Por Oswaldo
O julgamento das eventualidades que o "governo
Dilma" enfrentaria diante de uma crise é, permita-me dizer, nada mais do
que uma especulação baseada em pré conceitos (que não necessariamente
pré conceitos do autor, vale dizer). Tem-se que ter uma certa
desconfiança com artigos como este do Fornazieri no Estadão. Um jornal
como o Estadão, mesmo ao publicar posições e opiniões que são de
responsabilidade exclusiva dos autores, está longe de ser neutro ou
desconsiderar sua própria posição neste jogo político. Assim, a ideia de
que temos que olhar criticamente para a capacidade da mídia tradicional
de formatar percepções deve valer também como auto-crítica: será que
não estaríamos aceitando acriticamente a tese de que a pauta única ou
principal da política em 2011 foi a corrupção, exposta no artigo do
Fornazieri? Não tivemos chance de debater ao longo do ano uma série de
outros eixos norteadores da política do governo federal, que
reconhecidamente passaram "desapercebidos" pelas mídias tradicionais.
Então, parece, no mínimo, incoerência a esta altura endossarmos a tese
de que o governo está refém do denuncismo de uma mídia pretensamente
redentora.
Já o artigo da Carta Maior, por mais que alimente o apetite
especulativo, não passa de um artigo no melhor estilo pautado por
"fontes não revelada do Palácio, mas muito próximas à presidente",
dignas do que muitas vezes se critica como jornalismo marron. Não penso
que mudar o critério, simplesmento porque neste caso o argumento pareça
mais interessante ao tipo de especulação que se pretende, seja um
exercício interessante.
No mais, temos pressupostos e preconceitos. A própria entrevista de
Dilma (então candidata) publicada ontem pelo Nassif, desconstrói este
pressuposto de que Dilma siga um estilo decisório baseado em reuniões
fechadas e restritas, sem a participação das partes interessadas. Chega a
ser estranho ver um artigo que, na sequência, afirma ingenuamente
exatamente uma ideia contrária àquela que pode-se avaliar na prática.
Na questão da capacidade de externar suas posições políticas, sou da
opinião de que as piores performances de Dilma foram justamente aquelas
em que lhe foi impingida a pecha de "mãe do PAC" e das quais esperava-se
uma imagem de docilidade e carisma. Dilma trata certos temas da
política com austeridade e severidade, embora não seja uma adepta de um
estilo verborrágico: basta ver a íntegra das declarações sobre direitos
humanos e sobre sua participação no Fórum Social, dadas na entrevista
coletiva em Cuba, isto para ficarmos com um exemplo mais recente, sem a
necessidade de fazer um recuo passo a passo até a famigerada provocação
feita pelo senador Agripino do DEM. Se austeridade e severidade são mal
recebidos ou percebidos na política nacional, não é um problema de Dilma
(ou não apenas dela), mas sim um problema nosso, um problema de todos
nós, que parecemos clamar pela figura pacificadora, aquela que trará
sempre uma resposta cordial em lugar de expor as contradições que estão
em jogo.
É válido também observar as primeiras reações à posse da nova
ministra da Secretaria de Política para as Mulheres, a socióloga
Eleonora Menicucci. Não se pode acusar Dilma de ter feito uma nomeação
caracterizada pela falta de coragem ou que não esteja sintonizada com
questões caras aos movimentos sociais, em especial o movimento de
mulheres. Mas tenho certeza de que se tivesse feito uma indicação
neutra, inócua, Dilma estaria neste exato momento sendo acusada de
mostrar sua face conservadora, sendo acusada por não honrar a trajetória
de luta das mulheres.
Em lugar disso, temos visto posições da mais completa intolerância
pipocar por parte de líderes das religiões católica e evangélicas: todas
as críticas tratando mais uma vez o aborto pelo prisma da oposição "bom
x mau", "certo x errado", e acusando a presidenta como uma espécie de
traidora da nação. Não seria o caso de nos perguntarmos: os setores
sociais que perceberam a importância da nomeação de Eleonora estarão
aptos a dar todo o respaldo à decisão audaciosa de sua ida para o
ministério? Deixarão o debate ser pautado apenas pela intolerância
religiosa e pela mídia tradicional? O respaldo social é necessário neste
e em outros casos. Não se pode imaginar que esta seja uma questão cujo
auge seja o momento eleitoral. Pelo contrário, o momento eleitoral
representou um dos momentos de maior obscurantismo acerca deste debate.
Governar todos os brasileiros não significa governar um povo que viva em
concordância pacífica. Mas se o governo não é apenas líder neutro de um
povo em concordância absoluta, se a política existe e se cabe a ela
avaliar as condições de mudança, há que se lembrar que as condições para
a mudança não estão sob controle de um governo. Em suma, olhar para
Dilma como a figura de uma despota esclarecida ou como uma espécie de
rainha cujos decretos se realizam e se fazem obedecer em atos de força
em por passes de mágica, não parece ser uma opção interessante de debate
político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário