Uma coisa é a mera exposição objetiva, ainda que em tom crítico, dos
fatos reais. Muito diferente, porém, é a atribuição indevida a alguém de
palavras e juízos de valor que implicam imputação de crime.
Principalmente quando esse “alguém” é um juiz. O entendimento é da 6ª
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou a favor de Apelação de delegado contra a Empresa Folha da Manhã S/A, que publica o jornal Folha de S.Paulo, e os jornalistas André Caramante e Rogério Pagnan.
O delegado Luis Augusto Castilho Storini ajuizou ação pedindo
indenização por danos morais devido a reportagens do jornal que, segundo
ele, divulgaram informações falsas e difamatórias e usaram
indevidamente sua imagem (Leia as reportagens abaixo). Ele afirmou terem sido atribuídas, pela Folha,
à juíza que conduziu a instrução do processo “falsas afirmações e
juízos de valor”. Nesta quinta (9/8), o tribunal reverteu decisão de
primeiro grau e condenou os réus a pagar R$ 10 mil em indenização por
danos morais.
Storini foi representado pelo advogado Ronaldo Tovani. A Folha foi defendida pela advogada Mônica Filgueiras da Silva Galvão.
As reportagens foram publicadas nos dias 14 e 21 de agosto de 2009, e
em 24 de janeiro de 2010. As duas primeiras tiveram os títulos:
“Acusados de fraude na saúde ‘somem’ de investigação” e “Sumiço de nomes
em investigação é apurado”. Na terceira, o delegado aparece em
fotografia com a legenda “alguns exemplos de (delegados) afastados ou
investigados na polícia de SP”.
Titular da Unidade de Inteligência do Departamento de Polícia
Judiciária da capital paulista, o delegado Storini foi o responsável
pela operação Parasitas, que em 2008 investigou irregularidades na
Secretaria estadual da Saúde. A Polícia Civil chegou a prender cinco
acusados de fraudar licitações em hospitais públicos da Prefeitura de
São Paulo e do governo do estado, e de outros 29 municípios no Rio,
Minas Gerais e Goiás.
Segundo as reportagens, o delegado teria favorecido as empresas
Embramed e Halex Istar, investigadas na operação. Notícia publicada no
dia 14 de agosto de 2009 afirmou que, segundo o Ministério Público, as
duas empresas seriam alvo de inquéritos sob responsabilidade do
delegado, mas que certidões obtidas pelo jornal confirmavam que as
empresas não eram investigadas. Na denúncia apresentada à Justiça,
segundo a Folha, foram acusadas 13 pessoas e seis pequenas empresas, mas não as consideradas “peças-chave” no suposto esquema.
No dia 21 de agosto de 2009, a Folha publicou texto em que
informava a abertura de investigação contra o delegado, e citou trecho
da decisão da juíza da 2ª Vara Criminal Daniela Martins de Castro
Mariani Cavallanti, que, segundo o texto, considerou anormal a "ausência
de indicação expressa dos nomes das empresas e seus sócios". Ainda
segundo o jornal, documentos sobre o “sumiço” das empresas foram
entregues ao então procurador-geral de Justiça, Fernando Grella Vieira,
ao então delegado-geral da Polícia Civil, Domingos Paulo Neto, e à então
corregedora da Polícia Civil, Maria Inês Trefiglio Valente, que abriram
investigação contra o delegado.
Para o relator do caso, desembargador Alexandre Lazzarini, a primeira
reportagem não violou os direitos de personalidade do delegado, por
haver simples exposição de fatos, “ainda que de forma crítica, o que não
ultrapassa o mero exercício da atividade jornalística”, disse em seu
voto. “A reportagem teve a preocupação de abrir espaço, permitindo ao
ora apelante que se manifestasse a respeito dos fatos.”
Já na segunda reportagem, para o relator, os jornalistas não tiveram o
mesmo cuidado, uma vez que a notícia, segundo ele, “extrapola o direito
de crítica, com a utilização de informações incorretas e juízos de
valor falsamente imputados à magistrada condutora do processo crime”. Em
informações enviadas à 6ª Câmara, a juíza Daniela Cavallanti
“esclareceu que não concedeu qualquer entrevista aos corréus, bem como
não autorizou a publicação de decisão”, afirma o desembargador em seu
voto. Ele diz que a juíza não reconheceu as opiniões expressadas na
reportagem.
“Tal reportagem, portanto, ultrapassa os limites da função
jornalística, que é de informar à coletividade fatos e acontecimentos,
de maneira objetiva, sem alteração da verdade, resvalando nos direitos
de personalidade do autor”, disse o desembargador. “Mais grave do que a
divulgação de fatos inverídicos, é a atribuição à autoridade julgadora
de falsos juízos de valor, sendo evidente, em tal caso, o potencial
lesivo da conduta (…), diante do imenso número de leitores do periódico
de grande circulação.”
Lazzarini considerou abusiva também a publicação de foto do delegado
para ilustrar reportagem sobre delegados investigados. “A divulgação da
imagem e do nome do apelante, em destaque, em reportagem que, embora
trate de delegados afastados ou investigados, não indica todos os
profissionais que se enquadram em tal situação, implica exposição
pública desnecessária e atentatória à honra e imagem”, escreveu. Para
ele, mesmo que seja verídico o fato de o delegado ser investigado, a
exposição causou “desgaste moral e psicológico”.
No entanto, a Câmara rejeitou o pedido de publicação da íntegra da
decisão pelo jornal, uma vez que a regra que previa esse tipo de medida,
a Lei de Imprensa, foi considerada inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal. Segundo Lazzarini, a publicação da sentença nada tem a
ver com o direito de resposta previsto no artigo 58 da Lei 9.504/1997, a
Lei das Eleições.
A Folha, por sua vez, pediu a manutenção da sentença de
primeiro grau, da 19ª Vara Cível da capital paulista, que negou a ação
entendendo ter havido exercício regular da atividade jornalística. Pediu
também a condenação do delegado por litigância de má-fé e que fossem
riscadas expressões injuriosas da petição no recurso. Ambos os pedidos
foram negados.
Participaram do julgamento os desembargadores Vito Guglielmi e Percival Nogueira, que seguiram o voto do relator.
Clique aqui para ler a decisão.
Apelação 0110923-07.2011.8.26.0100
Leia as reportagens:
14/08/2009Acusados de fraude na saúde "somem" de investigação
Empresas tidas como "peças-chave" do esquema de corrupção não estão em inquéritosEsquema que desviou cerca de R$ 100 milhões foi denunciado sem citar Halex Istar e Embramed Indústria de Produtos Hospitalares
ANDRÉ CARAMANTEROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase um ano após terem sido apontadas pela Polícia Civil de São
Paulo e pelo Ministério Público como suspeitas de encabeçar um esquema
de fraude em licitações na saúde, não há nenhuma investigação policial
ou processo em andamento atualmente contra duas empresas do setor
hospitalar.
Durante meses, as investigações trataram as empresas Halex Istar
Farmacêutica e Embramed Indústria de Produtos Hospitalares -além de seus
donos- como "peças-chave" no esquema, mas quando a denúncia foi feita à
Justiça elas não foram citadas no processo.
Nos documentos da chamada Operação Parasitas, o promotor José
Reinaldo Guimarães Carneiro informou à Justiça, em dezembro de 2008, que
as duas empresas seriam investigadas à parte pelo delegado Luís Augusto
Castilho Storni, em dois inquéritos policiais.
Certidões obtidas pela Folha na Justiça, no entanto, demonstram que isso não ocorreu - dois inquéritos foram abertos, mas em nenhum há os nomes das empresas.
Na denúncia feita à Justiça em dezembro de 2008, 13 pessoas e seis
pequenas empresas viraram rés em processo. Nenhuma era a Halex ou a
Embramed. Elas foram citadas em duas notas de rodapé -com a informação
de que seriam investigadas à parte.
Investigação
A Operação Parasitas, que durou de
setembro de 2007 a novembro de 2008, investigou um esquema de corrupção
que desviou cerca de R$ 100 milhões entre 2004 e 2008, segundo o governo
estadual. A investigação foi feita pela Polícia Civil, pelo Ministério
Público Estadual e pela Casa Civil do governo paulista. Segundo a
apuração, Halex Istar Farmacêutica e a Embramed Indústria de Produtos
Hospitalares repassavam seus produtos para firmas menores, que
participavam das licitações fraudadas. Em alguns casos, as duas
cometiam, segundo as autoridades, as fraudes diretamente.
Concorrência
Com base na investigação da polícia,
o juiz Vinicius de Toledo Piza Peluso, do Tribunal de Justiça de SP,
escreveu, no fim de outubro de 2008, que a Halex manipulou uma
concorrência no Hospital Pérola Byington. A empresa é acusada de vender
soro com valor 308% mais alto do que a menor oferta -R$ 1,22 a unidade
contra R$ 4,99, em agosto de 2007.
Escuta telefônica demonstra que um dos sócios da Halex, Zanone Alves
de Carvalho, tinha informações privilegiadas sobre as concorrências.
"Destas [empresas], a Embramed apresenta evidência de atuação
preponderante [chave no esquema], sendo sua atuação em conjunto com a
Halex Istar, Venkuri e Smiths Medical", escreveu o delegado Storni em um
de seus relatórios, com data de 7 de outubro do ano passado.
Em vez de citar a Halex e a Embramed nos dois novos inquéritos
abertos para investigá-las - como o promotor Carneiro informou à Justiça
que aconteceria-, o delegado apenas repetiu os nomes das pessoas e
empresas que já constavam no inquérito policial que deu origem à
operação.
A Halex pertence a Heno Jacomo Perillo, primo de Marconi Perillo
(PSDB-GO), vice-presidente do Senado e governador de Goiás duas vezes. O
nome do político aparece anotado à mão, ao lado do de Heno, na ficha de
formação societária da empresa que integra a documentação da operação.
A Embramed Indústria e Comércio de Produtos Hospitalares tem entre
seus sócios o médico infectologista Rudolf Uri Hutzler, do conselho
deliberativo do Hospital Albert Einstein, e seus familiares.
Ouça as gravações www.folha.com.br/0922516
21/08/2009Sumiço de nomes em investigação é apurado
Juíza classifica como anormal a omissão de duas empresas e seus donos, tidos como "peças-chave" em esquema de corrupçãoDocumentos
sobre o caso são enviados para Procuradoria Geral de Justiça, Polícia
Civil, Tribunal de Justiça e Secretaria de Estado da Fazenda
ANDRÉ CARAMANTEROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A Justiça determinou nesta semana investigação para tentar descobrir
por que duas empresas de materiais médico-hospitalares e seus donos,
suspeitos de encabeçar fraudes em licitações na área da saúde no Estado
de São Paulo, sumiram de uma investigação policial.
O sumiço de Halex Istar Farmacêutica e Embramed Indústria de Produtos
Hospitalares -além de seus donos- da investigação foi revelado no dia
14 pela Folha. Durante toda a chamada Operação Parasitas, as empresas foram tidas como "peças-chave" nas fraudes.
A juíza da 2ª Vara Criminal, Daniela Martins de Castro Mariani
Cavallanti, considerou anormal a "ausência de indicação expressa dos
nomes das empresas e seus sócios". Até hoje, não há inquérito ou
processo contra Halex e Embramed nem contra seus donos.
Na semana passada, a Embramed informou que a inclusão de seu nome na
investigação foi um engano e que tudo foi resolvido. O advogado Adriano
Salles Vanni, da Halex, disse que a empresa ou seus donos não são alvo
de investigação nem réus em São Paulo.
A juíza afirma que a Embramed até se aproveita da situação. A
magistrada diz que a empresa tirou certidões para "demonstrar a clientes
que nada havia contra ela na "Operação Parasitas'".
Quando denunciou à Justiça, em dezembro de 2008, 13 pessoas físicas e
seis empresas, o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro registrou
que Halex e Embramed deviam ser investigadas em novos inquéritos abertos
pelo delegado Luís Augusto Castilho Storni.
Nesses novos inquéritos, que ficaram sem procedimento investigatório
de dezembro de 2008 até abril, Storni só repetiu os nomes das pessoas
físicas e jurídicas que já constavam no inquérito policial de 2007.
Documentos sobre o sumiço das empresas foram entregues ao Procurador
Geral de Justiça, Fernando Grella Vieira, ao delegado-geral da Polícia
Civil, Domingos Paulo Neto, e para a corregedora da Polícia Civil, Maria
Inês Trefiglio Valente.
A Corregedoria Geral de Justiça também recebeu o documento, assim como a Secretaria da Fazenda.
O motivo de a juíza ter pedido providências da Fazenda se deve ao
fato de que o fiscal de rendas Antonio Carlos de Moura Campos, que
rastreou as empresas, é defendido em outras causas pelo advogado Roberto
Podval, o mesmo de uma das seis empresas rés no processo, a Home Care
Medical, representante da Halex.
A Halex tem entre seus donos Heno Jacomo Perillo, primo de Marconi
Perillo (PSDB-GO), vice-presidente do Senado e ex-governador de Goiás.
Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário