Apesar de ser o aliado mais leal e servil aos interesses dos Estados Unidos na América do Sul, a Colômbia carece – e muito – de recursos. Agora, ele trata de atrair mais dinheiro da Espanha, que já é o terceiro maior investidor estrangeiro no país. Em um fórum de investimentos e cooperação empresarial Espanha-Colômbia, o presidente Juan Manuel Santos deu uma estocada na Argentina e disse: "Se for bom para os empresários, será bom para nós. Aqui, nós não expropriamos".
Eric Nepomuceno, de Bogotá
Bogotá - Certas mulheres costumam aparecer ao cair da noite em
determinadas esquinas e começar a rodar sua bolsinha oferecendo-se ao
melhor pagante, sem se importar muito com aquilo a que terá de
submeter-se. Certos presidentes costumam aparecer a qualquer hora do dia
em determinadas reuniões e começar a rodar sua bolsinha oferecendo ao
melhor pagante não o próprio corpo, mas o próprio país, sem se preocupar
com a submissão que for. É o que anda fazendo Juan Manuel Santos,
presidente da Colômbia, sem o menor vislumbre de pudor.
É evidente que qualquer país, ainda mais nos dias de hoje, precisa atrair investimentos e estabelecer leques cada vez mais amplos em suas relações comerciais com o resto do mundo. É natural que haja esforço e até mesmo disputa quando se trata de atrair capitais destinados a investimentos produtivos.
Mas como em tudo nesta vida, é preciso agir com um mínimo de dignidade, exigir um mínimo de respeito, impor limites e observar regras mínimas de convivência – mesmo quando se trata de competir por um mesmo objetivo, que neste caso especifico se resume numa só palavra: dinheiro. Ou seja, investidores de qualquer latitude.
Agora mesmo Juan Manuel Santos deu um verdadeiro espetáculo da não tão nobre arte de vender um país a qualquer preço. Dia desses foi realizado em Bogotá o fórum de investimentos e cooperação empresarial Espanha-Colômbia. Anote-se: embora realizado na capital colombiana, não foi um fórum Colômbia-Espanha, porque, também nesse caso, a ordem dos fatores alteraria o produto.
Neste raro momento da história contemporânea sul-americana em que a maioria dos países da região busca linhas de ação conjuntas, entendendo que desunidos somos presa fácil da avidez dos grandes centros econômicos, uns poucos governos – e o colombiano é exemplo cabal disso – preferem atuar por conta própria.
Em Bogotá, o presidente anfitrião lascou, de saída, uma peculiar frase de boas-vindas ao chefe de governo espanhol, o conservador Mariano Rajoy: “Aqui, nós não expropriamos”. Uma piscadela despudorada à Espanha, país submergido numa crise de proporções dramáticas, e uma alusão deselegante, provocadora e desnecessária à decisão da Argentina de re-estatizar a petroleira YPF, controlada até agora pela espanhola Repsol.
Bastante razão tem Juan Manuel Santos para procurar investimentos externos. Apesar de ser o aliado mais leal e servil aos interesses dos Estados Unidos na América do Sul, a Colômbia carece – e muito – de recursos. Agora, ele trata de atrair mais dinheiro da Espanha, que já é o terceiro maior investidor estrangeiro no país.
“Se for bom para os empresários, será bom para nós”, disse Juan Manuel Santos. Não explicou quem seria esse “nós”. Disse que só pede “responsabilidade ambiental e social”. Não explicou como se daria essa responsabilidade. Mas afirmou que a troco oferece “regras de jogo estáveis, segurança jurídica”. São expressões que aos ouvidos empresariais têm o som de Brahms ou Beethoven.
O Banco Mundial diz que, na América Latina, a Colômbia ocupa o primeiro lugar na proteção aos investidores estrangeiros. No mundo todo, ocupa o quinto lugar.
As taxas de crescimento da economia são firmes e elevadas, na média de 4% anuais ao longo dos seis últimos anos, com marca impressionante em 2011: expansão de 6% no PIB, de 43% nas exportações e de 59% no volume de investimentos estrangeiros.
Mas a Colômbia é também um dos países de maiores e mais gritantes diferenças sociais neste continente de injustiças. A dívida social do Estado diante dos cidadãos tem dimensões de escândalo.
O presidente colombiano faz questão de dizer que cumpre todos os deveres de casa e não comete rebeldias como as da Argentina (onde, aliás, a pobreza extrema foi reduzida a 6% da população, menos de um terço da registrada na Colômbia). Reiterou que seu país vive aquilo que classificou de “processo espetacular de transformação econômica”. Anunciou a existência de um plano de desenvolvimento para dez anos, com ênfase em projetos de infra-estrutura.
Também disse que o país sofre enormes carências que significam, ao mesmo tempo, excelentes oportunidades para empresas estrangeiras. A troco dos recursos necessários – e que se situam na casa dos cem bilhões de dólares – seu governo jura fidelidade irrestrita aos sócios estrangeiros.
Diz, com relação ao Mercosul, que ‘essa idéia de acordos em bloco são coisas fora de moda’. Para o seu governo, a ordem é cada um por si e ninguém por todos. Para ele, bom mesmo é acatar a velha ordem estabelecida: Quem paga, manda.
A América Latina cresce e cresce, e continua sendo um dos continentes mais desiguais do planeta. Nesse quadro de grandes distâncias sociais, as da Colômbia são cada vez mais nítidas. Não é por acaso que, em seus esforços para vender o país, Juan Manuel Santos mencione de passagem a necessidade de combater essa desigualdade. De passagem e apenas roçando a superfície, sem aprofundar nada.
Ele foi ministro de Comercio Exterior no governo liberal de César Gaviria, foi ministro da Fazenda no governo conservador de Andrés Pastrana, foi ministro de Defesa no governo liberal de Álvaro Uribe. Transitar com essa leveza entre dois partidos tão radicalmente enfrentados como o Liberal e o Conservador pode ser entendido como dedicação às grandes causas nacionais, acima das diferenças partidárias. E também pode ser entendido como artimanhas de um trânsfuga sem escrúpulos.
Enfim, que fique bem claro: em seus pronunciamentos aos empresários, Juan Manuel Santos não fez uma única menção a programas de combate à desigualdade que assola seu país. Disse e redisse aos espanhóis: “Aqui, não expropriamos nada”.
Não perguntou nada nem disse nada aos milhões de colombianos expropriados de seu próprio país. Aos que tiveram e têm sua esperança expropriada.
É evidente que qualquer país, ainda mais nos dias de hoje, precisa atrair investimentos e estabelecer leques cada vez mais amplos em suas relações comerciais com o resto do mundo. É natural que haja esforço e até mesmo disputa quando se trata de atrair capitais destinados a investimentos produtivos.
Mas como em tudo nesta vida, é preciso agir com um mínimo de dignidade, exigir um mínimo de respeito, impor limites e observar regras mínimas de convivência – mesmo quando se trata de competir por um mesmo objetivo, que neste caso especifico se resume numa só palavra: dinheiro. Ou seja, investidores de qualquer latitude.
Agora mesmo Juan Manuel Santos deu um verdadeiro espetáculo da não tão nobre arte de vender um país a qualquer preço. Dia desses foi realizado em Bogotá o fórum de investimentos e cooperação empresarial Espanha-Colômbia. Anote-se: embora realizado na capital colombiana, não foi um fórum Colômbia-Espanha, porque, também nesse caso, a ordem dos fatores alteraria o produto.
Neste raro momento da história contemporânea sul-americana em que a maioria dos países da região busca linhas de ação conjuntas, entendendo que desunidos somos presa fácil da avidez dos grandes centros econômicos, uns poucos governos – e o colombiano é exemplo cabal disso – preferem atuar por conta própria.
Em Bogotá, o presidente anfitrião lascou, de saída, uma peculiar frase de boas-vindas ao chefe de governo espanhol, o conservador Mariano Rajoy: “Aqui, nós não expropriamos”. Uma piscadela despudorada à Espanha, país submergido numa crise de proporções dramáticas, e uma alusão deselegante, provocadora e desnecessária à decisão da Argentina de re-estatizar a petroleira YPF, controlada até agora pela espanhola Repsol.
Bastante razão tem Juan Manuel Santos para procurar investimentos externos. Apesar de ser o aliado mais leal e servil aos interesses dos Estados Unidos na América do Sul, a Colômbia carece – e muito – de recursos. Agora, ele trata de atrair mais dinheiro da Espanha, que já é o terceiro maior investidor estrangeiro no país.
“Se for bom para os empresários, será bom para nós”, disse Juan Manuel Santos. Não explicou quem seria esse “nós”. Disse que só pede “responsabilidade ambiental e social”. Não explicou como se daria essa responsabilidade. Mas afirmou que a troco oferece “regras de jogo estáveis, segurança jurídica”. São expressões que aos ouvidos empresariais têm o som de Brahms ou Beethoven.
O Banco Mundial diz que, na América Latina, a Colômbia ocupa o primeiro lugar na proteção aos investidores estrangeiros. No mundo todo, ocupa o quinto lugar.
As taxas de crescimento da economia são firmes e elevadas, na média de 4% anuais ao longo dos seis últimos anos, com marca impressionante em 2011: expansão de 6% no PIB, de 43% nas exportações e de 59% no volume de investimentos estrangeiros.
Mas a Colômbia é também um dos países de maiores e mais gritantes diferenças sociais neste continente de injustiças. A dívida social do Estado diante dos cidadãos tem dimensões de escândalo.
O presidente colombiano faz questão de dizer que cumpre todos os deveres de casa e não comete rebeldias como as da Argentina (onde, aliás, a pobreza extrema foi reduzida a 6% da população, menos de um terço da registrada na Colômbia). Reiterou que seu país vive aquilo que classificou de “processo espetacular de transformação econômica”. Anunciou a existência de um plano de desenvolvimento para dez anos, com ênfase em projetos de infra-estrutura.
Também disse que o país sofre enormes carências que significam, ao mesmo tempo, excelentes oportunidades para empresas estrangeiras. A troco dos recursos necessários – e que se situam na casa dos cem bilhões de dólares – seu governo jura fidelidade irrestrita aos sócios estrangeiros.
Diz, com relação ao Mercosul, que ‘essa idéia de acordos em bloco são coisas fora de moda’. Para o seu governo, a ordem é cada um por si e ninguém por todos. Para ele, bom mesmo é acatar a velha ordem estabelecida: Quem paga, manda.
A América Latina cresce e cresce, e continua sendo um dos continentes mais desiguais do planeta. Nesse quadro de grandes distâncias sociais, as da Colômbia são cada vez mais nítidas. Não é por acaso que, em seus esforços para vender o país, Juan Manuel Santos mencione de passagem a necessidade de combater essa desigualdade. De passagem e apenas roçando a superfície, sem aprofundar nada.
Ele foi ministro de Comercio Exterior no governo liberal de César Gaviria, foi ministro da Fazenda no governo conservador de Andrés Pastrana, foi ministro de Defesa no governo liberal de Álvaro Uribe. Transitar com essa leveza entre dois partidos tão radicalmente enfrentados como o Liberal e o Conservador pode ser entendido como dedicação às grandes causas nacionais, acima das diferenças partidárias. E também pode ser entendido como artimanhas de um trânsfuga sem escrúpulos.
Enfim, que fique bem claro: em seus pronunciamentos aos empresários, Juan Manuel Santos não fez uma única menção a programas de combate à desigualdade que assola seu país. Disse e redisse aos espanhóis: “Aqui, não expropriamos nada”.
Não perguntou nada nem disse nada aos milhões de colombianos expropriados de seu próprio país. Aos que tiveram e têm sua esperança expropriada.
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