Por Lúcio Flávio Pinto
Nesta semana a subseção da justiça federal de Altamira,
no Pará, vai receber os autos do processo sobre a maior grilagem de
terras da história do Brasil, talvez do mundo. São quase 1.500 páginas
de documentos, distribuídos em seis volumes, que provam a forma ilícita
adotada por um dos homens mais ricos e poderosos do Brasil contemporâneo
para se apossar de uma área de 4,7 milhões de hectares no vale do rio
Xingu.
Se a grilagem tivesse dado certo, Cecílio do Rego Almeida se tornaria
dono de um território enorme o suficiente para equivaler ao 21º maior
Estado do Brasil. Com seus rios, matas, minérios, solos e tudo mais,
numa das regiões mais ricas em recursos naturais da Amazônia.
O grileiro morreu em março de 2008, no Paraná, aos 78 anos, mas suas
pretensões foram transmitidas aos herdeiros e sucessores. A
"Ceciliolândia", se pudesse ser contabilizada legalmente em nome da
corporação, centrada na Construtora C. R. Almeida, multiplicaria o valor
dos seus ativos, calculados em cinco bilhões de reais.
Com base nas provas juntadas aos autos, em 25 de outubro do ano
passado o juiz substituto da 9ª vara da justiça federal em Belém mandou
cancelar a matrícula desse verdadeiro país, que constava dos
assentamentos do cartório imobiliário de Altamira em nome da Gleba Curuá
ou Fazenda Curuá.
O juiz Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho reconheceu que os direitos
conferidos por aquele registro eram nulos, "em razão de todas as
irregularidades que demonstram a existência de fraude no tamanho da sua
extensão, bem como a inexistência de título aquisitivo legítimo".
Além de mandar cancelar a matrícula do imóvel, o juiz ordenou "a
devolução da posse às comunidades indígenas nas áreas de reserva
indígena que encontram-se habitadas por não-índios". Condenou a empresa
ao pagamento das custas processuais e da verba honorária, que fixou em
10 mil reais.
No dia 9 de dezembro a sentença foi publicada pela versão eletrônica
do Diário da Justiça Federal da 1ª Região, com sede em Belém e
jurisdição sobre todo o Pará, o segundo maior Estado brasileiro. No
último dia 15 de fevereiro os autos do processo foram devolvidos à
subseção federal de Altamira, em cumprimento à portaria, baixada em
novembro do ano passado.
A portaria determinou "que a competência em matéria ambiental e
agrária deve se limitar apenas aos municípios que integram a jurisdição
da sede da correspondente Seção Judiciária".
É provável que a única intervenção do juiz de Altamira se restrinja a
extinguir a ação e arquivar o processo. Tudo indica que a Incenxil, uma
das firmas de que Cecílio Almeida se valia para agir, não recorreu da
decisão do juiz Hugo da Gama Filho. Ou por perda do prazo, que já foi
vencido, ou porque desistiu de tentar manter em seu poder terras
comprovadamente usurpadas do patrimônio público através da fraude
conhecida por grilagem.
A sentença confirma o que reiteradas vezes declarei nesta coluna e no meu Jornal Pessoal:
Cecílio do Rego Almeida era o maior grileiro do Brasil — e talvez do
mundo — até morrer. E até, finalmente, perder a causa espúria. Por ter
dito esta verdade, reconhecida pela justiça federal, a justiça do Estado
me condenou a indenizar o grileiro.
A condenação original foi dada por um juiz substituto, que fraudou o
processo para poder juntar a sua sentença, quando legalmente já não
podia fazê-lo. Essa decisão foi mantida nas diversas instâncias do poder
judiciário paraense, mesmo quando a definição de mérito sobre a
grilagem foi deslocada (e em boa hora) para a competência absoluta da
justiça federal.
Se a Incenxil não recorreu, a grilagem que resultou na enorme Fazenda Curuá foi desfeita. Mas essa decisão não se transmitiu para o meu caso, o único dos denunciantes
da grilagem (e, provavelmente, o único que mantém viva essa denúncia) a
ser condenado.
Em um livro-relâmpago que estou lançando em Belém junto com uma edição especial do Jornal Pessoal, reconstituo a trama urdida para me levar a essa condenação e me tirar do caminho do grileiro e dos seus cúmplices de toga.
Como vítima de uma verdadeira conspiração entre empresários,
advogados e membros do poder judiciário, considero a minha condenação um
ato político. Seu objetivo era me calar.
Mas calar não só aquele que denuncia a grilagem e a exploração
ilícita (ou irracional) dos recursos naturais do Pará (e da Amazônia). É
também para punir quem acompanha com muita atenção a atuação da justiça
e a crítica abertamente quando ela erra, de caso pensado. E tem errado
muito.
As atuais dificuldades enfrentadas pela ministra Eliana Calmon,
corregedora do CNJ, têm origem numa barbaridade cometida por uma juíza
paraense e confirmada por uma desembargadora. No mês passado a juíza foi
promovida a desembargadora, a despeito de estar passível de punição
pelo Conselho Nacional de Justiça.
Decidi tirar uma edição exclusivamente dedicada ao meu caso não para
me defender, mas para atacar. Não um ataque de retaliação pessoal, mas
uma reação da opinião pública contra os "bandidos de toga", que usam o
aparato (e a aparência) da justiça para atingir alvos que só a eles
interessa.
Também contra os que se disfarçam de julgadores para agir como
partes; que recorrem aos seus poderosos instrumentos para afastar todas
as formas de controle que a sociedade pode exercer sobre os seus atos.
Por isso decidi não recorrer da condenação que me foi imposta e
conclamar o povo a participar de uma campanha pela limpeza do poder
judiciário do Pará. Nossa força é moral. E ela deriva do fato de que
temos a verdade ao nosso lado.
A verdade é a nossa arma de combate. Com ela iremos ao tribunal, no
dia em que ele executar a sentença infame contra mim, para apontar-lhe a
responsabilidade que tem. Não satisfeito em defender os interesses do
saqueador, do pirata fundiário, ainda nos obriga a ressarci-lo porque a
verdade causa dano moral ao grileiro.
Que moral é essa? A dos lobos, que predomina quando é instituída a
lei da selva. Sob sua vigência, vence o mais forte. O resultado é essa
selvageria, que se manifesta de tantas e tão distintas formas, sem que
nos apercebamos da sua origem.
Frequentemente ela está no Poder Judiciário, o menos visível e com
menos controle social de todos os três poderes estabelecidos na
constituição. Esse poder absoluto precisa acabar. Para que, com ele,
acabe um dos seus males maiores: a impunidade. Queremos um Pará melhor
do que esta selvageria em que o estão transformando.
4 comentários:
Cumpadi,
Por uma devassa geral nos cartórios.
Poxa!!! Depoimento comovente!!!
Nos faz acreditar que nem tudo está perdido neste mundo!!!
Parabéns, Sr. Lúcio Flávio Pinto!!!
Cumpadi,
Em havendo esta devassa, não restará areia sobre areia em certas propriedades.
Abs!
De fato, Vera,
Depoimento de Lúcio Flávio emociona e nos faz crer que a justiça ainda é possível.
Abs!
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