sábado, 3 de março de 2012

Os abismos que separam a Lei e a Justiça

Sempre que ouço aquela velha retórica revestida de argumentos técnico-jurídicos sobre as Leis e suas interpretações, lembro-me da frase do jurista Dalmo Dallari: “A Lei diz o que o Juiz diz que ela diz”. “Recurso”, “Instância”, “Prescrição”, “Apelação”, “Supremo”, “Superior”, “Alçada”, “Liminar”, “Cautelar” etc. São tantos os desvios que a Lei oferece para que a Justiça não alcance aqueles que podem pagar, que o abismo entre seguir a Lei e fazer Justiça parece intransponível. Os colarinhos brancos precisam de cobertura. Precisam legalizar o ilegal ou criminalizar o legal. Aí entra esse emaranhado de artigos, parágrafos, incisos etc, que permitem enganar a Justiça. Paulo Maluf é um exemplo clássico. Uma legião de guarda-costas jurídicos o acompanha pra todo lado. Sua impunidade já virou folclore.

Temos visto aparecerem aqui e ali depoimentos de juristas, especialistas, analistas, técnicos etc, sobre as inúmeras irregularidades que envolveram o despejo dos moradores de Pinheirinho, em S. José dos Campos. Resumindo as dissertações, uns dizem que o sinal verde dado pela juíza Márcia Loureiro para que os brucutus de Alckmin atacassem aquela gente, foi ilegal porque na hierarquia de valores, o direito de um empresário não pode se sobrepor ao direito de 6 mil pessoas. Principalmente porque os moradores de Pinheirinho foram se instalando no terreno progressivamente, ao longo de 8 anos (fala-se até em usucapião!). Outros dizem que o terreno da tal massa falida tem escritura suspeita, obtida de forma obscura depois da também obscura morte de seus antigos proprietários. Há, ainda, uma fortuna de IPTU sobre o terreno a ser paga aos governos Estadual e Federal.

Nesta semana, matéria veiculada pelo jornal O Vale, mostrou que, depois da destruição do bairro de Pinheirinho, os escombros receberam novos moradores: dependentes químicos de crack. Pois é: graças a Alckmin, agora SJC já tem sua própria cracolândia! Outra reportagem do mesmo jornal, avisava, na semana passada, que o entulho que restou da destruição das casas e pertences dos moradores transformou-se em criadouro do mosquito da Dengue. Sendo assim, a ação do governador extrapolou o descaso com os pobres e agora já atinge a todos os habitantes de SJC – sem distinção de classe social… Além disso, mesmo com o silêncio do PiG, alguns jornalistas e voluntários conseguiram furar o bloqueio imposto pela PM e denunciaram o terror a que estão sendo submetidas as famílias nos abrigos improvisados pela prefeitura. Além do relato de um estupro, de um habitante hospitalizado em coma e de alguns desaparecidos, há ameaças de morte, agressões gratuitas, crianças traumatizadas, comida estragada, falta de condições mínimas de higiene, idosos adoentados, falta de remédios – enfim – todos os problemas decorrentes da expulsão de 6 mil pessoas de suas casas se concentram naqueles abrigos.

Logo após o massacre, muitos acusaram o governo paulista e sua oposição de estarem tirando proveito político do drama daquelas famílias. De um lado, Alckmin, agradando seu eleitorado conservador, que adora assistir à virilidade com que suas tropas, vestidas com aqueles uniformes de Rambo, “enfrentam” os “marginais”. De outro, a oposição, que estaria usando o episódio para demonizar o governador. Pois bem, já passou da hora dos vídeos, das fotografias e da demagogia. De Alckmin não se pode esperar mais nada: a idéia do governador é diluir o povo de Pinheirinho na massa de indigentes espalhados pelo Estado de São Paulo. Da oposição paulista, só podemos esperar uma coisa: que pressione o Governo Federal para que adquira o terreno e inicie sua urbanização em caráter de extrema urgência. Uma vez de posse do terreno, que inicie um mutirão entre os próprios moradores para a reconstrução das casas – como um de seus líderes, o “Marrom”, garante que é perfeitamente viável.

Sei que não tão é simples assim. Haveria entraves. Tanto jurídicos, quanto políticos. O Governo Federal teria que passar por cima da retórica anêmica do processo da falência da empresa de Naji Nahas. Também teria que passar por cima da autoridade do prefeito e do governador… Mas, como trata-se de uma emergência, bastaria boa vontade. Ora! Se o terreno está avaliado em 180 milhões e está vinculado a um processo de falência no qual o valor arrecadado com sua venda será destinado ao pagamento dos credores de Naji Nahas, que o Governo Federal deposite em juízo essa quantia e tome posse imediata do terreno! Pouco importa se nos bastidores há acordos verbais com a especulação imobiliária – que é o verdadeiro motivo de todo este drama.

Afinal, o que impede o Governo Federal de agir? Quem ousaria negar-lhe o direito de solucionar este caso a favor dessas famílias de Pinheirinho? Um governo que tem a marca da inclusão social; que tanto já fez e promete fazer… Um governo que bate recordes de aprovação… Por que essa paralisia cada vez que tem que enfrentar o PSDB paulista?

Senador Suplicy: antes de identificar e processar os culpados pelo massacre de Pinheirinho, é urgentíssimo salvar essas famílias. Foi-lhes roubada a cidadania, seu futuro e o de seus filhos. A situação dessa gente não fica a dever nada à dos judeus amontoados nos galpões nazistas a espera de entrarem na linha de produção do extermínio. É essa a imagem que guardaremos de Pinheirinho?

Um comentário:

Carlos Cwb disse...

Professor, não é bem assim, paga e leva. O dinheiro do governo federal não é do governo, é do contribuinte, assim como o dos governos estaduais e municipios.
Temos que saber se toda população brasileira está de acordo com esse pagamento.
Afinal, são milhões de sem-teto.
Não é?

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