domingo, 22 de abril de 2012

O desabafo do ministro Peluso

Os jornais registram nas edições de quinta-feira (19/4) o fato inédito de que o ministro Cezar Peluso deixou o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal sem receber as homenagens de praxe de seus colegas. Em seu último dia no cargo, o ministro concedeu entrevista ao site especializado Consultor Jurídico, na qual destilou acusações contra colegas, queixou-se da presidente Dilma Rousseff e escancarou suas mágoas contra a corregedora Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça.

Ao se encerrar a última sessão que presidiu, um silêncio constrangedor representava a clara desaprovação de seus pares. Ninguém levantou a voz sequer para salvar as aparências com um par de elogios protocolares.

Sua entrevista é leitura interessante que pode revelar como sentimentos tão humanos como inveja, ciúme e carência de aprovação social podem habitar personalidades elevadas aos mais altos cargos públicos.

A manifestação do ministro Peluso e a reação de alguns de seus pares desnudam também a possibilidade de que algumas decisões fundamentais para o bom funcionamento do país podem ser contaminadas por picuinhas e motivos rasteiros como antipatias pessoais, na Suprema Corte, como é de se esperar que aconteça, por exemplo, na câmara municipal de uma cidade inexpressiva.

Críticas diretas

Em sua última oportunidade de prestar contas ainda como presidente da Corte, Peluso abordou questões doutrinárias e jurisprudência, mas se deixou levar também por idiossincrasias pessoais.

Em seu período à frente do STF, o ministro enfrentou a crise provocada pela ação do Conselho Nacional de Justiça contra privilégios de desembargadores paulistas e pela divulgação de detalhes sobre processos contra juízes por venda de sentença e movimentações suspeitas de grandes somas de dinheiro. Sua atuação foi marcada pelo corporativismo e pelo uso descuidado da linguagem ao defender o que considera genericamente como a reputação de seus pares.

Mas ao se contrapor à iniciativa da corregedora Eliana Calmon, de intervir nos inoperantes órgãos internos de controle do Judiciário, o que ele obteve foi a explicitação de uma realidade espantosa feita de abusos, privilégios e impunidade.

Obstinado em defender a magistratura, ele acabou por se colocar, diante da opinião do público, em oposição ao processo de correção dos desvios comprovadamente praticados por juízes por todo o país.

A entrevista original, publicada em três partes no site Consultor Jurídico, contém muito mais do que os detalhes extraídos pelos jornais. Na quinta-feira (19), o site publica um artigo em homenagem ao ministro, no qual ele é apontado como “grande jurista e humanista”.

Em suas declarações, Peluso aborda algumas questões doutrinárias, relata o momento de crise quando o Supremo Tribunal Federal decidiu desmanchar a Operação Satiagraha e deixa entrever algumas rusgas pessoais entre os componentes da Corte.

É no ponto em que faz críticas diretas à corregedora Eliana Calmon e ao ministro Joaquim Barbosa – que acusa de aproveitar politicamente a exposição midiática causada pelo julgamento do caso chamado “mensalão” – que Cezar Peluso deixa vazar suas mágoas pessoais, transitando do papel de magistrado para a pele do homem comum.

Recortando a entrevista

Mas é na parte final, quando as perguntas giram em torno do efeito da mídia nos julgamentos do STF, que se manifesta a sua verdadeira preocupação, que deveria ter chamado a atenção dos jornais: nesse trecho, Peluso afirma que a mídia, ao assumir o que considera clamor da sociedade, acaba produzindo um efeito catártico que, se atende às carências emocionais dos cidadãos, pode prejudicar o efeito de Justiça.

Nesse sentido, Peluso concorda com o entrevistador quanto à criação de um clima de linchamento em determinados julgamentos, citando especificamente o caso chamado “mensalão”. Ele deixa subentendido que muitos ministros tendem a considerar que não há elementos para uma condenação generalizada, mas evitam se manifestar mesmo em conversas com seus pares, com medo de que sua opinião vaze para a imprensa.

Ele afirma não ver uma orientação de caráter geral da imprensa nesse caso, mas declara, explicitamente, que “se os meios de comunicação acham, por exemplo, que certo ministro irá votar a favor dos envolvidos, eles o agridem”.

Os jornais omitem esse trecho da entrevista. Compreensível. A imprensa costuma defender o controle externo da sociedade sobre todos os poderes do Estado – colocando-se, ela própria, como órgão corregedor dos feitos públicos.

Mas a imprensa não discute a imprensa.


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