Por Urariano Mota
Recife (PE) - A mais recente indisciplina de
militares reformados contra a Comissão da Verdade, em manifesto onde
tentam intimidar com as palavras "a aprovação da Comissão da Verdade foi
um ato inconsequente, de revanchismo explícito e de afronta à Lei da
Anistia com o beneplácito, inaceitável, do atual governo" acende na
gente duas observações.
Na primeira delas, chama a atenção que se dirigem mais aos colegas de
farda, na ativa, que aos de fora dos quartéis. O que vale dizer, os
generais e coronéis reformados clamam por uma quartelada, por um novo
golpe de “31 de março”, mais conhecido adiante por revolução de primeiro
de abril. Isso é claro porque em mais de um ponto escrevem – ou gritam,
à sua maneira de escrever – que não reconhecem autoridade no atual
Ministro da Defesa, nas Ministras de Direitos Humanos e de Política para
as Mulheres. E, por extensão, desconhecem o poder legítimo da
Presidenta Dilma.
Na segunda observação, notamos que eles - os amotinados no manifesto
– fazem uma chamada geral, à Nação, aos colegas armados, gritam falar
em nome de todos, mas falam em seus próprios, exclusivos e antigos
interesses. A saber, quem assim reclama contra a Comissão da Verdade,
teme a justiça e a punição por crimes e acobertamento de homicídios
cometidos. E não é preciso muito Sherlock Holmes para essa conclusão.
Três dos assinantes são ex-torturadores reconhecidos por ex-presos
políticos: os coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra, Pedro Moezia de
Lima e Carlos Sergio Maia Mondaini.
Deste último, o ex-preso político e jornalista Ivan Seixas conta que “esse
torturador, oficial médico psiquiatra, era conhecido na OBAN pelo vulgo
de Doutor José. Entre outras proezas gozava nas calças ao ver as
companheiras nuas se retorcendo com os choques elétricos aplicados por
ele”. Daí podemos entender o tamanho da urgência desses militares
reformados contra a volta do conhecimento da História em uma Comissão da
Verdade. Invocam os nomes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para
melhor abrigo da pessoa criminosa. Mas todos sabemos, por delegação
expressa do povo as forças armadas jamais abrigarão ou abrigariam o
crime e a perversão.
Ou viveríamos então em uma democracia sob tutela, onde os comandos
militares fingem que não têm poder político, como se fossem pais
benevolentes. Seriam crianças, ou incapazes, o poder civil, a
República, a Presidenta, os Ministros, o Congresso, a Justiça? Quer
esses amotinados desejem ou não, vem chegando a hora do esclarecimento e
da recuperação histórica de homens e mulheres, que viveram em
condições-limite. Personagens como estes voltarão:
“Odijas Carvalho de Souza (1945-1971)
Odijas foi levado para o Hospital da Polícia Militar de
Pernambuco em estado de coma, morrendo dois dias depois, aos 25 anos...
‘No dia 30 de janeiro de 1971 fui acordado cedo por uma grande
movimentação. Por volta das 7 horas, Odijas passou diante da cela,
conduzido por policiais. Apesar da existência da porta de madeira
isolando a sala do corredor, chegaram até nós os gritos de Odijas, os
ruídos das pancadas e das perguntas cada vez mais histéricas dos
torturadores. Durante esse período, Odijas foi trazido algumas vezes até
o banheiro, colocado sob o chuveiro para em seguida retornar ao
suplício. Em uma dessas vezes ele chegou até a minha cela e pediu-me uma
calça emprestada, porque a parte posterior de suas coxas estava em
carne viva. Os torturadores animalizados se excitavam ainda mais,
redobrando os golpes exatamente ali”.
Ou deste jornalista, intelectual, frágil de corpo e gigante de espírito:
“ – Teu nome completo é Mário Alves de Souza Vieira? - Vocês já sabem.
- Você é o secretário-geral do comitê central do PCBR?
- Vocês já sabem.
- Será que você vai dar uma de herói? ...
Horas de espancamentos com cassetetes de borracha, pau-de-arara,
choques elétricos, afogamentos. Mário recusou dar a mínima informação e,
naquela vivência da agonia, ainda extravasou o temperamento através de
respostas desafiadoras e sarcásticas. Impotentes para quebrar a vontade
de um homem de físico débil, os algozes o empalaram usando um cassetete
de madeira com estrias de aço. A perfuração dos intestinos e,
provavelmente, da úlcera duodenal, que suportava há anos, deve ter
provocado hemorragia interna”.
Para essas vidas vem de longe um voz coletiva que se ouvirá: presente.
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