Homenagem a Pinochet causa indignação
Ex-apoiadores de Augusto Pinochet convocaram uma homenagem ao ex-ditador para este domingo (10). Organizações sociais, grupos de defesa dos direitos humanos, políticos e familiares de vítimas do genocida, se opuseram à realização do evento e pediram sua proibição. A Justiça chilena, porém, autorizou o ato. O Prêmio Nobel da Paz em 1980, Adolfo Pérez Esquivel, considerou uma “aberração” e um “atentado contra a democracia” a suposta homenagem.
Christian Palma, de Santiago
Santiago
- O número de vítimas da ditadura encabeçada por Augusto Pinochet
(1973-1990) superou 40 mil pessoas, cifra na qual se incluem 3.225
mortos ou desaparecidos e milhares de torturados e exilados, segundo um
informe oficial elaborado pela Comissão Valech, que investiga os abusos
contra os direitos humanos no Chile nas décadas de 1970 e 1980. Apesar
desses números horrorosos, um grupo de rançosos apoiadores das botinas e
baionetas militares pretende realizar uma homenagem ao genocida neste
domingo. Mas não será fácil. Diversas organizações sociais, grupos de
defesa dos direitos humanos, políticos e familiares de vítimas do
horror, se opuseram ao evento que será realizado em um estádio no centro
de Santiago.
A Corte de Apelações de Santiago
do Chile pediu à Prefeitura Metropolitana e à direção geral dos
carabineiros que entregassem informes sobre a realização da homenagem a
Pinochet. O prazo venceu na sexta e a Justiça autorizou o ato recusando o
pedido feito pela Agrupação de Familiares Detidos Desaparecidos (AFDD)
para que impedisse a realização do ato organizado pela Corporação 11 de
Setembro, dia em que as forças armadas lideradas por Pinochet atacaram o
Palácio de La Moneda e deram início a um período de horror no Chile.
Esse grupo de velhos fascistas apresentou um recurso preventivo pedindo
aos juízes que garantissem o seu direito de reunião, consagrado na
Constituição do país.
O deputado do Partido
Comunista, Lautaro Carmona, lamentou que existam grupos que insistam em
reivindicar a figura de Augusto Pinochet, que, na sua avaliação,
representa “a obra mais monstruosa da história do país”. Por isso, pediu
ao governo de Sebastian Piñera que adotasse uma posição de Estado para
coibir o ato.
“É lamentável que não haja uma voz
clara, inequívoca e dura da parte do governo dizendo que não há lugar
para esse tipo de reivindicação. Deveria ser uma posição de Estado dizer
que não há espaço para homenagear o massacre no Chile e que isso atenta
contra a convivência. “O que pensaria a sociedade alemã se hoje um
grupo reivindicasse uma homenagem a Hitler? Creio que toda a sociedade
repudiaria essa tentativa”, disse Carmona.
Por
sua parte, a AFDD e o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH)
convocaram protestos contra a estreia de um documentário que será
exibido no Chile e que mostra a gestão do falecido ditador. Mas não
foram os únicos a levantar a voz. O Prêmio Nobel da Paz em 1980, Adolfo
Pérez Esquivel, considerou uma “aberração” e um “atentado contra a
democracia” a suposta homenagem.
“É uma
aberração. O governo deve suspender esse ato que representa um atentado à
democracia. Ou se esqueceram que assassinaram um presidente
constitucional eleito pelo povo, como Salvador Allende, se esqueceram
das mortes, das torturas, do desaparecimento de milhares de chilenos.
Fazer uma homenagem a um criminoso é querer avalizar a tortura, os
golpes de Estado e as violações dos direitos humanos”, afirmou.
Hugo
Gutiérrez, outro deputado comunista, disse não ter estômago para ver
homenagens ao ex-ditador Augusto Pinochet, muito menos ainda quando o
tratam como um herói. “É preciso aceitar todas as diferenças de opinião,
mas há certas opiniões que são apologias do ódio e que reivindicam
fatos como os que ocorreram durante a ditadura. Creio que fazer um
chamado para que se repitam esses mesmos fatos, isso é inaceitável e um
país que entende que é possível fazê-lo é um país que aprendeu muito
pouco com o que aconteceu”, disse o deputado.
Além
disso, afirmou que o “Chile deve estar um pouco louco e creio que a
culpa, em grande medida, é a da transição para a democracia que nós
tivemos e que manteve não só a institucionalidade de Pinochet, como
também seu modelo econômico. E manteve a cultura da impunidade
repressiva que se mantém até os dias de hoje, o que faz com que todos
esses criminosos que povoaram a ditadura de Pinochet e que hoje posam
como democratas se atrevam a promover tais atos”, acrescentou.
Do
outro lado, o general aposentado Luis Cortés Villa, ex-diretor da
Fundação Pinochet, saiu em defesa do documentário “Pinochet”, que deve
estrear neste domingo no Teatro Caupolicán, pois, na sua avaliação,
resgata “o papel que desempenhou na história do Chile do Chile e sua
atuação fundamental para salvar o país”. Já o senador da Renovação
Nacional (um dos partidos de direita que apoia o governo de Piñera),
Carlos Larraín, confirmou que não participará da homenagem porque
considera a mesma inapropriada, ainda que defenda a possibilidade de
realizá-la. “Parece-me perfeitamente legítimo. Há pessoas que têm
nostalgia dele e há outros que simplesmente não aceitam que seja
caricaturizado, então estão querendo reestabelecer um certo equilíbrio”.
Enquanto
isso, a vicepresidenta da Agrupação de Familiares e Detidos
Desaparecidos, Mireya García, apontou que o panorama atual do país é que
propicia esse tipo de homenagem. “A direita e os partidários da
ditadura estão absolutamente soltos, não têm nenhum limite. Esse é o
período no qual sentem que tudo é possível. É realmente uma agressão
insustentável, insuportável”, disse categórica.
Finalmente,
o diretor para as Américas da Human Rights Watch, o chileno José Miguel
Vivanco, afirmou que a homenagem está amparada pela liberdade de
expressão. “Se um setor da população quiser expressar seu apoio a um
ditador que conduziu uma ditadura brutal, violenta, por 17 anos no
Chile, responsável por massivas e gravíssimas violações dos direitos
humanos, como nunca antes na história do Chile, lamentavelmente tem o
direito de fazê-lo”, sustentou.
O diretor do
organismo destacou que “a liberdade de expressão protege inclusive atos
ou eventos tão reprováveis como este”. “Os participantes desse ato podem
ser objeto de reprovação moral de outras pessoas e isso poderá ser tema
de um debate público forte, mas esse direito está amparado no direito
internacional”, concluiu.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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