Por Rodrigo Mioto dos Santos*
No regime presidencialista democrático e republicano em que o Brasil
vive desde 05 de outubro de 1988, com o advento da Constituição daquele
ano, o Chefe de Estado e de Governo é o Presidente da República
(atualmente uma Presidenta, aliás), que retira sua legitimidade do voto
que lhe foi dado pela maioria dos eleitores nas últimas eleições.
Com um Presidente empossado, diz a Constituição, ele somente pode ser
tirado do cargo por impedimento (“impeachment”) ou por condenação
criminal definitiva pelo Supremo Tribunal Federal. O Alto Cargo de
Presidente da República é tão importante que, por exemplo, um Presidente
não pode ser preso para investigações durante o seu mandato, por mais
graves que sejam as acusações.
Ou seja, lembrando que “todo o poder emana do povo”, como diz a
própria Constituição, tirar um Presidente por esse povo eleito do cargo é
algo muito sério. Por isso, somente há duas hipóteses em que isso é
admitido, que são as acima citadas.
Em nosso regime presidencialista democrático republicano, opinião da
imprensa, opinião popular, pesquisa de opinião, opinião da oposição,
“trend topics”, “hastag” e etc., nada disso serve para tirar um
Presidente do poder. Existem regras. E pela importância do assunto, as
regras precisam e devem ser rigorosamente seguidas.
Pois bem. Segundo a Constituição, são crimes de responsabilidade,
dentre outros, os atos do Presidente que atentem contra a Lei
Orçamentária.
A petição com a qual Eduardo Cunha ontem deu início ao processo de
‘impeachment’ contra Dilma, faz contra ela apenas uma acusação que –
segundo o próprio Eduardo Cunha – pode ser aceita: Dilma teria aberto
créditos suplementares via Decretos não numerados. Não queira entender.
Vou exemplificar.
Em sua página 18, referida petição cita 06 (seis) [meia-dúzia!]
decretos não-numerados assinados por Dilma este ano. Todos com o
propósito de abrir créditos suplementares.
Eis o grande “crime” de Dilma.
Quer dizer, então, que Dilma fez algo gravíssimo que “nunca antes na
história deste País” alguém havia feito? Bem, não é exatamente assim…
Já antes na história deste País, outros Presidentes haviam editados
decretos não-numerados para abertura de créditos suplementares:
– em 2015, a própria Dilma já editou mais 9;
– em 2014, Dilma editou 53,
– em 2013, Dilma editou 46,
– em 2012, Dilma editou 50,
– em 2011, Dilma editou 59.
– em 2014, Dilma editou 53,
– em 2013, Dilma editou 46,
– em 2012, Dilma editou 50,
– em 2011, Dilma editou 59.
Pois bem, em seu primeiro mandato (2011-2014), Dilma editou 108
(cento e oito) desses Decretos. Curioso, portanto, que isso tenha vindo à
tona somente agora.
E Lula?
De 2007 a 2010, Lula editou 117 (cento e dezessete) desses Decretos. E
nunca ouvimos falar nada… De 2003 a 2006, Lula editou 176 (cento e
setenta e seis) desses Decretos. E nunca ninguém disse nada…
Então a (sic) “roubalheira” começou com Lula? É isso? Duplo não! A
uma, porque isso não é crime; a duas, porque não começou com Lula.
Em 1995, primeiro ano do Governo FHC (do partido de Aécio…), o
Príncipe dos Sociólogos editou 258 (duzentos e cinquenta e oito) desses
Decretos. Em 1996, foram mais 194. Em 1997, mais 148. 184 em 1998. E
mais 313 no segundo mandato.
Eu faço as contas pra ti. Em 8 anos de Governo, FHC editou 1.101 (mil cento e um) desses Decretos. Será que nunca ninguém se deu conta dos “crimes” de FHC? Ou será que FHC não tinha um Cunha?
Eu faço as contas pra ti. Em 8 anos de Governo, FHC editou 1.101 (mil cento e um) desses Decretos. Será que nunca ninguém se deu conta dos “crimes” de FHC? Ou será que FHC não tinha um Cunha?
Desde que o mundo é mundo Governos abrem créditos suplementares por
meio de Decretos não-numerados. É uma prática contábil, de finanças
públicas. São Decretos altamente técnicos. Os Presidentes mal sabem
exatamente o que assinam.
E por falar em saber e não saber o que se assina, há que se apontar
para um sutil elemento indicativo de GOLPE, com todas e maiúsculas
letras. Todos os referidos Decretos mencionados na tal petição inicial
também são assinados por Nelson Barbosa, Ministro do Planejamento,
Orçamento e Gestão. Segundo a Constituição e a Lei de Crimes de
Responsabilidade, o Ministro que pratica o ato “criminoso” junto com o
Presidente também deve responder por crime de responsabilidade. E por
que Barbosa não está na petição ou não foi incluído por Cunha?
Alternativas: (a) os peticionários e Cunha não entendem nada de
responsabilidade política; (b) os peticionários e Cunha sabem muito bem
quem é responsável pelo quê, mas como o objetivo é o GOLPE, isso não
importa.
Bem, mas o fato é que o papel aceita qualquer coisa. E o acuado
Eduardo Cunha, e a cegueira de quem perdeu mais uma vez (é a quarta…) as
eleições, também.
A toda e qualquer cidadã, a todo e qualquer cidadão é lícito
discordar do Governo. Eu, por exemplo, acho inacreditável a forma como o
Governo Dilma trata a questão indígena. Do mesmo modo, não consigo
entender o que Geraldo Alckmin e Beto Richa fazem onde estão. E que
tenham sido reeleitos fazendo o que fazem. Mas é a vontade popular. Que
é, sim, elemento básico de legitimidade do exercício do poder por Dilma,
Alckmin, Richa e todos os demais.
Querem me chamar para um debate político sobre erros e acertos de
Dilma e do PT? É só marcar dia e hora. Eu pago a primeira rodada.
Querem me chamar para o quinto turno encabeçado pelo PSDB,
operacionalizado por (sic) “movimentos” de acentuado caráter autoritário
e regido pela batuta de Eduardo Cunha? Estou fora.
“Impeachment” é coisa séria. Mandatos eletivos são coisas muito sérias. A integridade constitucional da República, idem. E quando nisso tudo falta seriedade, dá-se o nome de GOLPE. Por isso, há de se ter claro:
IMPEACHMENT NÃO É GOLPE. PODE SER. NO CASO DE DILMA É.
*Bacharel e mestre em Direito, e doutor em Ciência Política pelo UPERJ. Atualmente, ele é Professor do dpt de Direito Público, e Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Constitucional da UFF
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