PSDB é apontado como base de esquema de cartel que envolvia empresas transnacionais no avanço sobre licitações públicas no Metrô e trens metropolitanos |
Márcio Zonta
da Redação
Na última
semana, uma denúncia da transnacional alemã Siemens escancarou de vez a
relação de sucessivos governos do PSDB, em São Paulo, com empresas
internacionais na formação de um cartel para se apoderar de licitações
públicas no Metrô e trens metropolitanos. Há 20 anos, desde Mário Covas e
mantido pelos governos de José Serra e Geraldo Alckmin, o esquema
envolve volumosas cifras pagas em propinas por aproximadamente 11
transnacionais, além do desvio de dinheiro público das obras do Metrô e
da Companhia Paulista de Transportes Metropolitano (CPTM).
A
Siemens, que também fazia parte do esquema, revelou que as empresas
venciam concorrências com preços superfaturados para a manutenção e a
aquisição de trens e para a realização das obras de expansão de linhas
férreas tanto da CPTM, quanto do Metrô.
Segundo investigações concluídas na Europa, a teia criminosa também vinculada a paraísos fiscais, teria onerado minimamente, até o momento, 50 milhões de dólares dos cofres públicos paulistas.
Ademais, informações recentes de
um inquérito realizado na França apontam que parte da verba movimentada
nas fraudes seria para manter a base sólida do esquema no Brasil,
formada pelos governadores tucanos, funcionários de alto escalão do
governo, autoridades ligadas ao PSBD e diversas empresas de fachada
montadas para atuar na trama.
Dessa forma, o financiamento de
campanhas eleitorais aos governadores do PSDB foi constante desde o
início da fraude na tentativa de manter a homogeneidade do esquema
ilícito.
“Não dá para manter uma armação dessas sem uma base, um
alicerce que garanta a continuação das falcatruas. Por isso José Serra e
Alckmin, que se alteram no poder nos últimos anos, estão intimamente
bancados e ligados a essa tramoia”, acusa Simão Pedro, secretário
municipal de Serviços.
Um dos executivos da Siemens, que prestou
depoimentos ao Ministério Público paulista, confirma as acusações de
Simão. “Durante muitos anos, a Siemens vem subordinando políticos, na
sua maioria do PSDB e diretores da CPTM”, relata.
Agora, diante
de provas contundentes, sobre o que seria um dos maiores crimes de
corrupção da história envolvendo o transporte público no Brasil,
políticos da oposição, autoridades no assunto e parte dos próprios
metroviários questionam no momento a forma como a justiça brasileira vem
tratando o caso.
Para eles, o episódio ganhou apenas mais um
capítulo com a delação da Siemens ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE), pois a situação já é investigada e denunciada com
vigor desde 2008 por países europeus. Porém, no Brasil, algo parece
amarrar o andamento dos 15 processos abertos pelo Ministério Público, só
em São Paulo.
Há 20 anos, desde Mário Covas e mantido pelos governos de José Serra e Geraldo Alckmin, o esquema envolve volumosas cifras pagas em propinas por aproximadamente 11 transnacionais. Foto: Goveno SP |
Nomes
A transnacional francesa Alstom, a
canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui são algumas
das que fazem parte do esquema delatado pela Siemens. Após ganhar uma
licitação, essas empresas geralmente subcontratavam uma outra para
simular os serviços, e por meio da mesma realizar o pagamento da
propina.
Em 2002, no governo de Geraldo Alckmin, a alemã Siemens
venceu a disputa para manutenção preventiva de trens da CPTM. Para isso,
subcontratou à época a MGE Transportes. A Siemens teria pagado a MGE R$
2,8 milhões em quatro anos. Desse montante, ao menos R$ 2,1 milhões
foram distribuídos a políticos do PSDB e diretores da CPTM.
Diversos
nomes foram citados na delação da transnacional alemã que fariam parte
da lista de pagamento de propinas das diversas empresas de fachada. São
eles: Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente
ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo; Luiz Lavorente,
ex-diretor de Operações da CPTM; além de Nelson Scaglioni, ex-gerente de
manutenção do Metrô paulista. Scaglioni, por exemplo, seria o
responsável por controlar “várias licitações como os lucrativos
contratos de reforma dos motores de tração do metrô, em que a MGE teria
total controle” diz trecho do documento da delação.
No mais,
outro ponto do depoimento do executivo da Siemens que vazou à imprensa
cita Lavorente como o responsável por receber o dinheiro da propina e
fazer o repasse aos políticos do PSDB e partidos aliados.
Silêncio no Tribunal
Se
as provas estão às claras, a pergunta que paira no ar é por que a
justiça brasileira, sendo previamente avisada por órgãos da justiça
internacional europeia sobre casos parecidos que pipocavam, em outros
lugares do mundo, envolvendo a Alstom, por exemplo, não tomou as devidas
providências e permitiu que novos contratos fossem realizados com o
governo paulista.
Em 2010, dois anos após as investigações terem
se iniciado também no Brasil, José Serra estabeleceu um contrato de R$
800 milhões com a Alstom para supostamente resolver o problema da
superlotação dos trens do metrô. A alternativa era aumentar a malha
ferroviária e modernizar o sistema do metrô nas linhas 1, 2 e 3.
Uma
das exigências da Alstom, entretanto, era que os trens da composição
fossem reformados pela mesma para que se adequassem ao novo sistema. “O
orçamento apresentado pela transnacional francesa ficou mais caro do que
se fossem comprar novos trens, mesmo assim Alckmin aceitou e bancou”,
diz Paulo Pasim, secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São
Paulo.
Com o término da implantação do sistema previsto para
2011, até o momento a empresa não viabilizou o prometido. “A Alstom não
tinha as mínimas condições técnicas para realizar o projeto e ganhar a
licitação, tanto é que estamos em 2013 e a empresa não conseguiu fazer o
que foi prometido”, afirma Pasim.
Diante dos fatos, a reportagem do Brasil de Fato tentou
contato com diversos promotores de Justiça para apurar sobre o
andamento das investigações já instauradas contra a Alstom. O
responsável pela investigação sobre a empresa francesa, o promotor
Silvio Marques do Ministério Público Estadual, não quis prestar
declarações.
Outros dois promotores foram procurados pela
reportagem, Marcelo Mendroni, que investiga as irregularidades da linha 5
do Metrô, e Roberto Bordini. Ambos também preferiram não comentar sobre
o assunto. Por fim, o promotor Saad Mazum, que investiga a improbidade
administrativa do caso não foi encontrado até o fechamento dessa edição.
“O
único lugar que o processo de investigação não foi levado adiante foi
no Brasil. Nos outros países o desfecho foi mais rápido”, lamenta Pasim.
Na Inglaterra, França e Suíça, as investigações concluíram que a Alstom
realizava pagamento de propina para ganhar licitações.
Também
foi confirmado que os executivos da transnacional francesa estavam
envolvidos em lavagem de dinheiro e fraude na contabilidade da empresa. O
deputado federal Ivan Valente (PSOL) também reclama da demora e do
silêncio da justiça brasileira frente aos crimes. Ele aponta que desde
2009 vem realizando uma série de denúncias contra as relações de
irregularidades envolvendo o PSDB, a Alstom e a Siemens em licitações de
obras públicas.
“Até agora esperamos resposta do promotor do processo Silvio Marques, mas sem sucesso”, reclama.
Para
Valente, é necessário, diante dessas novas denúncias, cobrar com rigor a
Justiça para que todos os envolvidos sejam punidos verdadeiramente.
“Não cabe ao Cade ou ao Ministério Público conceder delação premiada a
Siemens ou fazer acordo e aplicar multa às transnacionais envolvidas num
caso de corrupção milionário como esse. Todos têm que pagar, inclusive
Serra e Alckmin”, cobra.
Por que a Siemens delatou?
Ao
expor à Justiça os detalhes do cartel formado por diversas
transnacionais para avançar sobre licitações públicas envolvendo o metrô
de São Paulo e os trens da Companhia Paulista de Transportes
Metropolitano (CPTM), a alemã Siemens ficará livre de possíveis
processos referentes ao caso.
Para o deputado federal Ivan
Valente, não resta dúvida de que a Siemens agiu muito mais em busca de
uma situação favorável a ela do que por um sentimento de honestidade ou
arrependimento por fazer parte das irregularidades.
“A atitude da
Siemens é a tentativa de limpar a barra dela caso a situação viesse a
público de outra forma, ainda mais nesse clima anticorrupção que vivemos
nas ruas”, pensa o deputado.
Ademais, a Siemens teria a intenção
de formar um clima favorável para ganhar futuras licitações públicas no
âmbito do transporte público na esteira dos grandes eventos esportivos,
Copa do Mundo e Olimpíadas. Não por acaso, as empresas denunciadas pela
Siemens: Alstom, Bombardier, CAF e a Mitsu apresentaram projeto para as
obras do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, que será licitado
em agosto. “Por isso, de olho nos diversos negócios futuros no Brasil, a
Siemens não queria se comprometer”, conclui Valente.
(Foto do topo: Governo de SP)
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