domingo, 21 de abril de 2013

Na maior potência "democrática" do planeta: estado de direito em risco


Por Eliakim Araújo

"Você tem o direito de permanecer em silêncio, tudo o que você disser poderá ser usado contra você no tribunal. Você tem o direito de ter um advogado presente durante qualquer interrogatório. Se você não puder pagar um advogado, um defensor público lhe será indicado”.

Quem nunca viu nas produções hollywoodianas a cena clássica do policial recitando essas palavras enquanto coloca as algemas em alguém suspeito de ter cometido algum crime? 

Essa regra - conhecida como “Direitos de Miranda” (Miranda Rights), por ter se originado de um caso criminal envolvendo um certo Ernesto Miranda contra o Estado do Arizona – passou a ser obrigatória por determinação da Suprema Corte dos EUA, na década de sessenta, e vale para qualquer tipo de criminoso, não importa a natureza do crime por ele praticado. Sua função é proteger o suspeito de constrangimentos ilegais praticados por investigadores policiais, que podem ir da pressão psicológica até a tortura física. Daí a presença obrigatória de um advogado em todas as fases processuais.

Mas a regra pode deixar de ser obrigatória para o jovem suspeito de ter implantado as bombas na linha de chegada da maratona de Boston. O sobrevivente do atentado, Dzhokhar Tsarnaev, de 19 anos, permanece internado em estado grave em um hospital de Boston, enquanto as autoridades de Washington discutem se, no caso dele, a regra deve ser quebrada, dando-lhe o tratamento de “terrorista”, sem os direitos garantidos pela Constituição dos EUA.

Argumentam que o suspeito representa uma “continua ameaça à segurança”, única exceção para a quebra da regra dos “Direitos de Miranda”. Mas esse não é o caso dos irmãos Tsarnaev, quando a própria polícia já admitiu a inexistência de outros envolvidos no incidente. Com um deles morto e o outro preso, não há como se abrir uma exceção à regra legal, negando-se ao suspeito sobrevivente o direito a um advogado e de permanecer calado durante o interrogatório policial.

Sozinho, sem testemunhas, nas mãos de investigadores truculentos e especialistas em “arrancar” confissões de suspeitos, o jovem universitário poderá confessar o que fez e o que não fez. Ainda mais depois que as autoridades estadunidenses anunciaram que “uma equipe de elite” vai interrogar Dzhokhar.

Quem viu o filme Zero Dark Thirty (no Brasil, “A hora mais escura”) sabe do que um torturador é capaz.

É contra o risco do jovem checheno cair nas mãos de investigadores do tipo dos personagens retratados no filme que a American Civil Liberties Union, uma associação que luta pela defesa dos direitos civis, tem levantado suas preocupações com o tratamento que o suspeito poderá receber entre as quatro paredes de uma repartição policial.

É natural que um crime como o da Maratona de Boston, que deixou três mortos e dezenas de feridos, alguns mutilados, choquem a opinião pública. Com a emoção à flor da pele, a tendência das pessoas é a de exigir justiça “a qualquer preço”, sem maiores preocupações com as regras processuais e legais. Mas essa exacerbação de espíritos tem sua dose de risco.

Defender um tratamento especial para alguém acusado de ter cometido um crime de tamanha perversidade não é objetivo desta coluna. Com certeza também não o é da American Civil Liberties Union. Todos estamos de acordo que Dzhokhar, se considerado culpado, deve ser punido com o rigor da lei.

Mas o que não se pode e não se deve é  compactuar com a quebra de uma regra legal criada exatamente para proteger suspeitos, muitos deles inocentes, da truculência policial. Os direitos de permanecer em silêncio e de ser assistido por um advogado são garantias constitucionais e sua não observância constitui uma afronta à condução de um processo legal de maneira justa e transparente.

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