Nos trabalhos preparatórios à Convenção de Palermo da Organização das Nações Unidas (ONU), dos quais participei na condição de “especialista convidado”, os temas mais preocupantes versaram sobre a capilaridade das redes tecidas e operadas por organizações criminosas de matriz mafiosa, a coleta de informações por órgãos oficiais com níveis diferenciados de acesso e compartilhamentos e a economia movimentada pelo fenômeno e as suas fontes de enriquecimento. No particular e na cerimônia de abertura da convenção em dezembro de 2000, afirmou o então secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan: “O lucro das associações transnacionais de delinquência crescia de 40% a 50% ao ano”.
A organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC)
atua em rede capilar. Os principais nós de amarração dessa poderosa rede
criminal estão espalhados pela capital do estado de São Paulo. Para o
Supremo Tribunal Federal (STF), como ficou decidido por ocasião do
julgamento da ação penal apelidada de “mensalão”, não existe no Código
Penal um tipo sobre organização criminosa, mas apenas associações em
quadrilha ou bando.
Com o PCC a exibir musculatura, como fizera em 2006, e a zombar
novamente da canhestra e míope política militarizada de segurança
pública do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a cooperação entre
União e o estado começa capenga. Não existe tipo penal adequado para
enquadrar devidamente os associados ao PCC. Pior, o governador e o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não perceberam. Em síntese,
integrantes de uma quadrilha de batedores de carteiras têm o mesmo
enquadramento legal dos líderes e membros do PCC. Apenas se tem uma
causa de aumento de pena por contar o PCC com arsenal bélico à
disposição (confira-se artigo 288 do Código Penal).
A Convenção de Palermo, de dezembro de 2000, aprovada pelo Congresso
Nacional depois de três anos de tramitação e para se transformar no
Decreto nº 5.017, recomenda a adoção de uma tipificação minimalista, mas
de modo a alcançar os “lavadores de dinheiro”, conhecidos no Brasil
como doleiros (“brokers”), peças fundamentais na ocultação e na
reciclagem de capitais sujos em atividades formalmente lícitas.
Dispensável lembrar que, sem dinheiro em caixa, o PCC não conseguiria
manter sua potente rede capilar e, também, perderia a força corruptora.
Sobre a importância do desfalque financeiro das organizações criminosas
especiais, é relevante recordar que as autoridades antimáfia italianas,
de 2006 a 2010, apreenderam bens e valores no montante de 8 bilhões de
euros da Cosa Nostra.
A troca de informações de inteligência é deficiente em São Paulo e,
entre as polícias, não se procede a uma salutar emulação. No lugar,
Alckmin instalou, pelos seus secretários de Segurança, a cizânia entre
as corporações. O governador paulista preferiu confiar apenas na
inteligência militar. Aquela que recolhe dados para enfrentamento e
transborda como nos conhecidos episódios da invasão do campus da USP, no
despejo de famílias do bairro interiorano e pacífico do Pinheirinho, em
São José dos Campos, e no confinamento da Cracolândia. A inteligência,
operada pelas polícias Civil e Judiciária, foi posta de lado e nem
adiantou informar, tempos atrás, sobre os ataques do PCC a ocorrer no
momento. E essas informações civis, chamadas por especialistas de
inteligência doméstica, são as que minam a força e reduzem a capacidade
de difundir o medo do PCC.
Para se ter ideia da importância das informações civis, os serviços
de inteligência do FBI norte-americano acabam de informar sobre os
riscos de o comandante militar da CIA, general David Petraeus, manter um
relacionamento extraconjugal com Paula Broadwell. Sobre a eficiência do
FBI, de se lembrar o tempo de Edgar J. Hoover e de se frisar ter o seu
interesse privado desvirtuado o trabalho do “bureau”.
A cooperação estabelecida para a transferência de líderes do PCC para
presídios federais, com regime disciplinar diferenciado e distantes de
São Paulo, é capenga. Na Itália, com presídios distantes da região
meridional, ocorreram efetivos isolamentos. E o isolamento só é
levantado quando, de fato, o preso perdeu vínculos, pela “desplugagem”,
com a organização criminosa de origem.
No Brasil, o período de isolamento é predeterminado e, com as
possibilidades de visitas, incluídas as íntimas, fica restabelecido o
canal de comunicação com a organização criminosa. Mais ainda: não
funciona o sistema de videoconferência, fundamental para se evitarem os
contatos nos deslocamentos.
P.S.: O acordo de cooperação entre os governos
federal e estadual mostra-se tímido. E se o PCC submergir num piscar de
olhos, teremos um indicativo de um segundo e ilegal “armistício”.
Por Walter Maierovitch
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