Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira, foi divulgado em Bruxelas, na terça-feira (22), o relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, comissionado pela vice-presidente da União Europeia, Neelie Kroes, encarregada da Agenda Digital.
Por Venício Lima*, no Observatório da Imprensa
Preparado por um grupo de alto nível (HLG) presidido pela
ex-presidente da Letônia, Vaira Vike-Freiberga, e do qual faziam parte
Herta Däubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça alemã; Luís Miguel Poiares
Pessoa Maduro, ex-advogado geral na Corte de Justiça Europeia; e Ben
Hammersley, jornalista especializado em tecnologia, o relatório faz
trinta recomendações sobre a regulamentação da mídia como resultado de
um trabalho de 16 meses que começou em outubro de 2011. As recomendações
serão agora debatidas no âmbito da Comissão Europeia.
O relatório
O relatório, por óbvio, deve ser lido na íntegra. Ele começa com um sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte substantiva, está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem as bases conceituais e jurídicas que justificam as diferentes recomendações: (1) por que a liberdade da mídia e o pluralismo importam; (2) o papel da União Europeia; (3) o mutante ambiente da mídia; (4) a proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o pluralismo na mídia.
Há ainda um anexo de 12 páginas que lista as autoridades ouvidas, as contribuições escritas recebidas e os documentos consultados. A boa notícia é que quase todo esse material está disponível online.
Para aqueles a favor da regulamentação democrática da mídia – da mesma forma que já havia acontecido com o relatório Leveson – é alentador verificar como antigas propostas sistematicamente taxadas pela grande mídia e seus aliados da direita conservadora de autoritárias, promotoras da censura e inimigas da liberdade de expressão, são apresentadas e defendidas por experts internacionais, comissionados pela União Europeia.
Fundamento de todo o relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:
O relatório
O relatório, por óbvio, deve ser lido na íntegra. Ele começa com um sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte substantiva, está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem as bases conceituais e jurídicas que justificam as diferentes recomendações: (1) por que a liberdade da mídia e o pluralismo importam; (2) o papel da União Europeia; (3) o mutante ambiente da mídia; (4) a proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o pluralismo na mídia.
Há ainda um anexo de 12 páginas que lista as autoridades ouvidas, as contribuições escritas recebidas e os documentos consultados. A boa notícia é que quase todo esse material está disponível online.
Para aqueles a favor da regulamentação democrática da mídia – da mesma forma que já havia acontecido com o relatório Leveson – é alentador verificar como antigas propostas sistematicamente taxadas pela grande mídia e seus aliados da direita conservadora de autoritárias, promotoras da censura e inimigas da liberdade de expressão, são apresentadas e defendidas por experts internacionais, comissionados pela União Europeia.
Fundamento de todo o relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:
“O conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela
[grifo meu]. A última está entronizada nos valores e direitos
fundamentais da Europa: ‘Todos têm o direito à liberdade de expressão.
Este direito inclui a liberdade de ter opiniões, de transmitir (impart) e receber informações e ideias sem interferência da autoridade pública e independente de fronteiras’ (…).
“Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade. Ele inclui muitos aspectos, desde, por exemplo, regras relativas a controle de conteúdo no licenciamento de sistemas de radiodifusão, o estabelecimento de liberdade editorial, a independência e o status de serviço público de radiodifusores, a situação profissional de jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc. Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões] dominante.”
“Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade. Ele inclui muitos aspectos, desde, por exemplo, regras relativas a controle de conteúdo no licenciamento de sistemas de radiodifusão, o estabelecimento de liberdade editorial, a independência e o status de serviço público de radiodifusores, a situação profissional de jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc. Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões] dominante.”
Encontram-se no relatório propostas como: (1) a introdução da educação
para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias; (2) o
monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo
oficial ou, alternativamente, por um centro independente ligado à
academia, e a publicação regular de relatórios que seriam encaminhados
ao Parlamento para eventuais medidas que assegurem a liberdade e o
pluralismo; (3) a total neutralidade de rede na internet; (4) a provisão
de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja
inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo; (5) a existência
de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias
e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.
Pelo histórico de feroz resistência que encontra entre nós, vale o
registro uma proposta específica. Após considerações sobre o reiterado
fracasso de agências autorreguladoras, o relatório propõe:
“Todos os países da União Europeia deveriam ter conselhos de mídia
independentes, cujos membros tenham origem política e cultural
equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados. Esses
organismos teriam competência para investigar reclamações (…), mas
também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus
códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade, declarações
de conflito de interesse etc. Os conselhos de mídia devem ter poderes
legais, tais como a imposição de multas, determinar a publicação de
justificativas [apologies] em veículos impressos ou eletrônicos, e cassação do status jornalístico.”
E no Brasil?
A publicação de mais um estudo oficial sobre regulamentação da mídia,
desta vez pela União Europeia, menos de dois meses depois do relatório
Leveson na Inglaterra, revela que o tema é pauta obrigatória nas
sociedades democráticas e não apenas em vizinhos latino-americanos como a
Argentina, o Uruguai e o Equador, mas, sobretudo, na Europa.
No Brasil, como se sabe, “faz-se de conta” que não é bem assim e o tema
permanece “esquecido” pelo governo, além de demonizado publicamente pela
grande mídia como ameaça à liberdade de expressão.
Quem se beneficia com essa situação? Até quando seguiremos na contramão da história?
*Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no
Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de
Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política
de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora
Publisher Brasil, 2012, entre outros livros]
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