos em um atentado
no último domingo.
Está mais do que na hora de a Casa Branca tomar uma drástica decisão:
retirar incondicionalmente suas tropas do Afeganistão. Vários generais
que lá estiveram no comando já deixaram claro que uma vitória militar é
impossível. O negócio é achar uma saída diplomática.
Difícil é avaliar como o eleitor estadunidense veria essa tomada de posição de Obama em um ano eleitoral: derrota ou vitória?
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