Trinta anos se passaram e a pergunta ainda não quer calar: por que a Seleção Brasileira perdeu a Copa de 82? Para tentar respondê-la, formularam-se teses, buscaram-se culpados, escreveram-se livros. No fim, concorde-se com elas ou não, essas explicações podem ser adaptadas ao velho e conhecido conceito dos sete pecados capitais.
Primeiro pecado capital: Cobiça
Desejo insaciável, além do necessário. Querer ter sempre mais, não se contentando com o que já se tem. Uma forma de cobiça.
Talvez seja essa a principal acusação que se faz ao time de 82. Na partida em que foi eliminado, contra a Itália, o Brasil teve três vezes a seu favor o empate que o classificaria para as semifinais: 0 a 0 (embora apenas nos primeiros cinco minutos de jogo), 1 a 1 (até a metade do primeiro tempo) e 2 a 2 (até os 29 do segundo). Mesmo assim, por querer ter sempre mais, teria se lançado desnecessariamente ao ataque em busca da vitória e sofrido o terceiro gol do mesmo jogador, Paolo Rossi, no mesmo dia, aquela fatídica segunda-feira, 5 de julho, no Estádio Sarriá, em Barcelona.
Até aquele momento, porém, não era só o time, mas todo o País que cometia o pecado da cobiça. Esse sentimento ficou claro nas palavras do locutor Luciano do Valle, a voz oficial daquela Copa transmitida com exclusividade pela TV Globo, logo após o gol de Falcão: “Quem sabe agora o Brasil, se conscientizando cada vez mais, vai partir para uma grande vitória”.
Absolva-se naquele momento apenas o técnico Telê Santana. Logo depois dos 2 a 2, ele fez o que podia para segurar o empate, ao trocar imediatamente o inoperante Serginho por Paulo Isidoro e, assim, reforçar o meio-campo. Se mais não fez, foi porque não podia — o volante Batista, agredido por Maradona com um chute na virilha no jogo anterior, contra a Argentina, não tinha condições físicas de entrar em campo, como até hoje cobram alguns críticos de Telê.
Mas o time, talvez por sua própria vocação ofensiva, continuou atacando. Entre o segundo gol de empate brasileiro, marcado por Falcão, e o terceiro de Rossi, que afinal decretou a derrota por 3 a 2, o Brasil só atacou. Naquele curto período de sete minutos, os brasileiros concluírem mais quatro jogadas. Zico, de frente para o gol, chutou por cima do travessão. Éder perdeu excelente chance ao carimbar o corpo de um adversário em vez de passar a bola para Sócrates, que estava livre (naquele momento, eram os dois brasileiros contra um da defesa italiana). Paulo Isidoro mais uma vez chutou a gol, ainda que sem direção e em uma jogada já paralisada por impedimento. Por fim, o goleiro italiano, Zoff, teve que cortar um perigoso cruzamento na cabeça de Sócrates.
Ao contrário do que se poderia imaginar àquela altura, o gol da vitória da Itália não surgiu de um contra-ataque, mas de um escanteio, com todos os 11 jogadores brasileiros postados (embora mal postados) dentro da área. Nos últimos dez minutos, o time seguiu atacando desordenadamente. Chegou até a sofrer um quarto gol, marcado por Antognoni, aos 42, e erroneamente anulado por impedimento pelo árbitro Abraham Klein, de Israel, atendendo à marcação do bandeirinha Cham Tan, de Hong Kong.
Segundo pecado capital: Avareza
Apego excessivo e descontrolado pelos bens materiais e pelo dinheiro.
O Brasil havia embarcado, em 31 de maio de 1982, do Rio de Janeiro para Portugal, onde permaneceu por uma semana no Hotel do Guincho, um luxuoso recanto à beira-mar em Cascais. Lá, passou seis dias treinando. No domingo, 6 de junho, véspera da ida para a Espanha, a CBF definiu o prêmio pela conquista da Copa: 10,3 milhões de cruzeiros para cada jogador, o equivalente a 62 mil dólares da época.
O futebol já vivia, então, o início de sua era mercantilista. Em 1981, dos 90 milhões de cruzeiros (cerca de 1 milhão de dólares) que o Flamengo pagava a Zico, 25 saíam dos cofres de um parceiro comercial, a Coca-Cola. No início de 1982, o craque rubro-negro aparecia em comerciais de bancos, remédios, xampus, refrigerantes e artigos esportivos. Sócrates, Falcão, Cerezo, Júnior e até o técnico Telê Santana também fecharam proveitosos contratos publicitários. Se o Brasil voltasse campeão, os salários dos jogadores deveriam saltar a valores estratosféricos.
Terceiro pecado capital: Luxúria
Desejo passional e egoísta por todo o prazer sensual e material. Também pode ser entendido em seu sentido original: “deixar-se dominar pelas paixões”.
E a maior paixão daquela Seleção Brasileira e de seu técnico, Telê Santana, era o futebol bem jogado. Dominado por essa paixão, o Brasil acabou perdendo a Copa. Telê optou por colocar em campo um time com dois laterais ofensivos (Leandro e Júnior), um zagueiro clássico (Luizinho) e um meio-campo de sonhos, recheado de craques (Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico). Não tinha nenhum carregador de pianos. Quem fazia o “trabalho sujo”, o trabalho de destruição, protegendo a defesa? Ninguém, e na batalha final contra os italianos isso acabou fazendo falta.
“Desejo sinceramente que, de agora em diante, com a ajuda de técnicos, dirigentes, de jogadores, da imprensa e da torcida, façamos sempre a bola correr dentro de campo”, declarou um emocionado Telê logo após a derrota para a Itália. Dez anos depois, com craques como o próprio Toninho Cerezo e Raí, mas também com o zagueiro Ronaldão e o apenas aplicado volante Pintado, o técnico, enfim, conquistaria seu primeiro título mundial, o de clubes, pelo São Paulo. No ano seguinte, com outro volante, Doriva, na função de cão-de-guarda, chegaria ao bi.
Quarto pecado capital: Ira
Intenso e descontrolado sentimento de raiva, ódio, rancor, que pode ou não gerar sentimento de vingança.
Apesar de ele próprio ter feito sua carreira de jogador como falso ponta-direita no Fluminense dos anos 1950, o técnico Telê Santana parecia nutrir certo rancor pelos jogadores da posição. Na Copa de 1978, o Brasil já havia atuado sem pontas especialistas. Quatro anos depois, Telê repetia a fórmula, ao menos pelo lado direito.
O clamor popular por um ponta direita materializou-se no personagem Zé da Galera, do humorista Jô Soares, cujo bordão era “Bota ponta, Telê!”. Mas o técnico manteve sua opinião até o fim. Tanto que, na lista final de convocados, havia um único ponteiro de verdade – Éder, ainda assim pelo lado esquerdo.
Dois jogadores que se encontravam em grande forma, mas que haviam se desentendido com o treinador em outros momentos de suas carreiras, também foram vítimas da ira de Telê Santana: Leão, goleiro do Grêmio, e Jorge Mendonça, meia e artilheiro do Guarani. Ambos acabaram fazendo falta na Copa da Espanha.
Desejo passional e egoísta por todo o prazer sensual e material. Também pode ser entendido em seu sentido original: “deixar-se dominar pelas paixões”.
E a maior paixão daquela Seleção Brasileira e de seu técnico, Telê Santana, era o futebol bem jogado. Dominado por essa paixão, o Brasil acabou perdendo a Copa. Telê optou por colocar em campo um time com dois laterais ofensivos (Leandro e Júnior), um zagueiro clássico (Luizinho) e um meio-campo de sonhos, recheado de craques (Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico). Não tinha nenhum carregador de pianos. Quem fazia o “trabalho sujo”, o trabalho de destruição, protegendo a defesa? Ninguém, e na batalha final contra os italianos isso acabou fazendo falta.
“Desejo sinceramente que, de agora em diante, com a ajuda de técnicos, dirigentes, de jogadores, da imprensa e da torcida, façamos sempre a bola correr dentro de campo”, declarou um emocionado Telê logo após a derrota para a Itália. Dez anos depois, com craques como o próprio Toninho Cerezo e Raí, mas também com o zagueiro Ronaldão e o apenas aplicado volante Pintado, o técnico, enfim, conquistaria seu primeiro título mundial, o de clubes, pelo São Paulo. No ano seguinte, com outro volante, Doriva, na função de cão-de-guarda, chegaria ao bi.
Quarto pecado capital: Ira
Intenso e descontrolado sentimento de raiva, ódio, rancor, que pode ou não gerar sentimento de vingança.
Apesar de ele próprio ter feito sua carreira de jogador como falso ponta-direita no Fluminense dos anos 1950, o técnico Telê Santana parecia nutrir certo rancor pelos jogadores da posição. Na Copa de 1978, o Brasil já havia atuado sem pontas especialistas. Quatro anos depois, Telê repetia a fórmula, ao menos pelo lado direito.
O clamor popular por um ponta direita materializou-se no personagem Zé da Galera, do humorista Jô Soares, cujo bordão era “Bota ponta, Telê!”. Mas o técnico manteve sua opinião até o fim. Tanto que, na lista final de convocados, havia um único ponteiro de verdade – Éder, ainda assim pelo lado esquerdo.
Dois jogadores que se encontravam em grande forma, mas que haviam se desentendido com o treinador em outros momentos de suas carreiras, também foram vítimas da ira de Telê Santana: Leão, goleiro do Grêmio, e Jorge Mendonça, meia e artilheiro do Guarani. Ambos acabaram fazendo falta na Copa da Espanha.
Quinto pecado capital: A Inveja
Desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que outra pessoa tem e consegue.
Quatro anos depois daquela Copa do Mundo, já às vésperas da seguinte, no México, em 1986, o zagueiro Edinho, reserva em 1982, teria dito ao repórter Marcelo Resende, em entrevista à revista Placar, que “Éder e Serginho ganhavam 1.000 dólares para comemorar cada gol perto de uma placa [de publicidade] [...] Isso não pode acontecer”.
“Estava na hora de alguém abordar esse assunto”, reagiu Sócrates à época. Zico admitiu que havia sido procurado para fazer o mesmo, mas não aceitou, porque “isso sempre acaba atrapalhando”. Edinho afirmou que o repórter agiu de má-fé e que jamais citaria nomes de outros jogadores se soubesse que eles seriam publicados. Serginho jamais perdoou Edinho, chamando-o de “traíra”.
Sexto pecado capital: Preguiça
Tendo como preparador físico um profissional exigente como era Gilberto Tim, não se pode dizer que a Seleção Brasileira de 1982, como um todo, tenha pecado pela preguiça. Mas alguns jogadores ficaram marcados para sempre pela “falta de capricho, de esmero, de empenho, negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza que a leva à inatividade”, que caracterizam este sexto pecado capital.
Tendo como preparador físico um profissional exigente como era Gilberto Tim, não se pode dizer que a Seleção Brasileira de 1982, como um todo, tenha pecado pela preguiça. Mas alguns jogadores ficaram marcados para sempre pela “falta de capricho, de esmero, de empenho, negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza que a leva à inatividade”, que caracterizam este sexto pecado capital.
Um deles foi o goleiro Waldir Peres, embora ele tenha falhado uma única vez em toda aquela Copa, ao sofrer um gol na estreia contra a União Soviética, e o time ainda tenha conseguido virar aquele jogo para 2 a 1.
Outro foi o zagueiro Luizinho, considerado clássico demais, a ponto de permitir que Paolo Rossi marcasse os fatídicos três gols da desclassificação brasileira atuando pelo seu setor.
O centroavante Serginho também foi muito criticado por ser considerado tecnicamente a peça mais fraca do ataque e também por ter trocado suas características de brigador pelas de bom moço durante aquela Copa. Por último, Toninho Cerezo, o volante que errou um displicente passe lateral à frente da área brasileira, permitindo o segundo gol de Paolo Rossi. Além disso, ao tentar atrasar a bola com a cabeça para o goleiro Waldir Peres, foi também Toninho Cerezo quem cedeu o desnecessário escanteio no lance que originaria o terceiro gol da Itália.
Sétimo pecado capital: Orgulho
Também conhecido como soberba, arrogância e vaidade. Do ponto de vista futebolístico, este sétimo e último pecado capital é mais conhecido como “já ganhou”. Mas não se ganha uma Copa do Mundo de véspera, e os brasileiros já deveriam saber disso desde a fatídica derrota para o Uruguai, em casa, em 1950.
O pior é que em 1982, assim como em 1950, tudo conspirava para aquele clima. A Itália havia passado da primeira para a segunda fase graças ao número de gols marcados, apenas empatando seus três jogos, todos por 1 a 1, contra Polônia, Peru e Camarões. Já o Brasil, na estreia, havia contado com a sorte e a boa vontade do árbitro espanhol Lamo Castillo, que deixou de marcar dois pênaltis do zagueiro Luizinho, para derrotar a União Soviética por 2 a 1. Mas, depois disso, goleou as fracas Escócia (4 a 1) e Nova Zelândia (4 a 0). Já na segunda fase, alcançou o status de maior favorito à conquista da Copa e o direito de empatar com os italianos para ir às semifinais, ao vencer com autoridade a Argentina, seu maior rival e então detentora do título, por 3 a 1. Ao final da primeira fase, uma enquete entre jornalistas do mundo inteiro apontava o Brasil como campeão com 51% dos votos. A Itália recebera apenas 4%. A soberba, portanto, não vinha só dos brasileiros, mas era inevitável.
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