sexta-feira, 9 de março de 2012

WikiLeaks contra Stratfor: vamos atrás da verdade, não de quem a revela

Amy Goodman

WikiLeaks, o site web de divulgação de informações classificadas, publicou novamente uma grande quantidade de documentos, desta vez de uma empresa de inteligência privada conhecida como Stratfor. A fonte da filtração foi o grupo de hackers “Anonymous”, que afirmou ter obtido mais de cinco milhões de e-mails dos servidores da Stratfor. Anonymous obteve o material em 24 de dezembro de 2011 e o disponibilizou à WikiLeaks, que por sua vez trabalhou com 25 organizações de meios de todo o mundo para analisar esses correios eletrônicos e publicá-los.

Entre os mails filtrados, encontra-se uma mensagem de uma frase, que sugere que o governo norte-americano emitiu um auto de processo confidencial contra o fundador de WikiLeaks, Julian Assange, através de um grande júri secreto. Além de mostrar a Stratfor como uma empresa privada de inteligência que realiza atividades ilícitas, que possui estreitos vínculos com organismos de inteligência dos Estados Unidos e que disponibiliza informação tanto a empresas como às Forças Armadas norte-americanas, os e-mails confirmam a crescente convicção de que o governo de Obama, longe de afastar-se das atividades secretas da era Bush/Cheney, está obcecado em ocultar certas informações ao público e se opõe fortemente à transparência.

Viajei a Londres em 4 de julho do ano passado para entrevistar Assange. Quando lhe perguntei sobre a investigação do grande júri, respondeu: “Isso não pode ser considerado um júri. É uma espécie de tribunal medieval. São entre 19 e 23 pessoas que juram manter segredo e não podem consultar a ninguém mais sobre o assunto. Não há juiz nem advogado de defesa, mas há quatro promotores para a acusação. É por isso que as pessoas que conhecem bem o modo de atuar de um grande júri nos Estados Unidos afirmam que este acusaria a qualquer um que o promotor considere pertinente.

Quando eu estava por retornar de Londres, o jornal The Guardian publicou mais informações sobre o escândalo das escutas telefônicas da empresa News Corp, de Robert Murdoch, que provocou o fechamento de periódico sensacionalista News of the World, o jornal dominical britânico de maior tiragem no Reino Unido. A coincidência é pertinente, já que News of the World informava sobre tudo menos o que proclamava seu nome: as verdadeiras notícias do mundo. Em vez disso, centrava-se em detalhes mórbidos sobre a vida privada das celebridades, crimes sensacionalistas e fotografias de mulheres semi-despidas. Graças a esse e seus outros empreendimentos, Murdoch amealhou uma fortuna pessoal de 7,6 bilhões de dólares.

Tanto Murdoch como Assange nasceram na Austrália, embora Murdoch tenha renunciado à nacionalidade australiana para obter a cidadania norte-americana e assim poder comprar mais licenças de rádio e televisão nos Estados Unidos. Mas, diferentemente de Murdoch, Assange protagonizou um dos atos mais valentes na história das publicações ao fundar WikiLeaks.org, um site da web que permite às pessoas entregar documentos de modo seguro diante da utilização da Internet, e de uma forma que faz com que seja quase impossível rastrear o informante. Assange e seus companheiros de WikiLeaks tem publicado milhões de documentos filtrados, os mais importantes sobre as guerras e as ocupações dos Estados Unidos no Iraque e Afeganistão, e milhões de telegramas diplomáticos, verdadeiras “notícias do mundo”. A Fundação Sidney Peace outorgou uma medalha de ouro a Assange pela sua “coragem excepcional e sua defesa dos direitos humanos”. Em troca os Estados Unidos o perseguiram, possivelmente em função da Lei da Espionagem. Murdoch é venerado como um pioneiro no mundo das notícias, enquanto que os profissionais dos meios de televisão a cabo dos quais ele é proprietário pedem abertamente a morte de Assange.

Os e-mails da Stratfor serão publicados aos poucos, junto com o contexto brindado pelos sócios midiáticos de WikiLeaks. Os documentos já revelam conexões próximas e potencialmente ilícitas entre empregados da Stratfor e funcionários policiais e de inteligência. A revista Rolling Stone informou que o Departamento de Segurança Nacional vigiou os protestos de Occupy Wall Street a nível nacional, e que o Departamento de Segurança Pública do Texas tem um agente encoberto em Occupy Austin que forneceu informações à empregados da Stratfor. A Stratfor também é contratada por empresas multinacionais para conseguir supostas “informações” sobre seus críticos. Algumas dessas empresas são Dow Chemical, Lockheed Martin, Northrop Gruman, Raytheon e Coca-Cola.

Fred Burton, vice-presidente de inteligência da Stratfor e ex-diretor de contra-inteligência do corpo diplomático do Departamento de Estado dos EUA, escreveu em um mail: “Não publicar. Temos um auto de processo secreto contra Assange. Por favor, proteger”. Burton e outros empregados da Stratfor tem mostrado um profundo interessem em WikiLeaks a partir de 2010, e em seus correios eletrônicos expressam uma profunda aversão a Assange em particular. Burton escreveu: “Assange vai ser uma linda noiva na prisão. Rebentem o terrorista. Vai comer comida de cachorro por toda sua vida” Outro empregado da Stratfor queria que Assange fosse submetido à torturas com a técnica do “submarino”.

Michael Ratnes, assessor jurídico de Assange e da WikiLeaks disse-me: “O governo de Obama tem perseguido a seis pessoas em virtude da Lei de Espionagem, seis casos diferentes, o número mais elevado desde que a lei entrou em vigor em 1917. Então, somos testemunhas de um esforço do governo Obama, que apesar de afirmar o contrário, quer um governo fechado e está disposto a perseguir os jornalistas. Podem discutir tudo o que quiserem sobre violações técnicas à lei, mas afinal o que acontece é que os Estados Unidos querem ocultar a verdade”.

1917 também foi o ano em que o senador norte-americano Hiram Johnson pronunciou uma frase célebre: “A primeira vítima da guerra é a verdade”. A Casa Branca realizará nesta semana um jantar de gala em homenagem aos veteranos da Guerra do Iraque. Bradley Manning é um veterano da Guerra do Iraque que não foi convidado. Está sendo julgado por um conselho de guerra e poderá ser condenado à prisão perpétua ou à pena de morte por supostamente ter entregue milhares de documentos militares e diplomáticos que revelavam informações sobre as vítimas da guerra à WikiLeaks. O presidente Obama honraria mais o país se também homenageasse Assange e Manning.

Devemos ir atrás da verdade, não atrás de quem a revela.

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

Tradução: Renzo Bassanetti

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