Mala tempora currunt, costumava dizer meu pai quando a
situação política azedava. Maus tempos chegaram, em tradução livre. Ele
usava relógio de bolso de ouro de celebérrima marca suíça, presente de
meu avô materno, Luigi, munido de tampa sobre a qual se lia, gravado em
latim, o seguinte dizer: nada aconteça que você não queira lembrar. Nem
sempre, contudo, a vida sorri. Falo de cátedra, porque, quando meu pai
morreu, herdei o relógio na qualidade de filho primogênito. Não o uso,
mas o guardo com carinho e neste momento vejo meu pai a erguer a tampa
com um leve toque de ponta de indicador e pronunciar, entre a solenidade
e a pompa, mala tempora currunt.
Há qualquer coisa no ar que me excita negativamente e me induz a
pensamentos sombrios, algo a recordar tempos turvos, idos e vividos. É a
lembrança de toda uma década, espraiada malignamente entre o suicídio
de Getúlio Vargas e o golpe de 1964, aquele executado pelos gendarmes da
casa-grande, e exército de ocupação. Dez anos a fio, a mídia nativa
vociferou contra líderes democraticamente eleitos e se expandiu em
retórica golpista logo após a renúncia de Jânio Quadros.
Muita água passou debaixo das pontes, embora algumas delas levem o
nome de ditadores e até de torturadores, mas o tom atual desfraldado à
larga pelos barões midiáticos e seus sabujos não deixa de evocar um
passado que preferiria ver enterrado. Talvez esteja, de alguma forma,
mesmo porque as personagens têm outra dimensão. Os propósitos são,
porém, semelhantes, segundo meus intrigados botões. Acabava de lhes
perguntar: qual será o propósito destes comunicadores, tão compactamente
unidos no ataque concentrado ao PT no governo? Qual é o alvo
derradeiro?
A memória traz à tona Jango Goulart e Leonel Brizola, a possibilidade
de uma mudança, por mais remota, e os alertas uivantes quanto ao avanço
da marcha da subversão. Os temas agora são outros, igual é o timbre.
Além disso, na comparação, mudança houve, a despeito de todas as
cautelas e do engajamento tucano, com a eleição de Lula e Dilma
Rousseff. Progressos sociais e econômicos aconteceram. O ex-presidente
tornou-se o “cara” do povo brasileiro e do mundo, a presidenta, se as
eleições presidenciais se dessem hoje, ganharia com 70% dos votos.
Percebe-se, também, a ausência de Carlos Lacerda. Ao menos, o
torquemada de Getúlio e Jânio lidava melhor com o vernáculo do que os
medíocres inquisidores de hoje. Medíocres? Toscos, primários, sempre
certos da audiência dos titulares e dos aspirantes do privilégio, em
perfeita sintonia com sua própria ignorância. Contamos, isto sim, com o
Instituto Millenium. Há quem enxergue na misteriosa entidade, apoiada
inclusive com empresários tidos como próximos do governo, uma exumação
do Ibad e do Ipes, usinas da ideologia fascistoide que foi plataforma de lançamento do golpe de 64.
Até onde vai a parvoíce e onde começa o fingimento? É possível que
graúdos representantes do poder econômico não se apercebam das
responsabilidades e alcances da sua adesão ao insondável Millenium? Ou
estariam eles incluídos na derradeira prece de Cristo na cruz:
perdoe-os, Pai, eles não sabem o que fazem? Que o golpismo da mídia da
casa-grande seja irreversível é do conhecimento do mundo mineral. Causa
espécie o envolvimento de personalidades aparentemente voltadas aos
interesses do País em lugar daqueles da minoria.
Causa espécie, em grau ainda maior, a falta de reação adequada por
parte do governo, inerte diante da ofensiva da autêntica oposição, o
partido midiático. Não basta dizer, como o ministro Gilberto Carvalho,
que o povo está satisfeito com o bom governo de Lula e Dilma, enquanto a
própria liderança do PT recomenda ao relator da CPI do Cachoeira, o
intimorato Odair Cunha, que retire os halfos para o morrinho e Policarpo
Jr. do rol dos passíveis de indiciamento.
E aí se apresenta o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
empenhado no esforço de demonstrar que não foi ignorado pela Polícia
Federal no episódio destinado a exibir as mazelas do terceiro escalão
governista. Notável protagonista, altamente representativo. Precioso
aliado do banqueiro Daniel Dantas em determinadas ocasiões, como, de
resto, muitos outros “esquerdistas” brasileiros. Ah, sim, Cardozo acha
que Lula provou sua inocência no caso da secretária Rose e de suas
consequências. Acha? Ainda bem. Soletra ele, diante das câmeras da tevê: “Imaginar que o
ex-presidente estivesse envolvido por trás disso, está, a meu ver,
desmentido”. A meu ver? Estivesse eu no lugar de Lula e de Dilma,
viveria apavorado ao perceber este gênero de comandantes à frente do meu
efetivo.
E à presidenta, que CartaCapital apoiou e apoia, recomendamos a
leitura de um dos mais qualificados arautos da direita golpista. Merval
Pereira não se confunde com Carlos Lacerda, mas na semana passada avisou
não ser o caso de isentar Dilma das denúncias de corrupção, presentes e passadas. Está clara a intenção de aplicar à presidenta a tese do domínio do fato.
Por Mino Carta
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