A dúvida quanto à idoneidade da escritura surgiu a partir de uma entrevista com Benedito Bento Filho, empresário que vendeu o terreno à Selecta, em 1981
Lilian Milena,do Brasilianas.org
O governo federal irá investigar a origem da
titularidade do terreno de Pinheirinho, pertencente à massa falida da
Selecta S/A, do investidor Naji Nahas. A dúvida quanto à idoneidade da
escritura (se é grilada ou não) surgiu a partir de uma entrevista
publicada no jornal Folha de S.Paulo, no último dia 29, com Benedito
Bento Filho, empresário do ramo imobiliário, que vendeu o terreno à
Selecta, em 1981.
Na entrevista, Bento Filho,
75, também conhecido como Comendador Bentinho, conta que adquiriu o
terreno onde fica Pinheirinho, com cerca de 1,3 milhão de metros
quadrados, de Reston Lahud e Salim Lahud Neto, em junho de 1978. O que
chamou atenção do governo federal foi o fato de Bento Filho dizer que a
Chácara Régio, que pertencia à família de alemães Kubitzky, nunca esteve
dentro de Pinheirinho.
Os irmãos Kubitzky,
Hermann Paul, Arthur Moritz, Erma Erica e Frida Elza, a mais nova com 68
anos e o mais velho com 76 anos, foram assassinados no dia primeiro de
julho de 1969, por quatro jovens - um de 23 anos, e outros três menores
de idade. Como não tinham herdeiros, e nem foram casados, tanto o
terreno - onde ficava a Chácara Régio, com 30 mil metros quadrados,
dentro da área de Pinheirinho -, quanto seus demais bens financeiros
ficaram com o Estado.
"Eu tinha 16 anos quando
esses quatro irmãos foram assassinados e lembro perfeitamente do caso. O
bairro onde Pinheirinho se insere chama-se Campo dos Alemães, onde a
Chácara Régio ficava. É um dever nosso investigar se toda essa passagem é
correta", afirmou o secretário Nacional de Articulação Social da
Presidência, Paulo Maldos, que participou junto com representantes do
Ministério das Cidades, Secretaria de Patrimônio da União e Advocacia
Geral da União, de reunião para encontrar soluções para as seis mil
famílias que ficaram desalojadas após a reintegração de posse do
terreno, realizada no domingo 22 de janeiro, às 6 horas da manhã.
O
repórter Igor Carvalho, da Revista Fórum, publicou recentemente parte
de levantamento do histórico de titulares do terreno. Através da
certidão retirada em cartório, verificou que o terreno onde se encontra
Pinheirinho se chamava Bairro do Rio Comprido e pertencia a Bechara
Lahud, passando em fevereiro de 1962 para Paulo Lahud e Reston Lahud.
Foi vendido em junho de 1978 para Benedito Bento Filho. E em dezembro de
1982 para a Selecta S/A.
Como não é impossível
registros em cartórios serem adulterados, Maldos explica que as
investigações serão feitas não apenas pela matrícula do imóvel. O
levantamento deverá ser entregue em uma próxima reunião entre
secretarias, prevista para o dia 14 de fevereiro.
Pouco
tempo depois do assassinato dos Kubitzky a imprensa divulgou que o
terreno deveria ficar mesmo com o Estado, possivelmente com a
Universidade de São Paulo (USP). Mas, segundo assessoria da Advocacia
Geral da USP, o terreno não ficou com a instituição.
Possível futuro das famílias de Pinheirinho
Maldos
explicou que, além das investigações quanto à titularidade do terreno
de Pinheirinho, o encontro entre secretarias e AGU serviu para
estruturarem proposta para realojar as famílias. Uma delas é aproveitar a
divida que a própria Selecta S/A tem com a União, hoje calculada em R$
11 milhões de impostos atrasados. A ideia é transformar o débito em
parte física do terreno, que corresponda a esse valor, e construir
unidades de moradia verticalizadas, ou seja, colocar todos em prédios.
Entretanto, o secretário afirma que como a empresa está falida,
juridicamente os trabalhadores prejudicados teriam que ser contemplados
antes dos ocupantes do bairro. "Segundo informações que nós temos, o
núcleo inicial de ocupantes de pinheirinho é exatamente dos
trabalhadores com quem a massa falida tem dívidas", completa.
A
segunda proposta abordada na reunião é levantar outras empresas em
situação de falência e endividadas com a União para construir conjuntos
habitacionais. O objetivo é analisar localizações próximas ao centro de
São José dos Campos, assim como era Pinheirinho, para não deslocar ainda
mais as famílias. A terceira proposta será aproveitar os terrenos da
União que fazem parte da Rede Ferroviária Federal S.A., nos trechos
desativados, e que passam pela cidade. Tudo isso vai depender, também,
da situação jurídica e da importância atual desses espaços para a rede.
A
reintegração de posse de Pinheirinho prejudicou 20 mil pessoas
acomodadas em alojamentos cedidos pela prefeitura. Parte ainda está
morando em casa de amigos, parentes ou até mesmo nas ruas. Um dos
ex-ocupantes de Pinheirinho é Vanderlei, de 37 anos, que teve uma
costela quebrada por um policial da ROCAM durante a ação de despejo, ao
tentar ajudar um jovem jornalista que estava sendo espancado pelo PM.
Vanderlei,
que morava há quatro anos no Pinheirinho, e que tem uma esposa e filha
de dez meses, conta que a situação nos alojamentos é ruim e humilhante,
com pessoas dividindo banheiros, crianças tendo que tomar mamadeira
estragada, e assistentes sociais oferecendo passagens para as famílias
voltarem para as regiões Norte ou Nordeste do país. "Os abrigos da
prefeitura parecem verdadeiros campos de concentração. Ninguém pode mais
entrar ou sair depois das dez horas da noite".
Há
sete anos a situação do terreno é de litígio. As famílias começaram a
ocupar Pinheirinho depois de esperarem por casas da CDHU prometidas pela
prefeitura e Estado durante anos. Como nunca eram entregues, decidiram
construir com as próprias mãos, e assim deram origem ao bairro, em 2004.
A decisão de reintegração de posse foi finalmente dada pela Justiça
Estadual, em janeiro de 2012. A 18ª Vara Cível de São Paulo pediu a
suspensão da ação por 15 dias, contados a partir do dia 18 de janeiro,
até que se discutisse uma saída para os moradores que ficariam
desalojados. O que não foi acatado pelo estado. No domingo, 22 de
janeiro, dois mil soldados, entre policiais militares e Guarda Civil
Metropolitana, invadiram o bairro e retiraram de surpresa as seis mil
famílias.
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