Justiça Eleitoral descartou investigação sobre dinheiro repassado por Valério
TSE levou cinco anos para tomar decisão sobre contas do partido no ano em que esquema começou a funcionar
RUBENS VALENTE
ANDREZA MATAIS
DE BRASÍLIA
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou as contas de 2003 do
diretório nacional do PT e analisa uma recomendação para aprovar as de
2004, desprezando irregularidades que o processo do mensalão apontou nas
finanças do partido nos dois anos.
Para que isso ocorresse, o tribunal concentrou sua análise na
contabilidade do partido e deixou de lado mais de R$ 58 milhões
movimentados fora dos seus livros, cujo destino foi dissecado nas
investigações que levaram à condenação de vários ex-dirigentes petistas
no julgamento do mensalão, no ano passado.
Apesar da aprovação das contas, os processos seguem abertos porque o PT
recorreu de multas aplicadas por causa de outras irregularidades.
A decisão que aprovou as contas de 2003 foi dada pela ministra Cármen
Lúcia em junho de 2010, no início da campanha presidencial daquele ano. O
despacho foi registrado semanas depois no Diário de Justiça eletrônico.
Ao contrário do que é costume no TSE, não houve nesse caso nenhuma divulgação da decisão para a imprensa.
A ministra impôs, porém, multa de R$ 180 mil ao PT, por falhas na aplicação de recursos do Fundo Partidário.
Os partidos têm que prestar contas ao TSE uma vez por ano, entregando
documentos sobre sua contabilidade e comprovantes de seus gastos.
Em caso de rejeição das contas, o TSE pode suspender os repasses do
Fundo Partidário, que é formado por dinheiro público e é hoje uma das
maiores fontes de recursos dos partidos políticos brasileiros. O PT
recebeu R$ 53 milhões do fundo em 2012.
O esquema do mensalão funcionou do início de 2003 a junho de 2005. No
julgamento do ano passado, o Supremo Tribunal Federal concluiu que ele
foi alimentado por empréstimos bancários fraudulentos e recursos
desviados do Banco do Brasil e da Câmara dos Deputados.
Em 2003, o PT recebeu R$ 5,4 milhões dos bancos Rural e BMG. Em 2003 e
2004, agências de propaganda do empresário Marcos Valério Fernandes de
Souza, o operador do esquema, receberam R$ 58,2 milhões em empréstimos,
mais R$ 77,8 milhões que teriam sido desviados do Banco do Brasil e da
Câmara.
O dinheiro foi distribuído por Valério a políticos indicados pelo
tesoureiro do PT, Delúbio Soares, mas ao analisar as contas do partido o
TSE só considerou as entradas e saídas da contabilidade do PT.
No processo de 2004, uma nota da área técnica do tribunal deixou isso
explícito: "Não foram objeto de análise quaisquer movimentações de
recursos não declarados, apesar de constar na denúncia irregularidades
financeiras, importando inclusive em práticas de movimentações de
recursos à margem da contabilidade e das contas bancárias oficiais do
partido, [...] bem como do resultado da apuração da CPI dos Correios
[que investigou o mensalão]".
A área técnica pediu a aprovação com ressalvas, após rever um parecer
que havia recomendado a rejeição das contas. O então ministro Hamilton
Carvalhido estabeleceu multa de R$ 424 mil por mau uso do Fundo
Partidário. O PT recorreu da multa.
No processo de 2003, os técnicos também mudaram de opinião. Por três
vezes, pediram a rejeição das contas, mas depois aceitaram as
explicações do partido para algumas falhas e aprovaram as contas do PT
com ressalvas.
O resultado dos processos de 2003 e 2004 contrasta com o das contas de
2005. Neste caso, os técnicos encarregados se valeram de investigações
da Receita Federal e da CPI dos Correios para propor a rejeição das
contas do PT.
O parecer foi aprovado pelo TSE no ano passado. A decisão, que levou à
suspensão dos repasses do Fundo Partidário para o PT por um mês, foi
divulgada pelo tribunal.
O PP, um dos partidos que recebeu recursos do mensalão, também teve suas
contas de 2003 aprovadas. As contas do antigo PL, hoje PR, foram
rejeitadas pelo tribunal.
Ministra diz que seguiu área técnica ao aprovar contas
Unidade que examina a documentação sugeriu a aprovação, registrou Cármen Lúcia; PT não quis se manifestar
DE BRASÍLIA
A presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, afirmou no despacho em que
aprovou as contas do diretório nacional do PT de 2003 que decidiu "nos
termos sugeridos pela Coordenadoria de Exame de Contas Eleitorais e
Partidárias" do tribunal.
No voto, a ministra escreveu ainda que "compete ao relator decidir
monocraticamente pedidos dessa natureza, desde que haja informação da
referida coordenadoria pela aprovação das contas com ou sem ressalvas".
"A unidade técnica analisou a documentação apresentada pelo partido e,
com base nos princípios da relevância, materialidade e
proporcionalidade, concluiu pela aprovação, com ressalvas, da prestação
de contas", escreveu a ministra.
A Folha encaminhou perguntas específicas sobre o processo à
ministra e ao tribunal, por meio da assessoria de comunicação do TSE, na
última quinta à noite, mas não obteve reposta.
O tribunal afirmou que o prazo dado pelo jornal "foi impossível de ser
cumprido".Segundo a assessoria do TSE, as perguntas da reportagem foram
reencaminhadas à ministra, mas não foi produzida uma resposta "por
impossibilidade das agendas".
O diretório nacional do PT disse que não iria se manifestar. Ao TSE, o
partido argumentou que a análise das contas partidárias tem que ser
técnica e não poderia trazer elementos exteriores à prestação de contas.
A assessoria jurídica do PT afirmou ao tribunal que "não cabe à Justiça
Eleitoral fazer questionamentos sobre questões fiscais e tributárias
cuja responsabilidade pela análise e aplicação de eventuais sanções é da
Receita".
Procurado pela Folha, o ex-ministro do TSE Hamilton Carvalhido
não foi localizado. Ao aplicar a multa no PT pelas contas de 2004, disse
seguir recomendação da área técnica do tribunal. Ele não chegou a
deliberar sobre aprovação ou reprovação das contas.
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