“Você volta e manda sua presidenta falar comigo!” Foi a surpreendente resposta
do policial a Paulo Maldos – Secretário Nacional de Articulação Social
que ainda foi baleado (bala de borracha) em Pinheirinho. (Pode-se dizer
que o próprio Governo Federal foi baleado em Pinheirinho – na pessoa de
Paulo Maldos.)
Quem assistiu ao filme “A Morte e a Donzela” de Roman Polanski,
certamente não esqueceu a cena em que o personagem de Ben Kingsley
termina por confessar sua culpa em detalhes. A história se passa num
país sul-americano imaginário que reconquistou a democracia depois de
anos de ditadura sangrenta. Kingsley faz o papel de um médico que
trabalhava para o regime militar examinando o estado de saúde das
vítimas durante as sessões de tortura. Sigourney Weaver faz a
sobrevivente traumatizada que o reconhece pela voz e pelo cheiro como
sendo seu algoz durante o período em que esteve presa. Está convencida
de que ele a estuprou várias vezes após as sessões de tortura a que foi
submetida, mantendo-a sempre de olhos vendados.
O filme de Polanski foi classificado como ficção, ao menos no Brasil.
Mas não há nada fictício ali. A América do Sul foi palco de ditaduras
militares por décadas. Milhões de pessoas foram presas e torturadas,
milhares mortas ou “desaparecidas”.
Na Alemanha nazista, muitos prisioneiros serviam de cobaias para
experimentos sobre os limites da dor, da fome, da sede, da pressão
psicológica, dos abusos sexuais e outras formas de degradação humana que
nem ousamos imaginar. Na verdade não havia limites para a imaginação
dos “pesquisadores” de Hitler. Tudo era permitido fazer com os
prisioneiros. Principalmente os que já estavam condenados a morte.
Quando um líder permite e estimula a crueldade – seja Hitler,
Pinochet, Médici, Sadam Hussein ou… Alckmin – seus soldados dão vazão a
instintos que desconheciam possuir até então. Não são apenas as armas, o
uniforme e os acessórios que fazem um soldado. Sem a convicção de estar
sendo útil a uma causa e acatando ordens superiores, o soldado não tem
rumo nem razão de ser. Sem a hierarquia militar, não há soldado.
Em ação, um soldado pode se embriagar da violência que descarrega
sobre o inimigo, seja ele um terrorista ou uma senhora usando uma
bengala. A violência é uma droga. Literalmente. A adrenalina, o suor, o
cheiro da vítima com medo, o grito de dor, o horror… tudo isso entorpece
os sentidos do agressor. Em circunstâncias mais agudas, chega a ser uma
forma de prazer mórbido.
A operação militar em Pinheirinho foi preparada com 4 meses de
antecedência. Houve treinamento, simulações, condicionamento psicológico
dos soldados etc. A preparação da tropa foi muito mais intensa do que,
por exemplo, a concentração de um time de futebol para a final de um
campeonato. Cada soldado foi “carregado” de motivação como se fosse uma
pilha. Quando entrou em ação, como vimos quase que instantaneamente
pelos vídeos que circularam na internet, sua carga de violência foi
desproporcional à missão que lhe foi delegada. (Seria interessante
descobrir como se comportaria caso a missão fosse cancelada na véspera
ou em pleno “campo de batalha”…)
Quando iniciaram o ataque-surpresa, a expectativa dos soldados para a
missão era tamanha, que simplesmente não aceitavam a “rendição do
inimigo”. Não adiantou o povo levantar as mãos, gritar pelas mulheres,
crianças e idosos como vários vídeos mostraram. Pura selvageria. Bombas,
tiros, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, cassetetes avançando
roboticamente… os soldados de Alckmin pareciam selvagens em transe
enfrentando inimigos extremamente perigosos. E eram apenas homens,
mulheres e crianças que viviam num terreno baldio. Se as balas não
fossem de borracha, teriam atirado igualmente, sem vacilar.
O personagem de Ben Kingsley em “A Morte e a Donzela” confessou: “As
mulheres que estuprei eram como carne fresca bem ali, ao meu alcance. No
inicio ainda estava inseguro, mas aos poucos – convivendo com sua
fragilidade e a impunidade que o regime militar me assegurava – descobri
o prazer de subjugá-las, ser o dono de seus destinos. Servi-me de seus
corpos quantas vezes desejei, sem nenhum remorso”.
A barbárie – como Dilma chamou a ação contra o bairro de Pinheirinho –
foi veiculada pela mídia internacional de forma mais honesta que a da
mídia local. Já chegou à ONU e OEA. Vai custar muito caro a Alckmin. Já
em São Paulo, caso se candidate a mais algum cargo público, vai sangrar
consideravelmente em seu fiel eleitorado. Além disso, tenho com meus
botões que perdeu 2 mil votos, assim que seus 2 mil soldados acordaram
no dia seguinte, depois de uma “merecida” noite de sono, e olharam para
suas respectivas famílias.
Quando foi eleito governador, Alckmin também recebeu o cargo de
Comandante Em Chefe da Polícia do Estado de SP. Portanto, ao assistimos
às dezenas de vídeos que mostram o ataque insano à população de
Pinheirinho, não devemos enxergar apenas soldados perversos agredindo
civis. Acima de tudo, aqueles soldados eram a mão de Alckmin atendendo a
interesses imobiliários ligados ao terreno. Naquele momento, o Governo
Federal já se aproximava de uma solução definitiva que priorizava a
permanência da população e a urbanização da favela. Por isso o ataque
surpresa, rápido e traiçoeiro. O objetivo era “limpar os humanos” da
área em menos de 24 horas. Derrubar as casas, destruir móveis e
eletrodomésticos inclusive, foi a maneira de enterrar qualquer
possibilidade do terreno voltar às mãos de seus moradores por vias
legais.
Supondo-se que a decisão da juíza Márcia Loureiro em ordenar
inapelavelmente a desocupação de Pinheirinho, fosse em cumprimento ao
seu dever, sem favorecer interesses ocultos de personagens igualmente
ocultos – o que requer um gigantesco esforço de boa vontade – Alckmin
era o único que poderia se recusar a cumpri-la até garantir a
integridade física e moral daquelas familias e esgotar todas as
possibilidades de viabilizar-lhes a permanência em seus lares.
Mostraria-se, assim, à altura do cargo que recebeu das urnas. Seja qual
fosse a instância, a liminar o recurso e toda essa pilha de regras
jurídicas que no final das contas sempre contemplam os mais ricos. Na
ordem das prioridades, antes de mais nada e acima de tudo, é dever de
todo governante proteger seus governados. As armas de sua polícia são
instrumentos que devem ser usados para DEFENDER a população, jamais para
atacá-la. E não estamos falando aqui de assaltante, traficante,
estuprador ou assassino, mas de famílias: pais, mães e filhos – as
células base da sociedade.
Por tudo isso, Alckmin deveria ser destituído do governo de São
Paulo. Provavelmente, o “conjunto da obra” de sua gestão repressiva e
autoritária represente o encerramento de sua carreira política. Pois, ao
contrário do que ele e seus assessores calculam, Pinheirinho não será
esquecido. Virá à tona sempre que se ouvir o nome de Alckmin. O
governador tornou-se o “tal” que atacou covardemente 1.660 famílias de
um bairro paulista que tinha o nome de Pinheirinho.
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