Por João Batista Herkenhoff
Diga-se sem meias palavras: há no Brasil, por parte de alguns, a tentativa de superpor grandes Estados à face de Estados menores. Seja denunciado esse equívoco, não com a intenção de ampliar as cisões, mas com o desejo de contribuir para que os rumos sejam retificados.
Dentro dessa visão míope, só existe competência, criatividade e
inteligência no Rio de Janeiro e em São Paulo. Até mesmo Estados
poderosos como Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais,
Bahia, Pernambuco são afastados do “grupo dos seletos”.
Quanto a Estados como o Espírito Santo, nem se fale. São simplesmente excluídos do mapa.
No início da República, instalou-se a chamada “política café com
leite”, na escolha dos presidentes da República. Um presidente era
paulista (café), outro presidente era mineiro (leite).
A política do “café com leite” foi derrubada pela Revolução de 1930.
Seguiu-se a ditadura de Getúlio Vargas (gaúcho). Com a
reconstitucionalização do país, em 1946, a Presidência da República foi
ocupada por cidadãos das mais diversas unidades federativas, mas a
predominância dos grandes Estados continuou.
A percepção deturpada, que conduz a essa situação, atua em diversas
áreas. Na Medicina, só haveria grandes profissionais no circuito Rio –
São Paulo, embora haja “brechas” dentro dessa primazia. Na Educação, as
grandes universidades são as cariocas e paulistas, com pequenas
exceções. Na Literatura, ninguém entra na “ceia dos cardeais” sem o
beneplácito das editoras que exibam as siglas SP ou RJ. Na Justiça, só
faz jurisprudência, destinada a ser bússola, aquela produzida pelos
tribunais de São Paulo e do Rio, abrindo-se exceção, neste campo, para
os tribunais federais sediados em Brasília. O Rio Grande do Sul
conquistou espaço, ruidosamente, através dos alternativistas.
Registre-se que há resistências, cada vez maiores, a essa
discriminação, inclusive há resistência dentro das unidades federativas
destacadas.
Em razão dessa frequente falta de cuidado no debruçar-se diante dos
pequenos, é que vibramos de orgulho e alegria quando um capixaba, em
qualquer área da atividade humana, desponta no estrelato nacional, ou
quando uma criação legitimamente nossa, como os pios de caça de Maurílio
Coelho, despertam admiração e encantamento.
Os pios são produzidos com delicadeza e arte, imitando com perfeição o
pio das mais diversas aves. Destinavam-se, primitivamente, à caça, pois
que, naquela época, as caças eram abundantes e não havia espécies
ameaçadas de extinção. Como agora esse perigo de extinção é muito
grande, não se deve fomentar essa atividade. Os pios, pela sua
musicalidade, destinam-se hoje a constituir objeto de deleite para o
espírito, descanso nesta vida atribulada, momento de interiorização e de
paz. A fábrica de pios, na Ilha da Luz, em Cachoeiro, continua sendo
levada avante por netos e bisnetos de Maurílio Coelho. Minha irmã mais
velha, Lucília, era nora do criador da fábrica de pios, casada que foi
com Jader Coelho, hoje falecido.
Mas se o realce do que se faz em nossas plagas estimula o ego, o desconhecimento nos entristece muito.
Em 2006 foi dado um grande destaque, nos mais diversos veículos de
comunicação, ao diagnóstico que se fez da Justiça brasileira, inclusive
com a tentativa de radiografar a cabeça dos magistrados. Este
diagnóstico foi apresentado como absolutamente pioneiro, o que não é
verdade.
Tive a oportunidade de publicar em 1977, pela Editora Resenha
Universitária, um livro hoje esgotado, mas presente no acervo de algumas
bibliotecas: “A Função Judiciária no Interior”.
Mandei um exemplar para a VEJA, sem interferência de qualquer pessoa,
sem conhecer jornalista algum da revista. A obra, para minha surpresa,
recebeu duas páginas de comentário, na edição de 30 de março de 1977,
com chamada de capa. Disse textualmente a VEJA:
“Qual será o perfil do juiz brasileiro da primeira instância, cerca de 2.000 homens sem rosto que, de certa forma, estão no centro dos problemas do Judiciário? O tema, até agora, tem vivido num deserto estatístico e sociológico. Mas algumas respostas podem estar começando a emergir, como as que aparecem em “A Função Judiciária no Interior”, dissertação de Mestrado apresentada à PUC/RJ pelo juiz João Baptista Herkenhoff, de Vitória, ES.”
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