O argumento é de que a Comissão criada pelo governo federal tem caráter revanchista e investiga apenas “um lado” da história
Uma das principais expectativas em relação à Comissão
Nacional da Verdade será o acesso de seus membros a documentos que
estão em arquivos militares e ainda não foram abertos ao público.
Apesar
de o decreto que criou a Comissão prever acesso irrestrito de seus
integrantes a esses arquivos, familiares de vítimas temem uma possível
sabotagem, como explica o jornalista Pedro Pomar, neto de Pedro Ventura
Felipe de Araújo Pomar, assassinado em 1976, e filho de Wladimir Pomar,
preso e torturado pelo regime.
“A gente sabe que
há militares sugerindo e propondo aos seus colegas de armas que sabotem a
Comissão da Verdade. Então é preciso que o governo tenha disposição
para punir quem fizer isso”, diz.
De sua parte,
os militares fazem pressão. Em maio deste ano, oficiais reformados do
Clube Naval do Rio de Janeiro anunciaram a criação de uma “comissão
paralela”. Segundo seus membros, o grupo não deve produzir um relatório
próprio, mas apenas rebater acusações que forem feitas pela Comissão
Nacional da Verdade.
“Os militares têm o direito
de fazer qualquer comissão ou qualquer discussão que acharem pertinente,
desde que se contenham dentro dos limites da lei”, afirma a advogada
criminalista Rosa Maria Cardoso da Cunha, integrante da Comissão
Nacional.
Na avaliação do ex-preso político e
membro da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos
Ivan Seixas, o objetivo dos militares é intimidar os trabalhos da
Comissão Nacional da Verdade. “Eles vão provar o quê, que não fizeram? É
pressão de golpista, torturador, que resolveu dizer que tem a verdade”,
avalia.
O argumento dos militares é de que a
Comissão criada pelo governo federal tem caráter revanchista e investiga
apenas “um lado” da história, ao não se focar nas ações de resistência
ao regime.
Para o presidente da Comissão Estadual
da Verdade “Rubens Paiva” da Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo (Alesp), o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) , a
investigação que pleiteiam os militares já foi realizada durante a
própria ditadura.
“Essa parte a polícia secreta
já fez. Quem derrubou o regime democrático em 1964 foram os golpistas,
quem instalou o Estado de exceção foram os golpistas. Os que resistiram
já foram presos, torturados, identificados, punidos e massacrados”,
enfatiza.
A atuação dos militares, para a
professora da Universidade de São Paulo (USP) Vera Paiva, filha de
Rubens Paiva, não deverá ser um entrave para os trabalhos de
esclarecimento da Comissão da Verdade. O principal prejuízo desse grupo,
segundo ela, é continuar reproduzindo as mesmas práticas de violência e
repressão.
“Em vez de formar gente na
mentalidade democrata, [os militares] estão formando gente para defender
uma coisa que não precisariam mais estar defendendo. A minha
preocupação é com a Polícia Militar, por exemplo, que foi produzida
nesse período e que continua arbitrária”, ressalta.
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