Carlinhos e a inconsolável companheira |
Há muitos anos assisti ao filme “Buona Notte Avvocato”.
Nesse
filme, o saudoso Alberto Sordi interpreta um advogado de boa dialética,
mas incapaz de absolver os seus clientes em processos criminais com
acusações e provas frágeis.
Numa
sustentação oral em juízo, o protagonista expõe aos julgadores uma tese
defensiva: “Excelentíssimos juízes, atentem para a cara do réu. O meu
cliente, vejam, tem a cara de um ladrão. Ninguém com essa cara de ladrão
teria condição de roubar. Para roubar é necessário uma cara honesta,
insuspeita. Por isso, peço a absolvição porque ter cara de ladrão não é
crime”.
Nos
inquéritos policiais decorrentes das operações Las Vegas e Monte Carlo
nenhum dos suspeitos de ilicitudes tem cara de ladrão, tomado o termo
ladrão, frise-se, na acepção popular de quem aufere indevidas vantagens
econômico-financeiras em prejuízo da sociedade civil.
Os
inculpados, no entanto, exalam odores de ilicitudes e temos até três
governadores: Marconi Perillo (PSDB-Goiás), Agnelo Queiroz (PT-Distrito
Federal) e Sérgio Cabral (PMDB-Rio). Um quarto, o de Santa Catarina,
poderá entrar na dança, pois um seu secretário de obras, em gravação
interceptada, conversava de “negócios” com Cachoeira.
Perillo
chegou a dizer que recebeu Cachoeira apenas uma vez e em audiência
formal. Depois dessa afirmação e de dispensar a secretária particular
ligada a Cachoeira, veio a furo uma ligação telefônica do governador a
cumprimentá-lo pelo natalício e a protestar por não haver sido convidado
para a festa.
Queiroz está embananado com escutas telefônicas clandestinas e de aditivos com contrato de coleta de lixo com a Delta.
Cabral
é suspeito de privilegiar a Delta Construções, inclusive com dispensa
de licitações. Mais, a Delta começou a executar obras no Rio quando do
governo da “família Garotinho”.
O
senador Demóstenes Torres, pivô do escândalo com Carlos Augusto Ramos,
apelidado Carlinhos Cachoeira, possuía cara de honesto e se apresentava,
no Parlamento e em entrevistas, em panos de Varão de Plutarco. Na
realidade e consoante revelado nas interceptações telefônicas
judicialmente autorizadas, atuava como partícipe de uma potente e
parasitária organização criminosa.
A
primeira desconfiança contra Demóstenes surgiu quando ele afirmou ter
sido Gilmar Mendes grampeado e confirmou a interlocução mantida com ele,
cujo teor fora antes publicado pela revista Veja. Como se sabe, não
houve grampo, mas armação para derrubar o delegado Paulo Lacerda, que
apoiou as apurações contra o banqueiro Daniel Dantas conforme
indicativos com lastro de suficiência.
Outra
desconfiança derivou da Operação Las Vegas, em que Demóstenes é
revelado como auxiliar de Cachoeira. Esse inquérito, apesar da
gravidade, foi para o freezer do gabinete do procurador Roberto Gurgel,
que também não tem cara de ladrão e deveria se dar por impedido para
atuar nos autos.
Demóstenes,
à época, atacou o tratamento privilegiado dado por Gurgel no escândalo
que envolveu o então ministro Antônio Palocci. Palocci orquestrou a
recondução de Gurgel ao segundo mandato de procurador-geral da República
e, como decorrência, titular exclusivo de ações criminais contra
detentores dessa excrescência brasileira denominada foro privilegiado.
O
senador “embananado”, segundo conversa com Cachoeira, atacava o
processo de recondução de Gurgel para que este, pressionado, mantivesse
no “freezer” o apurado pela Vegas. Num certo momento, e para surpresa
geral, Demóstenes passou a ser favorável à recondução de Gurgel e o
inquérito permaneceu no “freezer”. Aliás, só saiu do “freezer” por
pressão de parlamentares.
Gurgel,
para justificar o “freezer, fez o papel desempenhado por Alberto Sordi,
e sustentou o insustentável. Gurgel declarou que aguardava a conclusão
da Operação Monte Carlo, que começou em 2010. Só se esqueceu de que a
Operação Las Vegas, iniciada em 2007, findou em 2009, bem antes do
início da Monte Carlo. Assim, Gurgel deveria se dar por impedido, e usar
como justificativa motivo de foro íntimo.
Além
de não se declarar impedido, Gurgel se aproveita de estar à frente da
ação penal para não comparecer à CPMI. Sua alegação é de não poder ser
testemunha na CPMI e promovente da ação penal junto ao Supremo Tribunal
Federal.
Quanto a Cachoeira, está patente que não faz o tipo ultrapassado de comandante da velha Máfia, a disparar e matar para mostrar força e difundir o medo. Ele é adepto do método mafioso moderno, que macula diversos sistemas financeiros, mistura dinheiro de origem ilícita com capitais de empresários ávidos por obras e concessões de serviços públicos.
Sobre
as correlações com Cachoeira, a defesa do presidente da Delta fez
colocação que caberia no filme estrelado por Sordi. Para Cavendish, o
diretor Cláudio Abreu atuou por conta própria ao estabelecer vínculos
com Cachoeira. Cavendish esqueceu de dizer que a atuação de Abreu
implicou vultosos lucros financeiros para a empresa Delta e não consta
que esses resultados monetários tenham sido estornados da contabilidade
da empresa e devolvidos a Abreu. De diretor de prestígio, Abreu assumiu o
papel de costas largas.
Não
se sabe como terminará CPMI. Sua conclusão não vincula o Ministério
Público, mais especificamente Gurgel, que, por falta de explicações,
tornou-se inconfiável.
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