Por Saul Leblon, no Carta Maior
A maior rede de televisão do país contrata uma
pesquisa sobre a disputa eleitoral em São Paulo; omite o resultado
esfericamente desfavorável a seu candidato no telejornal de maior
audiência.
O relator de um julgamento polêmico
contra o maior partido de esquerda da América Latina estabelece um
calendário desfrutável e acopla os trabalhos ao processo eleitoral em
curso; na véspera do primeiro turno oferece as cabeças de algumas das
principais lideranças partidárias à boca de urna; agora, alega consulta
médica - na Alemanha - para acelerar o anúncio das penas, 48 horas antes
do 2º turno.
O candidato do conservadorismo em
baixa nas pesquisas age com deselegância contra jornalistas, dispara
ofensas no ar e boicota desairosamente os que não seguem a pauta de sua
conveniência.
Os editoriais e colunistas da indignação seletiva emudecem miseravelmente.
Reunida
no país, a 68º assembleia geral da SIP, diretório interamericano da
mídia conservadora, emite um balanço no qual denuncia “o cerco à
liberdade de imprensa” por parte de governos latino-americanos. O alvo
principal da SIP é a Lei dos Meios da Argentina, na qual a
radiodiodifusão é definida como atividade a serviço do direito à
informação e não um simples negócio, portanto, imiscível com a natureza
do monopólio que aborta a pluralidade e o discernimento crítico daí
decorrente.
A lei argentina coíbe expressamente
qualquer forma de pressão ou punição a empresas ou instituições em
função de sua opinião ou linha editorial, desde que pautadas pelo
respeito ao estado de direito democrático e pela observação dos direitos
humanos.
A lei argentina diz que o Estado tem o
direito e o dever de exercer seu papel soberano que garanta a
diversidade cultural e o pluralismo das comunicações.
A
lei argentina diz que isso requer a igualdade de gênero e igualdade de
oportunidade no acesso e participação de todos os setores na
titularidade e na gestão dos serviços de radiodifusão.
A
lei argentina tipifica a mídia estatal como veículos públicos e não
governamentais que devem prover uma ampla variedade de informação
noticiosa, cultural e educativa a serviço e sob controle da cidadania.
A
lei argentina pode ser resumida numa fase: “se poucos controlam a
informação, não é possível a democracia”. As relações entre mídia e
eleições no Brasil corroboram pedagogicamente esse enunciado.
A lei argentina foi reconhecida pela ONU como uma referência modelar.
Frank
La Rue, relator especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e
de Expressão, não apenas elogia como pretende divulgar a legislação dos
meios audiovisuais argentina como alavanca para o fortalecimento da
democracia e da diversidade da informação em outros países.
Sugestivamente,
o ponto de vista da ONU não mereceu uma única linha nos veículos que
endossam o diagnóstico da SIP; os mesmos veículos que silenciam diante
do comportamento ostensivamente beligerante do candidato conservador
contra jornalistas; que fecham os olhos ante a seletiva forma de
divulgar pesquisas eleitorais; e que aplaudem - induzem? - a
desconcertante alternância de rigor e omissão, a depender da coloração
partidária, que empurra a suprema corte do país para além da fronteira
que separa a legítima opinião política de um togado, de um cabo
eleitoral de toga.
É o escárnio dos centuriões da democracia restrita à livre expressão das suas conveniências.
Nenhum comentário:
Postar um comentário