Mair Pena Neto
Foram precisos muitos governos após a recuperação da normalidade democrática, e, principalmente, os dois últimos, para que o Brasil começasse a enfrentar a história dos anos de ditadura militar. Mesmo assim, as propostas originárias do poder Executivo, embora representem avanço, ainda esbarram em certos limites, como a Lei da Anistia, muito mais imposta pelos militares que deixavam o poder do que um pacto da sociedade por uma transição política pacífica.
A aprovação da Comissão da Verdade, com todas as suas limitações, já
foi suficiente para deixar militares e civis envolvidos com a ditadura em polvorosa. Muitos
temem seus efeitos e tentam, em vão, comparar os crimes cometidos pelo
Estado com ações de resistência contra um governo ilegítimo.
As reações militares, promovidas, sobretudo, pela turma do pijama,
que esteve diretamente envolvida com os anos de chumbo, ganha cada vez
mais o contraponto da sociedade, que deseja ver essa história passada a
limpo e não aceita que o hediondo e imperdoável crime da tortura seja
jogado para debaixo do tapete como algo tolerável.
A juventude que foi às ruas em várias cidades do país nos últimos
dias para protestar contra a impunidade de torturadores trouxe um
frescor aos anseios da sociedade brasileira, pondo fim aos argumentos de
suposto revanchismo na Comissão da Verdade e em suas conseqüências.
Militares que reagem ao esclarecimento da verdade acusam o governo e
movimentos sociais de revanchismo. Tentam reduzir a necessidade de
esclarecimentos de crimes ao desejo de uma geração que teria sido
derrotada por eles.
As ações dos jovens, assim como a dos procuradores que buscam
caminhos para julgar crimes não resolvidos, como os seqüestros sem
aparecimento dos corpos, mostram que o desejo de conhecer a verdade
sobre aquele período e o repúdio à tortura não se restringem à geração
que enfrentou a ditadura com armas na mão. Assim como aconteceu nos
países vizinhos, que também passaram por ditaduras, o Brasil quer e
precisa esclarecer tudo o que se passou nos porões da ditadura, e
apontar os responsáveis.
Os jovens que foram às ruas fizeram isso à sua maneira, pichando
calçadas e muros com a inscrição “aqui mora um torturador”. Vizinhos
incautos se surpreenderam ao saber que conviviam com monstros que se
faziam passar por cidadãos respeitáveis. Essa exposição pública dos
torturadores já é uma boa forma de punição. Eles não têm o direito de
viver como se nada tivesse acontecido. Até porque são capazes de expor
novamente sua bestialidade diante de determinados episódios, como o
personagem Roberto, do filme argentino “A história oficial”, que,
desesperado com a revelação de sua cumplicidade com a ditadura e da
adoção criminosa da filha de uma prisioneira política assassinada pelo
regime, fecha a porta sobre a mão da própria mulher.
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