Por Urariano Mota
Recife (PE) - Para quem acreditava que a ordem nos quartéis espelharia hoje a democracia do Brasil, para quem pensava que os crimes e torturas teriam ficado lá na ditadura, lugar onde não devem ser tocados ou lembrados, como insistem correntes militares, a notícia que dos jornais correu pela internet, há poucos dias, foi um choque além do pau de arara. Leiam com o sangue gelado, se puderem:
“Soldados do quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, onde funcionava o Doi-Codi na ditadura militar, corriam ontem pela manhã na rua Barão de Mesquita, no Rio, cantando: ‘Bate, espanca , quebra os ossos. Bate até morrer’. O instrutor então perguntava: ‘E a cabeça?’. Os soldados respondiam: ‘Arranca a cabeça e joga no mar’. No final o instrutor perguntava: ‘E quem faz isso?’. E os soldados respondiam: ‘É o Esquadrão Caveira!’.”
Diante disso, dessa manifestação explícita de terror orientado, autoridades de farda acharam por bem tratar o caso em panos mornos, sob declarações de que um rigoroso inquérito viria, que tamanho absurdo era um fato isolado, que semelhante exibição não é seguido nem preconizado, etc. etc. E tudo parece que foi resolvido, e por resolução se entenda e imaginamos, por fruto da experiência vivida: subalternos são chamados entre quatro paredes para que não se mostrem assim em público, que se contenham, pois tal acinte é inconveniente agora, que há de ser discreto.
Em círculos democráticos, de históricos resistentes da ditadura, houve sugestões de
se pensar um projeto de lei que obrigasse aos quartéis o ensino de
respeito a Constituição brasileira, pois dessa maneira cânticos bárbaros
como os acima seriam enquadrados como incitação a crimes de
lesa-humanidade. Tudo bem, achamos a ideia do projeto de lei ótima, mas o
respeito à Constituição poderia terminar por ser um respeito formal
para a sala da mídia, enquanto entre muros a música da Constituição
entraria por um ouvido e sairia pelo outro. Algo como os dez mandamentos
para todo religioso, que os segue pro forma.
Creio que a ideia de proposta que mude esse escárnio deve se dirigir
para a reformulação radical do ensino nas Escolas Militares. Como já
observei em artigo anterior, nessas escolas de formação há um expurgo,
um desaparecimento de vidas democratas, de assassinatos de presos
políticos na ditadura. E assim se formam novos oficiais nas três forças,
como se fossem a encarnação do Fantasma das histórias em quadrinhos. De
geração a geração com o mesmo caráter, com o mesmo papel, a cavalgar em
um cavalo branco pelo vazio histórico. De 1964 a 2012.
Nos discursos mais comuns dos oficiais militares que pretendem
eternizar uma Escola imune à democracia e à história dos homens,
argumenta-se: a) os jovens brasileiros que não se formaram no Colégio
Militar não pensam nem se instruem; b) a história vivida e produzida por
intelectuais e doutores das universidades brasileiras não serve para o
ensino militar. Não seria mais simples que proclamassem, como o general
fascista na Espanha, “morte à inteligência”?
Se aprofundamos a
pesquisa, à procura da raiz dos cantos selvagens de mata e corta a
cabeça na ordem-unida, podemos ver que a Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército também se chama Escola Marechal Castelo Branco,
até hoje. O militar golpista assim é apresentado no endereço [clique aqui]:
“Castello Branco empreendeu todos os esforços contrários à implementação de um regime totalitário no país, sendo um dos líderes da Revolução Democrática de 31 de março de 1964. Eleito Presidente da República pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, três dias depois foi promovido ao posto de Marechal, passando para a reserva”.
Notem, é institucional. Esse perfil está lá na Escola de Comando do
Exército brasileiro até esta quinta-feira 19 de julho de 2012. Ali, o
governo João Goulart continua a ser chamado pelo codinome de regime
totalitário, enquanto o golpe recebe a bela antonomásia de Revolução
Democrática. Precisa dizer mais? Está aí uma das raízes do problema. Nas
Escolas militares, no Alto Comando a ordem do dia tem sido até aqui:
direita, volver. Mas para todos nós que ambicionamos um Brasil
civilizado, a ordem deveria ser outra: democracia, volver. Urgente,
antes que seja nunca.
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