Por Rodolpho Motta Lima
Já mencionei aqui uma frase que acompanhava os brasileiros na
década de 60, proferida por Juracy Magalhães, político baiano, ao
assumir o posto de embaixador junto aos Estados Unidos: “O que é bom
para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Ela foi dita poucos meses
antes do golpe militar que instaurou a ditadura entre nós - fruto de um
acerto entre gorilas de plantão e os homens da CIA - e quase vinte anos
depois de um outro baiano, o então senador Otávio Mangabeira, quando da
vinda ao Brasil do general americano Eisenhower, ter-se ajoelhado
contrito, beijando, como bom colonizado, as mãos daquele que seria
depois Presidente da República nos EUA.
Essa postura de submissão, um desejo não revelado de, quem sabe,
trocar todas as estrelas de nossa bandeira por uma única estrela na
bandeira estadunidense, revela-se com frequência quase doentia na
exaltação permanente que nossas elites fazem das virtudes dos
americanos, passando, não raro, por cima de cenários nada meritórios,
como, por exemplo, os que cercam a violência interna e externa típica de
muitos setores daquele país, ou os que povoam a ganância especulativa
de seus meios financeiros, gerando catástrofes globalizadas que nem
mesmo as esperanças depositadas em Obama estão conseguindo fazer
retroceder.
Nada a discutir contra o destino que os norte-americanos pretendem
para o seu próprio país, nada mesmo a comentar sobre a alienação que
comanda as mentes e corações do cidadão comum da América. Falo do
cidadão comum porque, é claro, há muita vida inteligente naquele país,
há os que ocupam praças em protesto, os que questionam preconceitos e
discriminações históricas, há uma produção artística de confronto aos
falsos valores moralistas e ideológicos que pululam por lá. Mas tudo a
argumentar contra esse posicionamento vira-lata de brasileiros que
atribuem a eles e a seu sistema todas as virtudes, sempre contrapostas
ao nossos “defeitos crônicos”, impossíveis de superar, e sempre com
críticas aos que ousam dizer, aqui e ali, que “o rei está nu”.
Mas isso tudo vem a propósito de um fato recente que a grande mídia
praticamente omitiu, mas que as redes sociais não deixaram passar em
branco... Ou melhor, não deixaram passar no escuro. Falo do apagão que
acorreu por ocasião do Super Bowl que encerrou o campeonato de futebol
americano da NFL, nos Estados Unidos. O Super Bowl é o maior dos eventos
produzidos nos EUA, tido e havido como inigualável como show,
organização, competência, que, na visão de alguns, só os americanos
possuem, ou, no mínimo, possuem mais do que os outros. Pois bem: um
apagão de mais de 30 minutos interrompeu o espetáculo, diante da
incredulidade dos milhares de pessoas presentes no estádio e dos
incontáveis milhões de espectadores na tevê. E como a mídia manipuladora
que domina os nossos meios de informação tratou desse assunto? Longe da
virulência com que cuida de episódios desse mesmo tipo no âmbito
doméstico, com duas ou três linhas desfocadas, e nada mais...
No Globoesporte.com, aparece um minicomunicado sobre o jogo com a manchete: “Eleito o MVP do Super Bowl, Joe Flacco é
presenteado com carrão”. No desenvolvimento dessa “notícia”, o
resultado do jogo, e nada mais. Nenhuma menção ao apagão. No Jornal
Nacional do dia seguinte, em matéria de cerca de dois minutos de
louvação à grandiosidade do evento, uma única frase sobre o desligar das
luzes para afirmar que, apesar do ocorrido, o “brilho da festa” não
fora atingido. Isso em alguns segundos apenas, bem menos que o tempo
dispensado na mesma matéria ao consumo de antiácidos, em consequência
do jogo... No Globo, o colunista Anselmo Gois, diante do episódio, pede
calma ao pessoal, reconhecendo, agora, que os miniapagões, mesmo os
nossos, não merecem realce. E Patrícia Kogut, embora com menção
ligeiramente crítica ao ocorrido, não deixa de afirmar, porém, que
analistas disseram que “isso deve até aumentar a audiência, já que
incendiou as redes sociais atraindo curiosos”.
Esse tipo de jornalismo é mesmo assim: quando interessa faz uma
limonada deliciosa do mesmo limão que considera estragado em outras
circunstâncias... Não que o fato em si tenha significado importante –
não tem nenhum, exatamente como os que às vezes acontecem aqui -, mas é
interessante verificar o valor simbólico dessa postura alienada, quando
comparamos o estardalhaço que os abutres da comunicação costumam fazer
diante de situações similares em nosso país, chegando ao cúmulo, por
baixa motivação política, de comparar esses fatos ao verdadeiro “apagão”
que tomou de assalto os lares brasileiros no governo FHC. Isso para não
falar das insinuações sobre como será possível ousarmos sediar aqui
eventos esportivos planetários que tendem a “envergonhar o país diante
do mundo”. Sou contra a Copa do Mundo no Brasil, mas nunca por essas
razões pessimistas ou derrotistas, e sim pelo que propicia de
aproveitamento por parte daqueles que sempre se colocam dispostos a
negócios escusos.
Felizmente, uma parcela ponderável de brasileiros anda buscando a
informação (e a formação) em outros meios que não o da grande imprensa. E
percebendo que a felicidade do nosso povo não passa pela Avenida das
Américas, com seu “Down Town”, seu “New York Center” (e sua estátua da
liberdade), seu comércio e seus condomínios repletos de palavras da
língua inglesa. Passa, sim, pela construção de um país capaz de
encontrar seu próprio destino, livre de pressões e de alienações.
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