sábado, 18 de fevereiro de 2012

A Sentença da Vergonha será revista pela Corte Europeia de Justiça e a de Direitos Humanos

Baltasar Garzón, confiante

Desde 1941, o Brasil prefere como regra investigar a autoria e a materialidade de crimes por meio da chamada Polícia Judiciária. Na Espanha, as apurações competem ao juiz de instrução e, na história pós-ditadura espanhola, o magistrado que mais se destacou pela competência, eficiência, coragem e rigor foi Baltasar Garzón. Com 56 anos, ele ocupa, desde 2010, a função de procurador-adjunto do Ministério Público no Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga crimes contra a humanidade, de guerra, contra agressões internacionais e genocídios. Sua importante função é auxiliar a africana Fatou Bensouda, recém-eleita procuradora-geral, a levar ao TPI por meio de ação penal os responsáveis por atrocidades que chegam a negar a existência da dignidade humana.

A primeira contribuição prática de Garzón ao mundo civilizado consistiu em dar nova dimensão à jurisdição dos países diante de violações aos direitos humanos. Em razão do desaparecimento e morte de espanhóis presentes no Chile durante os 17 anos da ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), o juiz solicitou e obteve da Grã-Bretanha a prisão do general, lá hospedado. Pinochet permaneceu 16 meses em prisão domiciliar, até ser repatriado sob a alegação médica de demência senil e condição física fragilizada. Osama bin Laden também não escapou de Garzón, que comprovou a presença de células alqaedistas que alinhavaram em território espanhol o projeto dos ataques do 11 de Setembro. Quanto ao terrorismo separatista basco, o magistrado não deu trégua ao ETA e levou aos tribunais diversos de seus líderes e operadores.

Garzón logrou obter confissões e condenar à pena de 604 anos de prisão o capitão Adolfo Sclingo, responsável durante a ditadura argentina (1976-1983), em especial no turno do general Jorge Videla, pelos voos da morte (os corpos eram atirados de aviões pilotados por Sclingo em águas profundas do Atlântico) e por expedientes na Escola Mecânica da Armada, transformada em centro de tortura e execução de opositores ao regime.

Numa magistratura conservadora e respeitosa ao Pacto do Esquecimento de 1978, celebrado logo após a morte do ditador Francisco Franco, começou a apurar, e em consequência conquistou inimigos influentes, desaparecimentos e fuzilamentos ocorridos durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Garzón encontrou 19 fossas clandestinas e, não fosse impugnada a sua competência por outro juiz de instrução de perfil filodireitista, poderia ter chegado àquela onde está escondido o corpo do fuzilado e jovem poeta Federico Garcia Lorca, de obra universal.

A gota d’água capaz de reunir potentes e poderosos contra Garzón foi a apuração por ele iniciada a respeito de uma rede de corrupção controlada pelo megaempresário Francisco Correa, vulgo Gurtel (corrente, em alemão), e denunciada pelo jornal El País. A propósito, os repórteres do diário conquistaram o Prêmio Ortega y Gasset de jornalismo. Esta rede abastecia o Caixa 2 (caja B) do Partido Popular ao tempo do premiê José María Aznar: o PP acaba de retomar o poder ao bater os socialistas nas eleições. Como Garzón esteve licenciado e atuou como deputado eleito pelo Partido Socialista Operário Espanhol, não demoraram as acusações de que ele teria interesse e faria uso político da Justiça. A prova restou, porém, robusta sobre lavagem de dinheiro, fraudes fiscais e tráfico de influência no chamado Caso Gurtel, com prisões por ilícitos em Madri, Valência e na Costa do Sol.

A prisão preventiva de Gurtel deu-se em fevereiro de 2009. Logo após a detenção do empresário, por decisão de Garzón que entendeu existir risco grave para a segurança do Estado, realizaram-se “grampos” telefônicos no presídio. Foram interceptados telefonemas entre os corruptores e os advogados a serviço da organização criminal, advogados criminosos. Uma representação por abuso de poder gerou o processo administrativo disciplinar contra o magistrado em 2010. A Corte Suprema, por unanimidade e em decisão política, acolheu, na quarta-feira 8, a representação.

Pelo uso temerário do direito, Garzón foi afastado das funções por 11 anos. Para a Corte, a interceptação telefônica só seria possível se envolvesse caso de terrorismo. O magistrado não vai pendurar a toga: continua no TPI. A decisão punitiva de afastamento foi objeto de crítica até em editorial do New York Times e duas outras acusações, ainda pendentes, fazem parte da armadilha montada contra Garzón:

1. Violação da Lei de Anistia (certamente, contando com apoio dos Eros Graus da vida).
2. Recebimento de vantagens de instituições financeiras que o convidaram para ministrar conferências em Nova York, o que teria resultado no arquivamento de uma apuração contra o presidente do Banco Santander.

A punição foi política e a decisão é chamada na Europa de “Sentença da Vergonha”.

Wálter Fanganiello Maierovitch

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