É uma monarquia?; é um império?; não!; é o Poder Judiciário com sua brigada ligeira – Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Melo, Luiz Fux, Celso de Mello e Gilmar Mendes – fazendo carga sobre o Poder Legislativo; o Supremo Tribunal Federal decreta três cassações na Câmara, no fim da Ação Penal 470, e, ao Congresso, barra votação de veto à partilha de royalties do petróleo; um papel moderador que a Constitução concedeu ao imperador d. Pedro I; isso foi em 1824; alguém duvida para quem vai a coroa agora?
A supremocracia, estágio da democracia em que o poder Judiciário,
representado pelo Supremo Tribunal Federal, assume o protagonismo, a
liderança e a primazia sobre decisões do poder Legislativo, em sua
primeira fase, e acima do Poder Executivo, no estágio avançado, mostrou
sua face no Brasil na segunda-feira 17. Ou melhor, suas faces.
Durante as seis horas desta tarde, primeiro o Supremo, pela primeira
vez em sua história de mais de dois séculos, decretou a cassação de
mandatos de três parlamentares eleitos pelo voto direto. Logo depois de o
decano Celso de Mello ter feito o desempate que pode ter-lhe imbicado
para o avesso da história, o juiz Luiz Fux decidiu que o Congresso não
pode, agora, apreciar o veto da presidente Dilma Rousseff sobre a lei de
partilha dos royalties do petróleo. Aceitou a argumentação da bancada
federal fluminense de que havia vetos anteriores a serem votados. A
questão político-jurídica pode ter escorregado, aí, por um desvio
bairrista. O certo é que Fux atuou sobre o regimento interno da Casa
que, sabe-se, é política.
D. PEDRO DIZIA O QUE PODIA E NÃO PODIA - Ditar as regras para o
Congresso, quer numa questão menor que remete mais ao regimento, como
numa regra de ouro, a cassação de parlamentares, não parece ser
exatamente, de acordo com o espírito da Constituição de 1988, uma
atribuição do Supremo. Um super poder, ou Poder Moderador, como foi
chamado por outra Constituição, a de 1824, só existiu no Brasil em
benefício do imperador d. Pedro I. Acima do Legislativo, do Executivo e
do Judiciário incipientes daqueles tempos, ele decidia o que podia e o
que não podia, no final das contas.
O presidente do Congresso, José Sarney, tentou ser suave diante do
gesto do Supremo. "Nossa advogada vai pedir a reconsideração do voto ao
ministro", disse a velha raposa da política brasileira, sobre
encaminhamento que será feito a Fux em relação ao regime de urgência
para a votação do veto presidencial sobre a partilha dos royalties.
"Achamos que essa é uma questão interna corporis". Sarney, ao mesmo
tempo, anunciou a retirada do assunto da pauta do Congresso nesta terça
18.
DECANO PEGA PESADO - Quem não está pegando leve, porém, é o decano
Celso de Mello. Durante todo o julgamento da Ação Penal 470, em meio à
ascensão do relator Joaquim Barbosa à presidência do Supremo, ele, como
se diz, jogou de mão com o próprio Barbosa. A coincidência de opiniões e
complementaridade dos votos de ambos foram plenas. Hoje, em seu voto de
desempate, acompanhando outra vez o voto de Barbosa, Mello soltou
flechas na direção do vizinho à sua esquerda na Praça dos Três Poderes, o
prédio do Congresso. As relações de equidistância, equivalência e
respeito espelhadas no genial projeto de Oscar Niemeyer tiveram um dia
de estremecimento.
"Susceptibilidades partidárias, posturas políticas irresponsáveis e
juridicamente inaceitáveis de que não se cumpriria uma decisão do
Supremo Tribunal Federal revestida da legalidade da coisa julgada é
improbidade e prevarivacação", disse Mello, mirando Marco Maia, Sarney,
Tiririca, Romário e todos os outros. E avançou:
"Insubordinação legislativa ou executiva ao comando emergente de uma
decisão judicial é intolerável, inaceitável e incompreensível",
determinou Mello.
QUINTETO FORMA NÚCLEO DURO - Com os ministros Marcos Aurélio, Luiz
Fux e Gilmar Mendes, antes da gripe do decano, tendo acompanhado o
presidente da Corte na decretação da supremacia do Supremo sobre o
Congresso – efeito prático da decisão de decretar a cassação de três
parlamentares --, consolidou-se, com o voto de Mello, um núcleo duro
que, até a entrada dos dois ministros faltantes hoje, é maioria. A
chegada de Teori Zavasck, já na próxima sessão, no entanto, pode, no
máximo, empatar contendas mais acirradas como, por exemplo, a apreciação
dos recursos da decisão ao próprio Supremo.
O presidente da Câmara, Marco Maia, tal qual Sarney não jogou tanta
lenha na fogueira como se podia esperar. Com mandato expirando em 1º de
janeiro, ele criticou a decisão, chamou-a de juridicamente "precária",
avisou que não aceita "ingerência" do STF, mas adiantou que irá recorrer
ao próprio STF.
Até a virada do ano, em razão da possibilidade de recursos, essa
crise vai ficar no diz-que-diz-que. Em 2013, porém, é o primeiro braço
de ferro entre o Supremo e o Congresso. Ou entre a Supremocracia e a
Democracia. Uma disputa que não deveria existir. "Não é bom quando os
poderes não se entendem", sentenciou o velho de guerra Sarney diante da
brigada ligeira de Barbosa, Mello, Fux, Mendes e Melo.
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