O delegado Paulo Lacerda tinha tudo para ser um ícone do
funcionalismo público. Funcionário exemplar, foi responsável pela
transformação da Polícia Federal em uma organização eficiente e peça
chave na luta contra a corrupção e o crime organizado.
A virada da PF foi o primeiro alento, para o cidadão comum, de que o
crime organizado poderia ser combatido de forma eficiente pelo Estado.
Nomeado para a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), estava
pronto a repetir o trabalho na PF e a dotar o Sistema Brasileiro de
Inteligência (o SISBIN, a coordenação das diversas agências públicas no
combate ao crime organizado) em uma organização exemplar.
Em 2007, junto com o general Félix, Ministro do GSI (Gabinete de
Segurança Institucional) visitou os Estados Unidos atrás de modelos de
atuação contra o terrorismo e o crime organizado, remodelado após os
atentados de 11 de setembro.
Visitaram o Departamento de Defesa, a CIA, o
Tesouro, o FBI e um novo órgão, o Departamento Nacional de Inteligência,
criado justamente para supervisionar a ação dos demais e integrar as
investigações.
Havia a necessidade de um supervisor similar no Brasil, capaz de
coordenar as informações provindas da PF, da Receita, Banco Central,
COAF, INSS etc. Como a ABIN é um órgão de inteligência,
Decidiram criar um Departamento de Integração do SISBIN dentro da
Agência. Reformou-se um anexo da ABIN, instituíram-se concursos que
trouxeram novos funcionários, de alto nível, definiu-se uma política de
cargos e salários.
O DI ficou em um andar inteiro. Havia um imenso corredor, com um
conjunto de salas, cada qual destinada a um órgão da SISBIN. Não havia
ingerência da ABIN. Cada órgão indicava um funcionário para trabalhar
seu banco de dados, sem obrigação de passar os dados para o grupo.
No fim do corredor, uma sala onde haveria reuniões diárias de todos
para analisar as demandas e definir as estratégias de combate ao crime
organizado.
Estava tudo pronto para começar, quando estourou a Satiagraha. E aí,
uma ação conjunta de Daniel Dantas, da revista Veja, do então presidente
do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e do Ministro da
Justiça Nelson Jobim, destruiu o trabalho e atrasou em anos o avanço da
luta contra o crime organizado.
Primeiro, foi a história do “grampo sem áudio” – o telefonema
supostamente gravado entre Gilmar Mendes e o lugar-tenente do bicheiro
Carlinhos Cachoeira, senador Demóstenes Torres -, repercutido com
exclusividade pela Veja.
Depois – mais grave ainda – o falso alarme do STF de que teria havido
escuta no órgão. Com base em um relatório que tecnicamente não
comprovava escuta, homens de confiança de Gilmar abasteceram a revista –
sempre a Veja - com falsas denúncias.
O terceiro tiro foi dado por Jobim que, com base em uma lista falsa,
acusou a ABIN de dispor de equipamentos de escuta. A denúncia, mais uma
vez, arquitetada com a Veja.
A soma de pressões obrigou ao afastamento de Paulo Lacerda e sua aposentadoria do serviço público.
Nesse período, a revista se aliou a dois esquemas barra-pesadas, o do Banco Opportunity e o de Carlinhos Cachoeira.
A CPI será uma boa oportunidade de passar essas histórias a limpo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário