Se tivesse que definir o Zeitgeist (clima intelectual e cultural do
mundo em uma determinada época) de nosso tempo, diria que vivemos a era
da hipocrisia e da desfaçatez. E tal fenômeno não é afeito só ao Brasil,
mas ao mundo, à época em que vivemos.
Os Estados Unidos, por exemplo, inventam que um país milenar do
Oriente possui “armas de destruição em massa”, mesmo que só tenha o
petróleo de que a potência precisa, e, assim, invadem-no, matam
populações civis como moscas e continuam posando como nação de
super-heróis.
Aqui, na América do Sul, uma casta de vigaristas depõe um presidente
legitimamente eleito, fecha o congresso e, depois que o golpe fracassa,
acusa o presidente reconduzido ao poder pelo povo de ser “ditador”
apesar de suas vitórias eleitorais serem inquestionáveis.
Perto disso tudo, pode parecer menos grave a hipocrisia e a
desfaçatez que imperam no país, mas nem tanto. Nas últimas vinte e
quatro horas pudemos ver que não fazemos feio em disputas desse tipo.
Basta ver o show humorístico do mais fidedigno sósia do humorista Jô
Soares já encontrado.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deu sentido ao termo
caradurismo. Como tem sido amplamente veiculado, ele teve nas mãos
todos os indícios de que Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres
dirigiam uma organização criminosa e sentou em cima das provas.
Por conta disso, a CPMI do Cachoeira quer convocá-lo a depor para
explicar por que agiu assim. O movimento por sua convocação cresce entre
governistas e oposicionistas. Mas foi só após o depoimento do delegado
da Polícia Federal Raul Souza na última terça-feira que esse sentimento
cresceu.
O delegado deixou claro que o procurador-geral da República poderia
ter agido há quase três anos contra Cachoeira e companhia limitada e
nada fez. A ele se juntaram oposicionistas como o deputado Onyx
Lorenzoni (DEM-RS) e o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). E, claro,
os membros governistas da CPMI.
Só para ilustrar o caso, Lorenzoni, do De-mo-cra-tas, declarou que
“Ele [Gurgel] está sem defesa” porque “Estava com a bomba atômica na mão
[relatório contra Demóstenes] e nada fez”.
Isso não impediu que o humorista-mor da República declarasse que os
que querem convocá-lo a se explicar agem assim porque estariam “com
medo” de sua atuação no inquérito do mensalão, como se Randolfe ou
Lorenzoni estivessem envolvidos no caso.
Para que refletir que confrontá-lo obviamente seria o caminho mais
curto para enfurecê-lo, gerando o risco de uma vingança de sua parte na
condução do processo?
Alguns dirão que pior ainda é a mídia dizer que a Veja não fazia
parte do esquema Cachoeira apesar de as escutas da PF mostrarem o
contrário, ou seja, que o bando a usava, por exemplo, para derrubar
funcionários do governo que atrapalhavam a construtora Delta e, em
troca, o contraventor municiava a publicação com denúncias contra o
mesmo governo.
Pois eu digo que o quadro humorístico de Gurgel é ainda mais
hilariante. Os políticos e a imprensa fazem jogo político, não se espera
desses atores a postura que se espera do chefe de uma instituição como o
MPF, alguém que tem por dever constitucional fazer exatamente o
contrário do que fez.
Jô Soares já pode até tirar umas férias e colocar Gurgel em seu lugar
que, muito provavelmente, ninguém notará a diferença. Talvez até achem o
procurador-geral mais engraçado.
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