Como Joaquim Barbosa se mexeu nos bastidores do ‘poder dominante’ para enfim chegar ao STF
Estou em Londres há quatro anos já, e existem algumas coisas no Brasil que agora, com a temporada europeia, me chamam a atenção. Talvez no passado eu achasse tudo normal.
Por exemplo, as linhas abaixo, extraídas do discurso se posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF:
Por fim, eu gostaria de arrematar esta breve exposição com umas poucas palavras sobre um personagem chave para toda e qualquer tentativa que se queira implementar no nosso país na esfera do Poder Judiciário. Falo da figura do juiz, esta figura tão esquecida, às vezes. É preciso reforçar a independência do Juiz. Afastá-lo desde o ingresso na carreira das múltiplas e nocivas influências que podem paulatinamente lhe minar a independência. Essas más influências podem se manifestar tanto a partir da própria hierarquia interna a que o jovem juiz se vê submetido, quanto dos laços políticos de que ele pode às vezes se tornar tributário na natural e humana busca por ascensão funcional e profissional. Nada justifica, a meu sentir, a pouco a edificante busca de apoio para uma singela promoção do juiz do primeiro ao segundo grau de jurisdição. O juiz, bem como os membros de outras carreiras importantes do estado, deve saber de antemão quais são as suas reais perspectivas de progressão, e não buscar obtê-las por meio da aproximação ao poder político dominante no momento.
É uma frase diante da qual eu me inclinaria a dar um clássico clap, clap, clap. De pé.
Mas e quando você examina o caminho percorrido por Barbosa até chegar ao discurso triunfal?
Recapitulemos.
O acaso, em parte, lhe deu um abraço, registrado num livro de
memórias de Frei Betto, grande amigo de Lula e figura influente em seu
primeiro mandato. O nome do livro é Calendário do Poder.
“Fui lá tratar do meu retorno a São Paulo, após a posse presidencial”, revela um trecho do livro Calendário do Poder. Era 2002, e Frei Betto fora a uma agência da Varig em Brasília para comprar uma passagem de avião depois da posse de Lula. A fila era grande, e então ele pegou uma senha e procurou um lugar para sentar.Palavras de Frei Betto, tiradas de Calendário do Poder:Instalei-me no primeiro banco vazio, ao lado de um cidadão negro que nunca vira.- Você é o Frei Betto? – indagou-me.Confirmei. Apresentou-se: Joaquim Barbosa… Trocamos ideias e, ao me despedir, levei dele o cartão e a boa impressão.Para concluir…Em março, Márcio Thomaz Bastos [então ministro da Justiça] indagou se eu conhecia um negro com perfil para ocupar vaga no STF. Lula pretendia nomear um para a suprema corte do país. Lembrei-me de Joaquim Barbosa”.
Não está em discussão aqui se a intenção de Lula era promover a causa
negra ou se era um simples gesto demagógico. Mas não há como fugir
do fato de que Lula simplesmente inventou Barbosa, e é curioso ver como
muitos dos comentaristas que o louvam hoje pelo desempenho no julgamento
do Mensalão receberam a bordoadas sua indicação.
Voltemos à caça de apoio empreendida por Barbosa, não tão diferente assim da jornada épica de Luiz Fux rumo ao topo.
Podemos atribuir o encontro na Varig à fortuna. Barbosa não podia
saber que o destino poria Frei Betto em condições de ser abordado.
Talvez pudéssemos dizer, se fôssemos mais rigorosos, que a julgar pelo
parágrafo destacado em seu discurso ele não devesse ter se aproximado de
Frei Betto – representante do “poder dominante” — e dado um cartão.
Mas podemos estar sendo rigorosos demais, numa situação dessa natureza.
Então, passemos adiante.
E quando o acaso não ajuda?
Aparentemente, não foi apenas de Frei Betto que Barbosa recebeu a bênção.
Segundo uma reportagem da repórter Maria Lima, publicada dias atrás
no Globo, Barbosa procurou — como o ministro Luiz Fux — José Dirceu no
esforço de ser indicado para o STF. Na reportagem, Maria Lima
entrevistou um dos mais conhecidos advogados de Brasília, Antônio Carlos
de Almeida Castro, conhecido como Kakay.
“Ele me procurou e disse que era um sonho seu chegar ao Supremo e que
precisava do apoio do Zé Dirceu”, disse Castro à jornalista do Globo.
Segundo Castro, Dirceu topou receber Barbosa depois de dizer que era
necessário mudar a “forma de indicação dos ministros do Supremo”.
Barbosa acabaria sendo indicado por Lula, em 2003.
Voltemos a um trecho de seu primeiro discurso como presidente do Supremo.
O juiz, bem como os membros de outras carreiras importantes do estado, deve saber de antemão quais são as suas reais perspectivas de progressão, e não buscar obtê-las por meio da aproximação ao poder político dominante no momento.
Algumas pessoas ligaram essa sentença à louca cavalgada do juiz Luiz
Fux rumo ao STF. Mas Barbosa poderia, aparentemente, estar falando de
sua própria experiência.
Lula está sendo – merecidamente, aliás – cobrado a dar explicações
sobre o caso Rosemary. E Barbosa, deveria também explicar melhor seus
passos?
E no campo das especulações: teria Barbosa mordido as mãos de nove
dedos que o ergueram para provar independência, para simplesmente fazer
justiça — ou para comprovar a patologia humana de ódio e ingratidão por
aqueles a quem devemos?
Sobre o julgamento do mensalão, conforme já foi escrito no Diário,
provavelmente apenas a posteridade terá uma ideia mais objetiva e menos
apaixonada sobre os acontecimentos.
Caixa Dois? Dinheiro público? Provas estarrecedoras? Apenas indícios? Mensalão ou AP 470?
As verdades se alteram rapidamente de acordo com quem está com a
palavra. O certo é que o STF necessita de uma reforma urgente – e o
caminho percorrido por Barbosa, e descrito por ele mesmo em seu
discurso, é uma lembrança cruel disso.
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