Por Luciano Martins Costa em 10/02/2012
Comentário para o programa radiofônico do OI, 10/2/2012
A cassação do direito ao trabalho imposta ao juiz Baltazar Garzón pelo
Supremo Tribunal da Espanha é destaque nesta sexta-feira, 10, na
imprensa internacional. Não poderia ser diferente no Brasil, onde os
jornais, embalados na controvérsia sobre o controle externo do
Judiciário, também abrem grandes espaços para a notícia.
Dos três principais diários, apenas a Folha de S. Paulo não traz o assunto na primeira página. O Globo é o jornal que dá mais destaque ao tema, com chamada ao lado da manchete.
Pela decisão judicial, Garzón está proibido de exercer sua função pelos
próximos onze anos, o que na prática encerra sua carreira de
magistrado. A acusação, parte do conjunto de três processos encaminhados
à corte, se refere à gravação, autorizada por ele, de conversas que
revelam o envolvimento de altos dirigentes do Partido Popular em crimes
de corrupção.
Os outros processos tratam da investigação, comandada por Garzón, sobre
crimes cometidos pela ditadura de Francisco Franco, e de uma acusação
por supostamente ter recebido dinheiro de entidades privadas para
proferir palestras nos Estados Unidos.
Se tivesse prosseguimento, a investigação sobre os crimes do franquismo
poderia envolver políticos e empresários poderosos da Espanha no
desaparecimento de cerca de 110 mil opositores da ditadura que foi
encerrada em 1975 com o Pacto da Moncloa. A alegação é de que Garzón
teria violado as leis da anistia ao iniciar essa investigação.
Celebrizado por haver aberto processo que colocou na cadeia o
ex-ditador chileno Augusto Pinochet, responsabilizando-o pela morte de
cidadãos espanhóis, Garzón se tornou um símbolo da luta pelos direitos
humanos em escala global ao promover o julgamento de tiranos e
terroristas em qualquer parte do mundo, ajudando a criar um padrão
internacional na questão dos crimes contra a humanidade.
Não é apenas um sintoma o fato de que a acusação contra ele tenha sido
uma iniciativa da organização de extrema-direita conhecida como “Manos
Límpias”. Muitos dos acusados pelos crimes da ditadura franquista são de
alguma forma ligados a esse grupo.
Não apenas nos jornais brasileiros, mas também na imprensa americana e
europeia, a punição imposta ao magistrado é apresentada como uma decisão
política cuja repercussão a Suprema Corte da Espanha terá que carregar
como uma mancha por todo o futuro.
Destaca-se principalmente o fato de que Garzón não foi o único juiz a
autorizar escutas na investigação desses crimes, nem a omissão dos
órgãos superiores da Justiça durante esses procedimentos, mas foi o
único a ser punido.
Nas redes sociais
A lista dos serviços prestados por Baltazar Garzón à Justiça mereceria um capítulo à parte.
Entre outras proezas, ele mandou para uma prisão na Inglaterra o
general Pinochet e desmascarou o Riggs National Corporation, banco
americano envolvido na lavagem de dinheiro da família do ditador
chileno; reabriu os processos por assassinatos cometidos durante a
ditadura franquista e, por consequência, expôs uma rede de corrupção que
deu vitalidade a algumas das grandes corporações espanholas; condenou
um ex-militar argentino e abriu os registros dos crimes da Operação
Condor, acordo entre ditaduras latino-americanas para a execução de
opositores; atacou a representação política do grupo separatista ETA, na
Espanha, por ligações com o terrorismo; ajudou a desmantelar o braço
espanhol da organização terrorista al-Qaeda; denunciou e desmanchou os
esquadrões da morte criados no governo socialista da Espanha, durante os
anos 1980, para assassinar militantes do movimento separatista basco;
e, mais recentemente, abriu processo denunciando torturas contra
prisioneiros na base americana de Guantánamo, em Cuba.
Como se vê, Garzón colecionou inimigos por toda parte e em todos os
matizes da política internacional. Por essa razão, ele é tido como o
representante de uma nova cepa de magistrados, cujo compromisso se
resume a fazer Justiça.
Essa percepção fica clara na leitura dos arquivos de jornais sobre suas
atuações desde o final dos anos 1990. Aos 56 anos de idade, Baltazar
Garzón já se havia transformado em uma lenda viva, com uma atuação sem
grandes eloquências e um estilo severo de trabalho, quando teve
interrompida sua carreira.
Para reabrir os casos de crimes contra a humanidade, por exemplo, ele
considerou que as leis nacionais de anistia, produzidas sob a ameaça de
regimes ditatoriais agonizantes, são consideradas ilegítimas pelos
tratados internacionais de direitos humanos, conforme lembra o
desembargador aposentado Walter Maierovitch em entrevista ao Estado de S. Paulo.
Garzón ainda pode recorrer à Corte Europeia. Nesta manhã de
sexta-feira, já surgem listas de solidariedade e apoio a ele em vários
idiomas, que prometem se transformar em um novo fenômeno nas redes
sociais.
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