Ministro GILMAR FERREIRA MENDES
Senhor Ministro,
Sabemos, Vossa Excelência e eu, que não partilhamos a mesma opinião sobre o caso Cesare Battisti. Se eu me permito ainda escrever a Vossa Excelência é porque realmente acredito que as nossas divergências ideológicas não têm importância em face da verdadeira justiça que Vossa Excelência representa. Acredito também que, embora aparentemente “opositores”, nada nos proíbe de dialogar.
É verdade que nunca ousei pedir a Vossa Excelência que me recebesse, durante as dez viagens que fiz ao Brasil, para acompanhar o caso, porque todo mundo me disse que era "inútil". Agora, lamento sinceramente, por isso.
A última vez que eu cruzei com Vossa Excelência no Supremo Tribunal, nossos olhos se evitaram, como Vossa Excelência poderá se lembrar. Fiquei muito triste depois. Mas penso que, talvez, Vossa Excelência tivesse se recusado a me receber, caso eu pedisse. Mas é certo que Vossa Excelência sabe que eu trabalhei durante cinco anos, sem qualquer viés ideológico, estudando o caso Battisti.
Conheço cada detalhe do processo italiano e cada elemento real que comprova que esse homem não matou qualquer pessoa. Esse homem nunca foi um líder de grupo, nunca foi um assassino.
No fundo, sou uma historiadora; não sou militante; para mim, somente a verdade importa. Vossa Excelência será, proximamente, o responsável pelo destino de Battisti. É uma carga muito pesada, seja no sentido legal, seja no sentido moral. Por fim, é especialmente uma carga histórica, cuja memória permanecerá gravada no futuro.
Senhor Ministro Gilmar Mendes, com todo o respeito que devo a Vossa Excelência, eu declaro, solenemente, sem qualquer ideologia ou carga política, só com um espírito de verdade histórica, que os verdadeiros assassinos do grupo dos PAC são Pietro Mutti (homicídio Santoro); Memeo, Grimaldi, Fatone e Massala (homicídio Torregiani); e Giacomin e Pietro Mutti (homicídio Sabbadin). Quanto ao assassinato de Campagna, a arma utilizada pertencia a Memeo (o mesmo que matou Torregiani) e o assassino era vinte centímetros mais alto que Battisti.
Vossa Excelência sabe, lá no fundo, que Cesare Battisti não participou de qualquer um desses crimes e que ele saiu, definitivamente, do grupo dos PAC, quando tomou conhecimento do primeiro assassinato, o de Santoro. Vossa Excelência sabe que aqueles que o acusaram, na sua ausência, foram os verdadeiros assassinos ou foram cúmplices nas mortes. Vossa Excelência sabe que estes homens fabricaram três procurações falsas para representar Battisti durante os onze anos do processo, para poder incriminá-lo no lugar deles.
Somos diferentes, eu e Vossa Excelência, apenas em aparência, pois creio que o presidente do Supremo Tribunal Federal, com sua inteligência e sua visão esclarecida, tão renomada, não pode colocar em risco a sua própria reputação, bem como a do STF, na extradição de um homem contra o qual não há uma única prova de culpabilidade.
Vossa Excelência sabe que a evidente inocência de Battisti será um dia reconhecida pela História, mais cedo ou mais tarde e, provavelmente, isso ocorra muito em breve. Penso que Vossa Excelência será grandemente reconhecido, face à justiça mundial, se admitir que há uma imensa dúvida, que torna a extradição impossível.
Uma grande parte da Europa está com os olhos fixos em Vossa Excelência, portador de nossas esperanças de verdadeira justiça e de respeito ao Direito. Nós sabemos, também, que Cesare Battisti nunca teve a oportunidade, em sua vida, de poder se explicar perante um juiz. Vossa Excelência poderia vê-lo? Poderia ouvi-lo? Compreendê-lo? Ele, que na verdade, teve, quando ainda muito jovem, como “falta” apenas acreditar num futuro melhor para a humanidade? Senhor Ministro, ele é um homem de grande bondade, generosidade e elegância também. É por isso que ele escolheu, após longo tempo, viver e morrer na terra do Brasil, que ele sinceramente ama. Ele não escolheu a Itália.
Na vida dos homens, o papel de Vossa Excelência, daquele que diz que a verdadeira justiça será sempre maior e perpétua, não será o mesmo papel de um homem que aceita julgar às cegas um prisioneiro esgotado.
Senhor Ministro, Cesare Battisti nunca matou qualquer pessoa, nada tendo representado durante a Revolução italiana. Ele foi, simplesmente, um pequenino idealista que deixou o seu grupo, desde que este grupo passou a adotar ações que tinham por alvo ferir e matar pessoas.
Finalmente, não creio que Sua Excelência possa comprometer seu nome e sua importante função num trágico erro judicial que a história jamais esqueceria.
Tenho grande confiança na sabedoria de Vossa Excelência, esperando que ela dê um pouco de crédito às minhas sinceras palavras.
Com a expressão da mais alta consideração,
Fred Vargas
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