Verdades inconvenientes
Por Rafael Casé
O atacante do Botafogo Loco Abreu [foto] foi o convidado do programa Redação Sportv nesta
segunda-feira (9/4). Conhecido por não ter papas na língua, o uruguaio
disparou contra a imprensa esportiva. Perguntado pelo apresentador André
Rizek sobre a declaração de um jogador do Cruzeiro, de que ainda
perderia muitos gols além dos que já perdeu, Loco respondeu “na lata”.
“Eu acho o seguinte: O garoto fez dois gols na partida e o repórter vai
lá pra falar justamente do gol que ele perdeu. [...] Mas é isso que
acontece aqui no Brasil. Já aprendi que aqui não se faz um jornalismo
sério, mas um jornalismo de confusão. Ficam explorando a negatividade
pra ver se vai render. [...] Por exemplo, tem três jornalistas do Globo Esporte com quem não falo mais; eles vão ao treino do Botafogo e eu não falo mais com eles, pois já sei no que vai dar.”
E deu um exemplo: “O jogo acaba, e o repórter vem perguntar o que eu
achei; eu falo que o time jogou num 4-3-2-1 mais avançado e tal [...] e
aí o cara vai lá e escreve depois que eu tô querendo questionar o
treinador. [...] Aí, agora, sabe o que eu faço? Não falo mais nada.”
Se no gramado Loco não tem rendido o que a torcida alvinegra espera, à
frente de um microfone só tenho elogios a ele. O uruguaio, até por sua
experiência profissional, foge do lugar comum da maioria dos jogadores
que, por morrerem de medo da repercussão de suas declarações, preferem
seguir a cartilha do bla-bla-blá. O problema é que os jornalistas se
contentam com tais respostas. Ou seja, um finge que falou algo relevante
e o outro finge que acredita. Sobra para os
leitores/ouvintes/telespectadores/internautas que têm que se contentar
com o “teatrinho”.
O jornalismo esportivo, como já afirmei outras vezes, a meu ver está
cada vez mais burocrático e igual. É só pegar os jornais ou sites de
notícias para ver que as matérias são praticamente as mesmas. A
televisão ainda consegue variar um pouco mais, mas no hard news
dos clubes, tudo é igual. Em relação à rotulação dos jogadores, como o
Abreu falou, a situação fica bem clara. Quando a imprensa decide marcar
alguém sob pressão, o ataque é coletivo. Há aquele que perde gols, o
gordo, o baladeiro, o bad boy, o fanfarrão, o contestador... E os treinadores: o supersticioso, o retranqueiro, o professoral, o prepotente, o “filósofo”...
Puxões de orelha
Quantos jovens jogadores já não foram queimados por não corresponderem
às expectativas propaladas pela mídia? Brincadeiras à parte, o que se
fez com o Deivid depois dele perder aquele gol incrível, beirou o
massacre. Entende-se que nas mídias sociais a gozação corra solta, mas
parte da mídia entrou na pilha. E, nesses casos, se o cara não estiver
com sua cota de amor próprio muito em dia, pira.
O “Inacreditável futebol clube” é um exemplo. É engraçado para quem
assiste, mas e para quem perde o gol? Uma vez, questionado se merecia o
título depois de perder um gol feito, o próprio Loco Abreu teve coragem
de dar sua opinião sobre o quadro, que rotulou de palhaçada. A desculpa é
de que o futebol não precisa ser levado tão a sério, mas se o deslize
parte de dentro das quatro linhas, o discurso é outro, o da cobrança de
profissionalismo.
Acho que nosso jornalismo esportivo tem muito a melhorar. É preciso
mais ousadia para se livrar de velhos modelos e de soturnas velhas
práticas, como a do chamado “jabá” (publicação de material jornalístico
favorável em troca de benefícios financeiros ou vantagens pessoais). Por
isso mesmo, puxões de orelha como o do uruguaio são bem-vindos e
necessários.
***
[Rafael Casé é editor do Observatório da Imprensa na TV]
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