Por Urariano Mota
Recife (PE) - Em plena democracia, nós lemos os
jornais e continuamos desinformados, pois as autênticas notícias
desaparecem do conhecimento público. O leitor faça um teste, que mais de
uma vez sem pretensão de analista, pratiquei. Vá, esteja presente a um
grande acontecimento político. Depois compare o que você viu, o mais
importante e escandaloso fato que você presenciou, com a notícia que
aparecerá nos jornais e na televisão. Verá um absurdo de versões, e de
tamanha diferença, que você vai se falar o maior absurdo: se os jornais
falam a verdade, então eu nunca estive onde pensei estar.
Na última semana, a manchete que os jornais não deram e se dirá mais
adiante, vem deste magnífico momento do depoimento do ex-major Ferreira à
Comissão Estadual da Verdade. Depois de um breve histórico, em que os
repórteres situariam os antecedentes criminais do ex-major Ferreira,
famoso anticomunista, suspeito de envolvimento nos assassinatos do Padre
Henrique e do procurador Pedro Jorge, os jornalistas registrariam esta
ótimo diálogo entre o cientista político Manoel Moraes , da Comissão
Estadual da Verdade, e o ex-major. Que houve e se revela agora nesta
coluna:
Ex-major Ferreira – Na ditadura, o Exército brasileiro forjou aquela cena dos mortos da granja São Bento. As pessoas foram presas em locais diferentes e mortas. Juntaram os corpos na Granja pra justificar a ação, pra simular um confronto.Manoel Moraes – Por quê, senhor Ferreira?Ex-major – Pra não dizerem que foram eliminados individualmente. Juntando todos, forjaram o confronto. Aí virou troca de tiros em uma célula terrorista.Manoel Moraes – Mas por que o Exército forjou isso?Ex-major – Com medo da opinião pública.Manoel Moraes – Mas por que o Exército, tão forte, ia ter medo da opinião pública?Ex-major – Quem não tem, doutor?
Na literatura, essa farsa da granja eu já havia antecipado em
"Soledad no Recife". Um dia fui questionado, de onde eu havia tirado
que os assassinatos não se haviam dado na Granja de São Bento? Na
ocasião, respondi com argumentos lógicos e de pesquisa, mas não poderia
dizer que a intuição era a maior força para revelar que a granja era
só cenário. Nas páginas do livro “Soledad no Recife” escrevi:
“As notícias dos jornais disseram e continuarão a dizer, pois a cumplicidade com um crime é permanente, que Soledad e companheiros foram mortos em 8 de janeiro de 1973. Mas em uma ditadura nem as datas dos jornais são verdadeiras. Por exemplo, Soledad morreu em 7 de janeiro. A vida de Soledad ganhou mais um dia apenas nos tipos impressos das folhas. As indicações são de que repressão e imprensa fizeram um acordo entre as datas dos seis assassinatos de socialistas no Recife, da primeira à última execução em 8 de janeiro. É claro, nada houve como nas manchetes dos jornais de todo o Brasil, ‘seis terroristas mortos em tiroteio’. O horror que vem da verdade é tamanho, que a mentira se acomodou fácil na mais confortável versão. Foram seis homicídios, todos unidos e simplificados em um aparelho da Chácara São Bento, um sítio na região metropolitana do Recife. Todos, pelo anúncio dos jornais, perigosos terroristas, que resistiram à bala ao cerco das forças da ordem. Mas só depois de mortos se fez a maquiagem nos jovens socialistas: com tiros, para melhor coerência do suplício com o papel dos jornais. Pauline Reichstul, José Manuel, Soledad Barret, Evaldo Ferreira, Jarbas Pereira, Eudaldo Gomes”.
O diabo é que, em plena democracia, o mais importante continua a não
ser notícia. Se não ocultam mais os crimes como antes, desta vez a
ignorância histórica dá as mãos à ideologia do dono do veículo. A
manchete, que não veio, porque o diálogo acima não virou notícia, teria
sido: “Exército fraudou provas do massacre da granja São Bento”.
Em compensação, esta semana, entrevistado na Rádio Jornal do Recife, o
ex-major se transformou em analista político da Comissão da Verdade:
“A Comissão da Verdade de Pernambuco é cópia de outras que existem
por aí. É cópia de Brasília e repete o mesmo erro. Deviam ouvir os dois
lados. Olhem a diferença. O amaldiçoado padre Alípio, da bomba de
Guararapes, recebeu quase dois milhões de reais de indenização,
enquanto nós....”
O ex-major, atirador de elite, não foi sequer perguntado se nunca
atirara em gente. Comenta-se que ele fazia piada ao contar que em cercos
a aparelhos de “terroristas”, os jovens saíam rolando pelo chão
"imitando filme de caubói". Era engraçado. Ele nunca errou um tiro.
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