Uma das primeiras reportagens que produzi como jornalista foi sobre
atropelamentos por jet ski em praias do litoral de São Paulo no final de
1995. Conversei com famílias que haviam perdido seus entes queridos
depois que condutores irresponsáveis não respeitaram a distância mínima
de 200 metros da areia e ficaram se exibindo onde os banhistas se
divertiam. Ou estavam mamados de cerveja e caipirinha e foram dar uma
voltinha de jet mesmo assim. Afinal, água não machuca, né?
Havia ainda outros que não faziam ideia de como pilotar a embarcação
(é necessário habilitação de arrais amador concedida pela Marinha e ter,
no mínimo, 18 anos), mas seus pais provavelmente achavam bonito o
filhão montado em tantos cavalos de potência e incentivaram a maluquice.
Os mesmos pais não dariam o carro para que seu filho ou filha
dirigisse, mas entregam um jet. Ou até dariam, vai saber o que esse
pessoal com cérebro de camarão ao alho e óleo não faz…
Como o jet ski não tem leme, é necessário acelerar para virar. Ou
seja, se você vê um obstáculo à sua frente, por instinto, para de
acelerar. Se fizer isso com um jet, ele ignora o comando e segue a
trajetória. Dessa forma, muita gente já perdeu a vida.
Em diversas histórias que colhi, houve o padrão básico dos covardes:
atropelamento e fuga, tanto para tentar se livrar de um flagrante quanto
para dar tempo aos advogados da família de constituírem uma defesa ou
encontrar alguém com carteira de arrais para assumir a culpa.
Para não dizer que nada mudou nos últimos 17 anos (ai, tô me sentindo
velho com essa…), o número de jets aumentou nas praias e a quantidade
de pessoas com recurso para alugá-los também. Apesar de ações do poder
público, as regras continuam a ser sistematicamente desrespeitadas e
pessoas vêm morrendo por causa disso.
Retomei o tema porque fiquei surpreso com uma morte ocorrida neste
domingo (19) de carnaval, no mesmo litoral de São Paulo. Uma menina de
três anos foi atingida na cabeça, em Bertioga, por um jet ski pilotado,
segundo testemunhas, por um adolescente de 14 anos. Chegou a ser
socorrida, mas não resistiu.
O que me surpreendeu foi a notícia, veiculada pela Folha de S. Paulo (para assinantes),
de que a família do jovem infrator, que fugiu do local sem ajudar no
atendimento, teria saído de helicóptero do condomínio onde estava.
Quando procurada pela polícia, ela não foi encontrada. Outra versão diz
que carros de luxo deixaram o condomínio logo após o ocorrido. Por terra
ou por ar, o que importa é que a escapada parece ter sido com estilo,
confirmadas qualquer uma das versões.
A menina teria esperado 40 minutos pelo helicóptero da Polícia
Militar que fez o resgate. Segundo parentes, era a primeira vez que via o
mar.
(Abro um parênteses: li as matérias a respeito e encontrei poucas que
o tratassem pela alcunha de “menor”, o que – a meu ver – não é o melhor
tratamento para se referir a um jovem que infringiu a lei. Se fosse
pobre e tivesse atropelado alguém com um Fusca 73, a história poderia
ser diferente. Por aqui, rico é jovem, pobre é menor. Um é criança que
fez coisa errada, o outro um monstro que deve ser encarcerado. Nós,
jornalistas, precisamos ficar de olho para não propagarmos determinados
preconceitos com as palavras que escolhemos.)
É duro constatar que certas coisas não mudam. Apenas ganham contornos cinematográficos.
Comentário feito às 16h20 do dia 20/02: Vendo os
comentários a respeito do ocorrido, alguns dos quais pedindo o nome do
adolescente e vingança, gostaria de ressaltar que, mesmo tendo cometido
um crime, a lei brasileira – acertadamente – proíbe a divulgação dos
nomes das crianças e adolescentes com menos de 18 anos envolvidos, sejam
eles ricos ou pobres. Não raro, casos como este levam à comoção pública
que, por sua vez, aplica linchamentos físicos e psicológicos a vidas e
reputações. Isso não é Justiça e sim barbárie. Esperar o inquérito
policial e julgar os responsáveis é o melhor, e mais civilizado, dos
caminhos.
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