Baltasar Garzón, confiante |
Desde 1941, o Brasil prefere como regra investigar a autoria e a
materialidade de crimes por meio da chamada Polícia Judiciária. Na
Espanha, as apurações competem ao juiz de instrução e, na história
pós-ditadura espanhola, o magistrado que mais se destacou pela
competência, eficiência, coragem e rigor foi Baltasar Garzón. Com 56
anos, ele ocupa, desde 2010, a função de procurador-adjunto do
Ministério Público no Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga
crimes contra a humanidade, de guerra, contra agressões internacionais e
genocídios. Sua importante função é auxiliar a africana Fatou Bensouda,
recém-eleita procuradora-geral, a levar ao TPI por meio de ação penal
os responsáveis por atrocidades que chegam a negar a existência da
dignidade humana.
A primeira contribuição prática de Garzón ao mundo civilizado
consistiu em dar nova dimensão à jurisdição dos países diante de
violações aos direitos humanos. Em razão do desaparecimento e morte de
espanhóis presentes no Chile durante os 17 anos da ditadura militar de
Augusto Pinochet (1973-1990), o juiz solicitou e obteve da Grã-Bretanha a
prisão do general, lá hospedado. Pinochet permaneceu 16 meses em prisão
domiciliar, até ser repatriado sob a alegação médica de demência senil e
condição física fragilizada. Osama bin Laden também não escapou de
Garzón, que comprovou a presença de células alqaedistas que alinhavaram
em território espanhol o projeto dos ataques do 11 de Setembro. Quanto
ao terrorismo separatista basco, o magistrado não deu trégua ao ETA e
levou aos tribunais diversos de seus líderes e operadores.
Garzón logrou obter confissões e condenar à pena de 604 anos de
prisão o capitão Adolfo Sclingo, responsável durante a ditadura
argentina (1976-1983), em especial no turno do general Jorge Videla,
pelos voos da morte (os corpos eram atirados de aviões pilotados por
Sclingo em águas profundas do Atlântico) e por expedientes na Escola
Mecânica da Armada, transformada em centro de tortura e execução de
opositores ao regime.
Numa magistratura conservadora e respeitosa ao Pacto do Esquecimento
de 1978, celebrado logo após a morte do ditador Francisco Franco,
começou a apurar, e em consequência conquistou inimigos influentes,
desaparecimentos e fuzilamentos ocorridos durante a Guerra Civil
Espanhola (1936-1939). Garzón encontrou 19 fossas clandestinas e, não
fosse impugnada a sua competência por outro juiz de instrução de perfil
filodireitista, poderia ter chegado àquela onde está escondido o corpo
do fuzilado e jovem poeta Federico Garcia Lorca, de obra universal.
A gota d’água capaz de reunir potentes e poderosos contra Garzón foi a
apuração por ele iniciada a respeito de uma rede de corrupção
controlada pelo megaempresário Francisco Correa, vulgo Gurtel (corrente,
em alemão), e denunciada pelo jornal El País. A propósito, os repórteres do diário conquistaram o Prêmio Ortega y Gasset
de jornalismo. Esta rede abastecia o Caixa 2 (caja B) do Partido
Popular ao tempo do premiê José María Aznar: o PP acaba de retomar o
poder ao bater os socialistas nas eleições. Como Garzón esteve
licenciado e atuou como deputado eleito pelo Partido Socialista Operário
Espanhol, não demoraram as acusações de que ele teria interesse e faria
uso político da Justiça. A prova restou, porém, robusta sobre lavagem
de dinheiro, fraudes fiscais e tráfico de influência no chamado Caso
Gurtel, com prisões por ilícitos em Madri, Valência e na Costa do Sol.
A prisão preventiva de Gurtel deu-se em fevereiro de 2009. Logo após a
detenção do empresário, por decisão de Garzón que entendeu existir
risco grave para a segurança do Estado, realizaram-se “grampos”
telefônicos no presídio. Foram interceptados telefonemas entre os
corruptores e os advogados a serviço da organização criminal, advogados
criminosos. Uma representação por abuso de poder gerou o processo
administrativo disciplinar contra o magistrado em 2010. A Corte Suprema,
por unanimidade e em decisão política, acolheu, na quarta-feira 8, a
representação.
Pelo uso temerário do direito, Garzón foi afastado das funções por 11
anos. Para a Corte, a interceptação telefônica só seria possível se
envolvesse caso de terrorismo. O magistrado não vai pendurar a toga:
continua no TPI. A decisão punitiva de afastamento foi objeto de crítica
até em editorial do New York Times e duas outras acusações, ainda pendentes, fazem parte da armadilha montada contra Garzón:
1. Violação da Lei de Anistia (certamente, contando com apoio dos Eros Graus da vida).
2. Recebimento de vantagens de instituições
financeiras que o convidaram para ministrar conferências em Nova York, o
que teria resultado no arquivamento de uma apuração contra o presidente
do Banco Santander.
A punição foi política e a decisão é chamada na Europa de “Sentença da Vergonha”.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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