Professora e filósofa considera que estrutura da universidade, com "indústria do vestibular" e poder concentrado, é herança da repressão
A filósofa Marilena Chauí defende a instalação de uma comissão da verdade para apurar atuação da USP durante a ditadura (Arquivo RBA) |
São Paulo – A filósofa Marilena
Chauí considera que a comissão que irá apurar a verdade sobre os
episódios da ditadura (1964-85) na Universidade de São Paulo (USP) terá a
incumbência de trazer à tona as conexões entre o passado e a estrutura
atual da instituição. Durante ato realizado na Faculdade de Economia,
Administração e Ciências Contábeis (FEA), na Cidade Universitária, a
professora cobrou que o reitor João Grandino Rodas aceite o pedido para
instalar o colegiado, que teria número igual de docentes, funcionários e
estudantes.
“Há uma história subterrânea e
obscura da USP que eu espero que a comissão traga para a superfície”,
afirmou a professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas. “Não só daqueles que sabemos que foram torturados,
mortos e estão desaparecidos, mas também dos que foram presos, dos que
foram presos e torturados, o modo como se deu a cassação dos
professores, a participação ativa das congregações dos institutos e das
faculdades para cassar seus próprios colegas.”
Ela
reafirmou que a atual estrutura da USP é fruto do Ato Institucional
número 5, editado em 1968 e considerado o responsável pelo
recrudescimento das violações de direitos humanos, em especial da
tortura, e pela cassação de direitos políticos e acadêmicos. Naquele
momento, vários docentes foram expulsos desta e de outras universidades.
A diferença, para Chauí, reside no fato de que na USP não houve uma
união de todas as categorias para promover uma reforma que varresse do
arcabouço institucional as heranças da repressão.
“A
ditadura se manteve nessa universidade pela estrutura que tem do ponto
de vista acadêmico, ou seja, a organização dos cursos, a existência de
créditos, matérias optativas e matérias obrigatórias, o número de horas
de aula a que o aluno é obrigado a assistir, a indústria do vestibular.
Há uma série de elementos ligados à reforma feita na universidade pela
ditadura”, disse, acrescentando que a estrutura de poder, concentrada na
figura do reitor, é um dos exemplos desta falta de transição para a
democracia.
Novamente, foram feitas críticas a
João Grandino Rodas, responsável por uma série de medidas que provocaram
insatisfação entre funcionários, alunos e professores. A mais famosa
delas é o convênio firmado no ano passado para que a Polícia Militar
passasse a atuar na Cidade Universitária – antes, o trabalho de
monitoramento do campus era promovido por uma guarda própria. De lá para
cá, surgiram vários relatos de violência por parte de policiais contra
estudantes, alguns deles documentados em imagens.
Para
Paul Singer, professor da FEA e secretário de Economia Solidária do
Ministério do Trabalho, os problemas atuais estão conectados à falha na
transição da estrutura de poder da USP para a democracia. “A proposição
aqui está não só em fazer justiça aos que foram vítimas da violência, e
houve muitas. Uma grande parte, como eu, conseguiu sobreviver, e outros
não conseguiram, foram liquidados e mortos. É importante saber da
verdade não só para evitar que coisas revoltantes venham novamente a
acontecer. É mais do que isso: é entender o presente. Entender o passado
é fundamental para saber por que as pessoas são como são.”
Fonte: Rede Brasil Atual
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