terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Afeganistão em chamas


Por Eliakim Araújo

Não sei como agiria um fervoroso católico se descobrisse que queimaram a bíblia sagrada e a jogaram numa lixeira. Mas o mundo inteiro sabe da gravidade do que significa a queima do Alcorão para o mundo muçulmano, ainda mais quando praticada por invasores.

Foi o que aconteceu no início da semana passada no Afeganistão e transformou o país em um barril de pólvora, de difícil controle.

A irresponsabilidade de militares estadunidenses que atearam fogo a exemplares do Alcorão dentro da Base Aérea de Bagram – a maior no Afeganistão - conseguiu incendiar o país e unir todo o povo afegão contra os soldados estrangeiros, sobretudo os de Tio Sam, que ocupam o país. Os livros queimados estavam em uma lixeira e foram descobertos por um trabalhador local que cuidava de recolher o lixo da base.

Pronto. Daí em diante, se havia entre o povo afegão alguém que ainda simpatizasse com as forças militares que combatem os insurgentes do Talibã, agora não há mais.  Há sete dias multidões iradas ocupam as ruas de várias cidades do Afeganistão protestando e pedindo “morte aos estrangeiros” e “fora ianques”.

Os pedidos de desculpas partiram de vários setores, inclusive do presidente Obama, mas pelo visto não conseguiram aplacar o sentimento de revolta do povo afegão contra a queima do livro sagrado dos muculmanos.

No sábado, dois altos oficiais estadunidenses, um tenente-coronel e um major,  foram assassinados dentro do prédio do Ministério do Interior afegão, em Kabul, onde trabalhavam como conselheiros militares. Os dois estavam no chão do escritório onde só entram pessoas que sabem o código numérico de segurança. Imediatamente, as suspeitas recaíram sobre um jovem oficial de inteligência do Afeganistão,  que trabalhava com os dois e está desaparecido.

Um general senior do Afeganistão disse à BBC que o “virus do sentimento traduzido em ódio se espalhou como um câncer de difícil cura”. De fato, os manifestantes estão cada vez mais ousados e ameaçam até invadir bases estrangeiras no país.

Depois de dez anos de guerra, o incidente chega em um momento crucial no relacionamento entre o governo afegão e seus parceiros estrangeiros. Hamid Karzai, o presidente afegão, pede calma à população, mas no fundo ninguém sabe de que lado ele está. Talvez torcendo pela saída dos gringos de seu território e pronto para oferecer um ombro amigo aos dissidentes talibãs. Ele não é flor que se cheire.

Até agora, cerca de trinta pessoas morreram nas manifestações de protesto e, pelo visto, não tem data para acabar. Até agora são quatro os militares estadunidenses mortos e outros sete feridos em um atentado no último domingo.

Está mais do que na hora de a Casa Branca tomar uma drástica decisão: retirar incondicionalmente suas tropas do Afeganistão. Vários generais que lá estiveram no comando já deixaram claro que uma vitória militar é impossível. O negócio é achar uma saída diplomática.

Difícil é avaliar como o eleitor estadunidense veria essa tomada de posição de Obama em um ano eleitoral: derrota ou vitória?

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