Novos documentos mostram que métodos utilizados pela empresa privada de inteligência eram amadores
“Foi uma honra e um privilégio tomar parte em uma conversa tão estimulante na sala de situação e ser levada em um tour guiado pelo palácio presidencial”. Era janeiro de 2011 e a Stratfor era apenas uma agência curiosamente bem colocada no mundo das informações de inteligência e geopolítica internacional quando sua diretora de análise, Reva Bhalla, escreveu um e-mail mais que agradecido ao secretário-adjunto do Gabinete de Segurança Institucional do Planalto, José Antônio de Macedo Soares, por tê-la apresentado ao local reservado onde militares e agentes se reúnem em tempos de crise de segurança.
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Bhalla queria ainda reaver um mapa do Brasil presenteado por Soares e roubado no aeroporto. “Fiquei com o coração partido. Eu realmente amei o mapa e estava tão honrada em tê-lo.” Um mês depois, Soares lhe escreveu: tinha em mãos a cópia do mapa, feito para a Marinha. “Para qual endereço devo mandar esse tubo de aparência tão suspeita com o mapa?” Bhalla respondeu agradecida, emocionada, difícil de conter.
“Eu estava num bar com amigos ontem e um cara perto de mim viu o imenso sorriso que surgiu em meu rosto quando eu vi sua mensagem, virou pra mim e disse: ‘uau, queria saber o que faz uma garota sorrir assim’. Acho que ele nunca adivinharia que tinha a ver com um mapa mundi com o Brasil no centro”. Deu ainda o endereço para postagem. E pediu o dele, “caso haja algo que eu queira mandar como agradecimento por toda a simpatia e hospitalidade que você mostrou durante minha visita ao seu belo país”.
Geralmente discreta em público, a executiva americana de origem indiana ficou conhecida mundo afora depois que a comunicação da Stratfor, hackeada em dezembro do ano passado, passou a ser publicada pelo WikiLeaks. Em um dos e-mails mais polêmicos, Bhalla é instruída pelo seu chefe, o autor de best sellers sobre estratégia militar e CEO da Stratfor, George Fridman, sobre como lidar com suas “fontes”, homens ligados a empresas e governos detentores de informações de interesse. “Se você considera a fonte valiosa, tem de assumir o controle sobre ela. Controle significa controle financeiro, sexual ou psicológico”, ensina o mestre.
Até agora pouco se sabia sobre como a Stratfor agia no Brasil. Mas documentos aos quais a Agência Pública e a Carta Capital tiveram acesso descortinam um modus operandi tragicômico, no centro do qual figura Reva Bhalla. Ela esteve no país por dois meses, em uma temporada de encontros nos quais abusou do seu charme e foi recebida de braços abertos até por funcionários de carreira do GSI, órgão responsável por garantir a segurança da presidência e que lhe confiou informações sensíveis às quais poucos brasileiros têm acesso.
Em um dos e-mails, Bhalla relata aos colegas da Stratfor que naquela visita ao GSI chegou a se reunir com o ministro-chefe, o general José Elito Siqueira. Foi até convidada a visitar um posto militar na Amazônia. E durante a longa conversa com Macedo Soares, diz ter ouvido que a Abin capturara “terroristas” em São Paulo, incluindo pessoas ligadas aos ataques de 11 de Setembro. O GSI confirmou a visita de Bhalla.
Batizado de “Arquivos de Inteligência Global”, o novo vazamento do Wikileaks trouxe luz a um ramo pouco conhecido da inteligência privada, exatamente por situar-se na fronteira entre a análise e produção de boletins geopolíticos de baixa qualidade e a simples arapongagem.
Abreviação de “Straregic Forecasting Inc”, algo como “previsão estratégica”, a Stratfor mistura jornalismo, análise política e métodos de espionagem para vender a seus clientes “previsões” sobre o que vai acontecer em diversos países do mundo. Além de oferecer um boletim com análises geopolíticas e militares, faz relatórios por encomenda e fornece “briefings” por teleconferência. Por trás de tudo o que leva a marca Stratfor está George Friedman.
Dos arapongas à bola de cristal
Filho de judeus fugido do holocausto húngaro que dedicou sua vida a lecionar sobre a arte da guerra nos Estados Unidos, Friedman é dono de uma biografia cara ao modelo norte-americano de self made man. Cresceu no Bronx nova-iorquino e doutorou-se em ciência política pela prestigiada universidade Cornell, antes de se tornar consultor para o Pentágono, o Army War College e a National Defense University. Por duas décadas, entremeou pesquisas acadêmicas com a publicação de livros sobre os mesmos temas e com títulos bombásticos, como America’s Secret War, The Intelligence Edge, The Coming War With Japan, The Future of War e dois best sellers da lista do Times (The Next 100 Years e The Next Decade, exatamente os dois nos quais prevê o futuro da humanidade sob o ponto de vista da geopolítica e da guerra).
Foi essa figura, então professor da Universidade Estadual da Louisiana, quem fundou em Austin, Texas, em 1996, uma empresa nova no ramo. Ele se juntou com 15 jovens alunos e os levou para o Texas, onde os transformou em analistas de inteligência. Nascia a Stratfor – que, em 1999, já chamava a atenção ao “prever” os desenvolvimentos do conflito nos Bálcãs. Um Centro de Crise para Kosovo foi colocado online e passou a ser seguido e mesmo citado por jornalões como o New York Times.
A fórmula de Friedman era simples e eficiente: juntar, sob sua influência, antigos espiões soviéticos com know-how sobre países da antiga influência comunista, militares aposentados norte-americanos, adidos e jornalistas mundo afora interessados em “colaborar” para ganhar dinheiro com sua grande paixão, a geopolítica. Tanto que a correspondência da empresa, obtidas pelo Wikileaks, inclui dezenas de documentos internos do FBI e das forças de segurança norte-americanas, tendo revelado, por exemplo, que o Departamento de Segurança Pública do Texas tem um agente encoberto no Occupy Austin.
Embora esteja longe de ser uma das maiores no mercado de “análise de risco”, a Stratfor conta entre seus clientes com empresas como a Lockheed Martin, Morthrop Grumman, Raytheon, Coca-Cola e Dow Chemical. A pedido das duas últimas, monitorava as atividades de ativistas de direitos humanos e ambientais que pudessem lhes causar problemas. Além disso, faturou um contrato do comando da Marinha norte-americana para fazer uma previsão estratégica para os próximos anos.
Apesar do delicado perfil ético e da proximidade de suas fontes com o poder, a verdade é que grande parte dos documentos revelados até agora mostram como a Stratfor agia com um amadorismo risível, marcada por informação de má qualidade. Nada de Sherlock Holmes ou James Bond; algo mais próximo do inspetor Clouseau, detetive trapalhão magistralmente interpretado por Peter Sellers no cinema.
Também nada de investigação de ponta, o que fica claro por outro documento publicado pelo Wikileaks, uma espécie de “glossário” com máximas de uso interno da empresa. “O fluxo de material passivo reduz o custo da inteligência e aumenta o tempo de análise. O poder da Stratfor é reunir com eficiência a análise passiva, descobrir padrões rapidamente, e análise fabulosa. Ou é isso que dizemos aos clientes. É melhor ter algumas fontes no bolso também.” É com essa visão “geoestratégica”, crivada por um discurso militarista de direita, que a empresa consegue enorme simpatia dentre os “aficionados por inteligência”, como descreve o mesmo glossário: um cliente com apetite de CIA e orçamento de Botsuana “define a maioria dos clientes da Stratfor”.
No Brasil, a clientela da Strafor inclui o Brazilian Army Comission, comissão do Exército sediada em Washington, com uma assinatura anual do boletim no valor de 1.825 dólares; o Ministério da Defesa, com três assinaturas num valor total de 9.702 dólares; e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), com uma assinatura anual de 3.450 dólares.
Por incrível que pareça, assinar os boletins da empresa é praxe, por exemplo, entre os cursos de relações internacionais do Brasil, segundo Reginaldo Mattar Nasser, professor de relações internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “A questão é que nesse ‘pacote’ de informações objetivas, que não é assinado por ninguém, aparecem avaliações políticas que entram como se fossem informações corretas, incontestáveis”.
Nasser diz que os alunos gostam dos boletins porque eles trazem informações gerais, como PIB e o histórico dos países. O problema é que, no bolo, vêm análises conservadoras: segundo a Stratfor, a Primavera Árabe geraria ambientes de anarquia, os palestinos seriam os agressores unilaterais a Israel e os adeptos do Islã seriam todos terroristas.
O tour de Reva Bhalla no Brasil
Foi para formular uma visão própria do Brasil e criar “fontes que se mantêm no bolso” que a analista Reva Bhalla esteve no País entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. “Após passar tempo com cariocas no Rio, o pessoal do Itamaraty em Brasília, os gaúchos no Rio Grande do Sul e todo tipo de paulistas em SP, deixo seu belo país com uma melhor compreensão da alma brasileira”, escreveu ela a Macedo Soares, do GSI.
Na verdade, Reva conseguiu pouca informação que não pudesse ser encontrada com uma busca rápida do Google. A conversa com o alto escalão do GSI é a notável exceção – e bastante preocupante, se contarmos que se trata de funcionários públicos encarregados justamente de proteger informações sensíveis à segurança nacional.
Além do GSI, Reva conversou com o diretor do Instituto Fernando Henrique Cardoso. O cientista político Sérgio Fausto diz que de fato se encontrou com Bhalla em seu escritório em São Paulo. “Nunca tinha ouvido falar da Stratfor. Olhei o site deles e tal. Ela me encontrou aqui. Era uma moça muito bonita, aliás, uma jovem de uns 30 anos bem vestida como convém a executivas da área. Mas uma moça que não conhecia nada de Brasil e estava tateando. Tinha uma preocupação específica sobre segurança pública e sobre a atuação do Brasil na vizinhança, com a Bolívia, a questão do narcotráfico. Questões que eu conhecia apenas de ler jornal”.
Bhalla ainda solicitou contatos por e-mail, que Fausto passou sem problemas. No fim do e-mail, porém, ele ironizava: “Como um dos nossos melhores compositores, Antonio Carlos Jobim, costumava dizer: ‘Brasil não é um país para principiantes’”. Assim como ironiza agora o trabalho da empresa. “Se eu fosse um cliente interessado em informações de mercado, não os contrataria. Eles não têm as conexões latino-americanas nem a expertise no assunto.”
A principal fonte da Stratfor no Brasil é, na verdade, o jornalista Nelson During, editor-chefe do Defesa.Net, site que “tem um pensamento como o da Stratfor”, nas palavras de Bhalla. Pouco conhecido fora dos círculos dos aficionados por temas militares e inteligência, o Defesa.Net surgiu em 1999, quando During começou a enviar boletins semanais por e-mail para órgãos governamentais, empresas privadas e pessoas interessadas nas áreas. Incomunicável em uma base militar nos Estados Unidos, segundo informou sua assistente, ele não respondeu à reportagem.
Em e-mails subsequentes ao seu encontro com Bhalla em janeiro de 2011 – no qual tratou do submarino nuclear na região da Tríplice Fronteira – Uring é citado como “fonte de inteligência”, e ganha o código BR 707, sendo interlocutor constante sobre assuntos de relevância estratégica, como a presença britânica nas Ilhas Malvinas.
Durante os dois meses, Bhalla foi também ao Rio de Janeiro, onde visitou o morro Dona Marta para conhecer as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). “Não dá para não ficar impressionado com este modelo”, escreveu. E esteve na Escola Superior de Guerra, onde foi recebida por um major-general não identificado. Ali, ouviu frases com potencial para se tornarem pérolas da literatura “wikileakiana”. Em e-mail no dia 6 de janeiro, descreve as informações sobre “futuras questões sobre a Defesa brasileira” dizendo que, segundo sua fonte, a maior prioridade para os militares brasileiros agora é a modernização. “Uma força militar é como um cachorro que você mantém no quintal. Nosso cão tem envelhecido, está perdendo vários dentes, mesmo ficando cego de um olho. Não precisamos de um Rottweiller per si, mas sim de um bom cão de guarda, só para deixar claro que ‘estamos aqui’”, filosofou a tal fonte.
Segundo os documentos, a relação entre a Stratfor e a ESG não acabaram aí. Em novembro do ano passado, o atual analista da empresa para o Brasil, Renato Whitaker, marcou um encontro com o diretor do Centro de Estudos Estratégicos da escola e comandante da Artilharia Divisionária da 6ª Divisão de Exército, o general-de-brigada João Cesar Zambão da Silva, onde conseguiu “folhear o esboço do Livro Branco da Defesa”, no dia 25 – antes, portanto, que o “documento chave da Política Nacional” fosse publicado.
Zambão afirmou à Carta Capital: “Conheço sim o sr. Whitaker, que trabalha para a Stratfor e que vem a ser filho de um embaixador que serviu na ESG como assistente do Ministério das Relações Exteriores e, por seu intermédio, informalmente, tomei conhecimento da atuação da empresa no País. A ESG não tem qualquer interesse na Stratfor e o Centro de Estudos Estratégicos não tem relações com a empresa. Inclusive, a Escola não é assinante de qualquer produto da Stratfor.”
Zambão confirma ainda o encontro marcado para o dia 25 de novembro de 2011 na própria ESG. “Recebi o sr. Whitaker para uma conversa informal, (como costumo fazer com qualquer pessoa, em situações similares) e, sim, conversamos sobre o Livro Branco, principalmente sobre a sua importância como veículo de divulgação de assuntos de defesa para a sociedade.” Ainda assim, afirma não ter qualquer relação com a empresa. “Gostaria de esclarecer que não ‘sou fonte da empresa’ e não tenho qualquer espécie de vínculo com ela.”
Os ensinamentos da Stratfor: como cativar fontes
Renato Whitaker, um rapaz de apenas 23 anos, é formado pelo Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) em relações internacionais. Ex-estagiário da Santos Lab, fabricante de aeronaves não tripuladas para militares e civis, aparece no Facebook com um cachimbo à la Sherlock Holmes e um bigode falso. Mas não é exatamente o currículo ou a imagem o que o ajudou a adentrar o mundo da inteligência corporativa. Ser filho do embaixador aposentado Christiano Whitaker, sim.
Em 12 de setembro de 2011, recém-contratado, Whitaker escreveu aos chefes oferecendo uma lista de potenciais fontes de informação – entre elas uma amiga que estudava medicina e poderia opinar sobre malária e seu professor brasileiro de krav magá, luta israelense –, mas cuja maioria dos contatos era “graças a meu pai”, “ex-diplomata, bem versado nos assuntos internacionais do Brasil, grande mente e com boas conexões”.
Um certo major do Exército, ligado à ESG, seria amigo de seu pai, assim como o chefe do GSI, “uma espécie de mini-Stratfor do governo”. Um colega de treino trabalharia para a Petrobras. “Não sei com o que ele trabalha lá e se ainda trabalha, mas pode ser uma boa entrada no setor de petróleo”.
A carta era uma resposta às orientações passadas a ele pela analista para América do Sul, Allison Marie Fedirka. A jovem também passou dois meses no Brasil levantando “fontes”. Norte-americana, Fedirka nasceu em Lombard, Illinois, e se formou em espanhol pela Washington University in Saint Louis, no Missouri – daí ser a “correspondente” da empresa para a região. Fiel às regras da Stratfor, ela comenta que, em 2009, chegou a entrar em contato com um diplomata brasileiro sem se identificar como funcionária da empresa de inteligência. “Eu não recebi autorização para me declarar abertamente Stratfor até março ou abril de 2010”.
Em visita ao Paraguai naquele ano, Fedirka conseguiu cativar o adido policial da embaixada brasileira, que a recebeu no seu escritório em pleno sábado, em caráter excepcional. “Por mim não haveria problema em, excepcionalmente, atendê-la no dia “03.07 às 10:00 hs” porquanto, inobstante as instalações da Adidância Policial serem parte integrante da estrutura da Embaixada do Brasil, possuem entrada independente e autônoma e como moro praticamente ao lado da Embaixada não me causaria nenhum problema.”, escreveu o delegado Antonio Celso dos Santos em 21 de junho de 2010. Em outubro, ele lamenta que ela não voltará a visitá-lo e pede que ela mande notícias: “gosto muito de conversar com você”. Ao que Fedirka comenta em e-mail a outro analista da Stratfor, Paulo Gregoire: “Que saco que eu não vou voltar mais. Me dar bem com um cara da Polícia Federal parece algo que poderia ser muito útil”.
Os documentos mostram que todas as conversas de Fedirka com o delegado foram repassadas para Gregoire, seu superior, de acordo com a norma interna da Stratfor, elucidadas por George Friedman naquele polêmico e-mail sobre como lidar com as fontes. “A decisão sobre como estabelecer o seu contato virá do seu supervisor e não de você. (…) Cada encontro seria planejado entre você e o seu supervisor e cada encontro teria um objetivo específico que não seria discutir o assunto de interesse, que seria escondido, mas analisar a personalidade (da fonte) e caminhar para o controle”.
Em 2011, encarregada de introduzir Whitaker no mundo da alta inteligência, Fedirka escreveu: “Parece que você já conheceu algumas pessoas interessantes com quem pode construir relacionamentos e utilizar como fontes militares. Lembre-se de, quando for só bater papo com eles, enviar tudo através de insights”. Ao pedir uma lista de pessoas que ele conhece, ela escreve: “Eu o encorajaria a ver se há alguma maneira de se envolver com o setor de petróleo no Rio. Você sabe que é mais fácil dizer que fazer, mas você está no lugar certo para isso. Podemos escolher um alvo particular ou dois e tentar arrumar uma reunião. Isso é uma ambição de médio prazo – leva tempo para identificar lugares, eventos e ou conseguir marcar reuniões”.
Stratfor e a mídia brasileira
No final do e-mail a Whitaker, Fedirka manda uma lista de temas de interesse da Stratfor que enviara ao jornal Folha de São Paulo, incluindo a relação com a China, projetos financiados pelo BNDES, projetos de infra-estrutura e exercícios militares na fronteira. Afinal, sua principal missão em 2011 fora entrar em contato com grandes veículos de imprensa no Brasil para oferecer-lhes assinaturas dos boletins da Stratfor em um acordo de cooperação que os tornaria parte do grupo de “Confed Partners” – ou “Confed Fuck House”, o “bordel dos confederados”, como Friedman e sua equipe chamavam os parceiros entre quatro paredes.
A Stratfor chegou a escrever acordos de “cooperação” para serem fechados com a Agência Estado, o portal Terra, a revista Época e a Folha de S Paulo. Os memorandos previam, invariavelmente, que ambas as partes poderiam republicar informações do outro e que as duas empresas “se apoiariam com informação de background e pesquisa, quando for pedido pela outra parte”. Em um e-mail em que explica os termos do acordo proposto para a Folha de S Paulo, Fedirka descreve: “Nós esperamos que a comunicação flua nos dois sentidos uma vez por semana, e mais se houver uma crise. É apenas um diálogo informal via email”.
Procuradas pela reportagem, o editor-executivo da Agência Estado, Roberto Lira, negou ter registro ou conhecimento de qualquer relacionamento com a Stratfor. O site Terra confirmou, através da sua assessoria de imprensa, que foi procurado pela Strafor, mas disse que o acordo não foi assinado e “portanto nunca publicou conteúdo proveniente da Stratfor em nenhum dos seus portais”. Hélio Gurowitz, diretor de redação da Época, afirmou que “desde que dirijo a Época, nunca assinamos nenhum conteúdo da Stratfor nem firmamos nenhum tipo de acordo de colaboração com eles. Apenas, eventualmente, nossos jornalistas da área de internacional consultaram analistas ou relatórios da Stratfor como uma entre várias fontes para algumas reportagens”.
A Folha de S Paulo foi o único jornal que chegou a assinar o acordo, segundo as comunicações obtidas pelo Wikileaks. A reportagem apurou que jornalistas da Folha foram apresentados e conversaram com analistas da Stratfor sobre questões de background. Ana Estela de Sousa Pinto, ex-editora de treinamento da Folha e que assumirá o comando do caderno “Mercado” em abril, nega que houvesse “acordo de troca de informações, no sentido mercantil” entre seus jornalistas e a Stratfor. “Jornalista da Folha não tem que falar algo para eles. Não há o que você chama de parceria”, escreveu por e-mail.
A mídia já foi mais afeita à Stratfor. Não apenas jornais como o New York Times, mas agências como a France Presse consultavam relatórios da empresa e até entrevistavam seus analistas sempre que eclodia alguma nova guerra. O próprio Times, curioso com a meteórica ascensão da empresa, encarregou um repórter de entender como funcionava a bola de cristal de Fridman. Em 2003, a reportagem narra o encontro em um hotel de Austin, justamente no dia em que a Guerra do Iraque começara. Qual um oráculo bem informado, Friedman cravara a data e o horário do início da guerra. Afinal, ele tinha suas fontes militares in loco, o que justificaria que milhares de pessoas de Wall Street ao Oriente Médio pagassem por seus boletins.
Desde a eclosão dos documentos do Wikileaks, a divulgação dos boletins tem sido gratuita. Mas a Stratfor continua na ativa. Como bem descreveu a reportagem do Times, “esse mundo de espionagem privada parece a rotina de um adolescente de 16 anos: demanda passar horas sentado num computador, mandando SMS para todo mundo que você conhece”. Uma fórmula barata que rendia à Stratfor, segundo estimativas, uma receita de cerca de doze milhões de dólares ao ano. Friedman não desistiria assim fácil de tal galinha de ovos de ouro.
Reportagem do Opera Mundi em parceria da Agência Pública de Jornalismo Invetigativo e Carta Capital
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