sábado, 7 de junho de 2008

Futebol, Imprensa Sudestina e Parcialidade Jornalística... 1

Por DiAfonso


Bebeto de Freitas (a polícia apenas contém o ímpeto do Presidente do Botafogo: não o agride)


O “jovem” Atleta André Luís e a Tenente Lúcia Helena (a polícia tenta contê-lo após ordem desobedecida)


O “jovem”, contrariado e ensandecido atleta André Luís (a polícia apenas o imobiliza)


O “jovem” e desequilibrado atleta André Luís (para quem será este dedo em riste?)








Rosane Pavam
Rosane Pavam é jornalista, colaboradora de CartaCapital e de O Estado de S. Paulo. Autora do livro O Sonho Intacto – Nas Palavras de Ugo Giorgetti e do blog Contos Invisíveis

Os soldados dançam

05/06/2008 13:05:49 (CARTACAPITAL, Edição 498 - 30/05/2008)

Uma imagem para a semana: a do zagueiro André Luís, do Botafogo, durante tentativa desenfreada de se livrar de duras mãos femininas durante partida de futebol no estádio dos Aflitos, domingo que passou. A tenente resoluta da tropa de choque pernambucana era a dona dos braços que se prolongavam em direção ao zagueiro. E que desejavam, por razões de que ninguém duvida, algemar o jogador.

SIMPLES COMENTÁRIO:

“... de se livrar de duras mãos femininas...”
Esta expressão anda me intrigando... Ela, a Tenente Lúcia Helena, é a máxima expressão de si mesma e a Ela, só a Ela, cabe a definição de “ter duras mãos femininas”, Sr.ª Rosane Pavam, se é que a senhora me entende...


Mas qual teria sido o crime cometido por este jovem que, na companhia do consagrado Alex, formou a muralha defensiva apelidada de Torres Gêmeas no Santos Futebol Clube, vencedor nacional de 2002? Aquele do desacato à autoridade? Não há tantas possibilidades mais. Parece que André não fez algo como esganar o pescoço ou quebrar as pernas de um amigo ou de um inimigo em campo.

SIMPLES COMENTÁRIO:

Num lance de retórica, a Sr.ª escreve que o “jovem” zagueiro, um dos atores que ajudaram o Santos Futebol Clube a sagrar-se campeão nacional em 2002, não teria cometido senão o ato de desacatar autoridades (Desacato à autoridade* é crime, senhora Rosane!). A Sr.ª não registrou que André Luís, também, resistiu à prisão (Resistência à prisão é crime, senhora Rosane!) e que os companheiros do atleta tentaram resgatá-lo (!!!) das mãos da polícia. Isso é coisa de cidadão?!?! Um jogador e os companheiros dele estão acima da lei?!?! Um jogador (diga-se de passagem) que não sabe honrar a valorosa profissão que abraçou, tem o ”direito divino” de agir da forma como agiu, Sr.ª Rosane Pavam?!?!

A senhora não pontuou também (aí está todo o problema e tendenciosidade da matéria: não verificar os fatos a exaustão) que Bebeto de Freitas, Presidente do grande, glorioso e tradicional Botafogo, incorreu na prática dos mesmos crimes que os seus comandados. Não poderia, não é?!?! Se a Sr.ª desdenha da lei em relação à atitude do jogador, como poderia discorrer sobre os atos ilegais perpetrados pelo Presidente do clube carioca?!?!...

Num lance de retórica, ainda, a Sr.ª informa ironicamente que “PARECE” que o André Luís não ensejou esganar pescoço, nem quebrar pernas (seja de amigo ou inimigo em campo). Isso é óbvio, pois, se ele assim o fizesse e tendo em vista a maneira como o trata (“jovem jogador”, como a querer eximi-lo pela juventude dele), a sua matéria estaria fazendo apologia à violência e à impunidade, além de estar apontando para a defesa de um meliante e não de um profissional da bola.

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

*CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
DECRETO-LEI N.º 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

PARTE ESPECIAL

TÍTULO XI
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO II
DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Resistência

Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena - detenção, de dois meses a dois anos.

§ 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

Desacato


Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Os jornais tentam ser equilibrados, assim digamos, a este respeito. Consideram que os dois, jogador e polícia de choque, erraram pelo excesso de atitudes. O jovem jogador ofendeu a torcida do time adversário, o Náutico pernambucano, com gestos obscenos, depois de se ver expulso de campo por ter cometido duas faltas violentas; também chutou um squeeze de marca Gatorade em direção ao público torcedor, impossibilitando um admirador do Náutico, com alguma idade, de prender os óculos sobre as orelhas.

SIMPLES COMENTÁRIO:

Como a querer suavizar o que virá no parágrafo seguinte da matéria, a Sr.ª relata, de forma equilibrada, os fatos. Não poderia ser de outra forma, não é?!?! Entretanto não deixa de ironizar, como bem ressaltou o leitor Paulo Cezar em um dos comentários postados na página on-line: “...a Sr.ª zombou da impossibilidade de um admirador do Náutico prender os óculos na orelha.”. Aproveitou-se dos fatos para emitir juízos de valores equivocados e isso, no meu simplório modo de ver, foi uma falta de habilidade lamentável, Srª Rosane Pavam.

Foi fidedigna neste parágrafo. Todavia esqueceu-se de olhar o timing que as imagens mostram (a televisão é magnífica quando reproduz o que de fato ocorreu, Sr.ª Rosane, e não quando reproduz o que queremos por razões obscuras). Pela pressa com que a matéria foi produzida (aí, flagra-se um descaso com a seriedade de informar de modo isento), a Sr.ª não pôde transcrever, minuciosamente, as palavras do seu “pobre André”, quando ele, na entrada do vestiário e com dedo em riste, diz para a oficial da PMPE: “Tira a mão de mim!...” / “Tira a mão de mim!...” / “Tou avisando: tira a mão de mim!...” O que é isso?!?! Ameaça?!?! Subversão da ordem?!?! Cidadão acima da lei?!?!

Sabe por que não transcreveu o descontrole do seu atleta, Srª Rosane? Porque não buscou os fatos (vide imagens postadas no YOUTUBE). Eu entendo e todos os cidadãos que têm deveres e direitos devem entender é que, se a oficial e todo o aparato policial cometeram excessos, isso teria de ser tratado na justiça e não pelo jogador (em campo) que se arvorou a ser a própria justiça e incorreu na afronta a uma ordem para que a ORDEM fosse mantida no Estádio dos Aflitos... ORDEM subvertida por seu “jovem zagueiro”... tão jovem e já tão desequilibrado... Se ele tivesse acatado a ordem, hoje estaria tranqüilo para contestar a ação policial, o lance da expulsão e tudo o mais que ele viesse a considerar como quebra de seus direitos, não acha?!?!


A polícia local, ao deparar com o que qualificou de tamanha desonra, entrou em ação em estilo arrebatador, mais adequado às rebeliões de presídio ou, como observou o comentarista Telmo Zanini, do SporTV, à repressão aos manifestantes de rua de 1968. Vestidos de preto, todos da turma do choque, os policiais queriam prender e, se mais ousadia houvesse por parte dos detratores que perdiam o jogo por três a zero, ameaçava, com cassetete em punho, arrebentá-los. Um atacante reserva do Botafogo, Fábio, se disse agredido pelos homens da lei. O lateral Alessandro teve os olhos alvejados pelo spray de pimenta disparado por um policial.

SIMPLES COMENTÁRIO:

Tudo o que se passou, tenha havido excesso ou não (acredito que o excesso, se houve, foi motivado por André Luís e por parte do time do Botafogo) não pode ser comparado ao que se passa em presídios repletos de presos amotinados, nem, muito menos, pode ser equiparado à repressão dos que lutaram em 1968 por um mundo diferente daqueles em que se vivia. Esta última comparação, amparada na opinião de um comentarista (Telmo Zanini), mostra que a Sr.ª cometeu um outro equívoco. Esta última comparação, baseada num suposto argumento de autoridade (se é que o Sr.º Telmo possua alguma autoridade para falar sobre 1968), foi lastimável e desrespeitosa à memória dos que lutaram em 1968. Lá havia cidadãos, havia idealismo e desejo de mudança e não destemperados como o zagueiro André Luis, alguns de seus companheiros de camisa e o próprio Presidente Bebeto de Freitas.

O Corpo de Delito* (um personagem de um programa infantil dizia: “o corpo do Benito”) é um instrumento eficaz e legal para comprovar se houve tais arbitrariedades contra pessoas indefesas (lembre-se, Srª Rosane: alguns atletas do Botafogo partiram para cima da polícia a fim de resgatar (!!!) o desequilibrado colega de profissão André Luís!). Acredito que a Sr.ª e deveria saber disso e informar ao atacante reserva Fábio e ao lateral Alessandro, pois é direito deles. Dizer que eles alegaram compromete muito a matéria. Dizer por dizer...

*Corpo de delito é o conjunto dos elementos sensíveis do fato criminoso, ou seja, o conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime.
Delitos permanentes e transitórios

Há infrações que deixam vestígios – delicta facti permanentis – e outras que não os deixam - delicta facti transeuntis. Assim, por exemplo, um crime de lesão corporal deixa vestígios. Homicídio, estupro, etc. entram no grupo dos delicta facti permanentis.

Exame de corpo de delito

Quando a infração deixa vestígios é necessário o exame de corpo de delito, isto é, a comprovação dos vestígios materiais por ela deixados torna-se indispensável. O “exame de corpo de delito”, a que alude o art. 158 do CPP (Código Processual Penal), é, assim, a comprovação pericial dos elementos objetivos do tipo, no que diz respeito, principalmente, ao evento produzido pela conduta delituosa.


Indispensabilidade

A forma imperativa usada no art. 158 revela a necessidade de se proceder ao exame quando a infração deixar vestígios. Tão importante é o exame pericial que o legislador, no art. 564, III, b, do CPP, erigiu sua ausência em nulidade insanável. Às vezes, sem o exame de corpo de delito não pode ser nem proposta a ação penal. Tal acontece nos crimes contra a propriedade imaterial, quando deixam vestígios (art. 525). Da mesma forma, para a prisão em flagrante de crime relacionado a entorpecentes, é necessário laudo de constatação da natureza e quantidade do produto (art. 27, § 1° da Lei 10.409/02).

A televisão é magnífica nestas ocasiões. Ela nos dá o timing deste horror doméstico. Um filme para que Luis Buñuel, na remota probabilidade de haver algum cineasta como ele hoje em dia, o fizesse.

Não é possível que a polícia leve tão a sério assim a cabeça quente de um jogador. E, pior, que se veja diretamente agredida por ele, por seus termos e descompostura, a ponto de investir contra um atleta com tamanha energia e força de descontentamento. A polícia deveria ter outros afazeres pendentes numa cidade tão bonita. Por exemplo, o de abrir a porta do vestiário, contrariando alegadas determinações da federação de futebol do Estado, para que o jogador pudesse sair de campo em segurança, não sob a nuvem de policiais que, quase como um torcedor ofendido, debruçava-se sobre ele.

A polícia, nestas horas, cumpre o que está escrito, o estatuto do torcedor ou o roteiro de uma história brasileira que aquiesceu em tantos momentos à violência, esta que lhe é profundamente interna e subjetiva. André Luís, tendo desacatado a polícia em sua honra, como ela o entende, resignou-se a pagar 25 salários mínimos de multa ainda na delegacia, a serem revertidos a um hospital do câncer, para se ver livre das grades policiais de Recife. O presidente do Botafogo, Bebeto de Freitas, que também teria desacatado alguém em defesa de seu jogador, recusou-se naquele momento a acordar, como ainda se recusa, em nome da honradez do esporte.

Um jogador de futebol é muito mais que um jogador. Ele é um servidor dos sonhos indistintos de uma massa de fãs. O estádio é o templo da religião futebolística, diz-nos o pesquisador Hilário Franco Jr., autor do ensaio “A Dança dos Deuses” (Companhia das Letras). Os que acodem a este templo repletos de devoção são fanáticos, por simples adequação do termo (fan como templo). Em cada uma das duas extremidades dos estádios, um goleiro, o bode expiatório das partidas, guarda a intocabilidade de sua Virgem, o gol.

Jogadores são como os pequenos santos nos altares. Por isto, talvez, o fato de que um dos mais populares deles se envolva, por exemplo, com travestis, alegando tê-los confundido com mulheres, possa tocar em alguma medida a imagem de grandeza futebolística que o torcedor nutre por ele. A imaginação religiosa quer o jogador liberado das contradições humanas, porque ele é uma espécie de padroeiro de todos os sonhos -especialmente se defende o nosso time.

Mas André, o pobre André, ofendeu os santos dos outros em pleno templo adversário, enquanto o ideal seria que mantivesse o hipotético cavalheirismo de um cruzado, superior na derrota. Por que se deve esperar de um atleta que se aquiete diante da virgem alheia? Um atleta, um cordeiro exterminado por anjos? O futebol é uma batalha inspirada em todas as guerras, e quem luta nela é um soldado, não, infelizmente, uma alma que aquiesce.

(Crédito da foto: AP Photo/Rodrigo Lobo-Agência Estado)



PS. O que escreve no blog (Contos Invisíveis), Sr.ª Rosane Pavam, é sensacional! A Srª tem uma linguagem leve e diáfana (coisa rara! Parabéns!). Se me permitir, criarei um link a partir do meu blog. Abraço. Voltarei a blogar a respeito dos outros parágrafos da matéria.

2 comentários:

ira il gato disse...

caro,
me parece óbvio que algum tipo de preconceito prejudicou sua compreensão do texto de rosane pavam. aliás , a revolta dos comentários de vários leitores foi tão fora de proporção qto a ação da polícia no episódio. errou o juíz, errou o andré, errou o náutico, errou a polícia, errou o bebeto e errou o senhor na sua interpretação. e sabemos todos que um erro não justifica o outro. se não quiser nem precisa publicar meu comentário. mas releia o artigo e reflita mais . sem o viés bairrista. e sim com ipensando sobre simbologia e psicologia humana. saudações.

Prof. DiAfonso disse...

Caro amigo ira il gato,

Obrigado pelo comentário. Não pense que me esquivo de publicar comentários, mesmo que estes apontem para o contrário do que penso e de como vejo a realidade que me circunda. Estamos para diálogo, certo?!?! Pois bem. Vejamos como respondo ao que postou: 1º Nenhum tipo de preconceito turvou a leitura que fiz do texto da Rosane (O texto é preconceituoso em si mesmo.); 2º Não posso falar por comentários que não postei, de modo que a proporção similar entre os diversos comentários postados por leitores é pensamento seu (respeito, mas com ele não posso concordar); 3º Concordo com a lista de "errados", mas não posso me permitir ser inserido neste rol, pois apenas fiz uma análise do texto publicado na CartaCapital. Acredito que você esteja deixando escapar a serenidade na leitura do texto da Rosane. 4º Não sou bairrista, apenas não posso deixar um texto desse passar em branco, um texto que defende o destempero de um atleta como se ele nada houvera feito e acusa a polícia de extrapolar nas suas atribuições. Pode até ter havido excesso, mas as imagens mostram quem estava ensandecido: não foi o Náutico, não foi a polícia, não fui eu, amigo. Foi o zagueiro do Botafogo. E Rosane fechou os olhos para isso, fazendo apologia da subversão à ordem. Abração e tenha uma boa semana.

ps. A simbologia e a psicologia humanas estão imbricadas entre si. O homem é um ser simbólico por excelência.

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