quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Para não dizerem que não falei de canhões - Parte I

O crime de tortura é imprescritível para que ninguém jamais ouse cometê-lo

Esta história da “crise militar” e da “reinterpretação da anistia” começou sendo mal contada pela grande mídia e continua sendo utilizada com espírito de intriga e fomento de um certo mal estar entre os militares. Nos últimos dias ela foi como que abafada pelo noticiário em torno da ação brasileira, principalmente militar, no Haiti. Mas, cedo ou tarde, o tema voltará à tona. Então, vamos tentar esclarecer alguns tópicos básicos.

1- Não houve, no Brasil, uma anistia recíproca que é aquela que ocorre quando duas facções em luta sentam-se à mesa, negociam e assinam um trato.

2- O que houve foi uma esperta auto-exclusão por parte dos comandantes militares que sustentavam a Ditadura. Como não foram derrubados, mas, prudentemente, foram se retirando aos poucos, de forma “lenta, gradual e segura”, quando houve o desenlace a coisa já estava tão frouxa que até o Sarney animou-se a desgrudar da japona verde-oliva à qual se atracara como craca de navio e aceitou ser vice de Tancredo, o homem que enterraria definitivamente o Sistema, usando matreiramente o principal instrumento “pacífico” deste, a eleição indireta.

3- São situações evidentemente sui generis, o que faz com que a “anistia” de Figueiredo (previamente desenhada por Geisel) seja igualmente diferenciada e difícil de ser enquadrada nos compêndios jurídicos e constitucionais. Ocorre que ela (a anistia) não é só isto. Ela é também um episódio histórico, político e sociológico.

4- Então, do ponto de vista histórico, podemos dizer que ela é uma página ainda não virada. Não por que as esquerdas, boa parte dos juristas e eu não queríamos, mas porque a História não quer. E ela é senhora de seu destino. Politicamente a questão pode ser levada em banho-maria, mas até quando? Sociologicamente é o que veremos a seguir.

5- Em primeiro lugar é preciso dizer que etimologicamente a anistia aproxima-se mais do esquecimento, porque divide sua raiz latina com a palavra amnésia. Vista assim, ela afasta-se de seu outro significado, o do perdão. O esquecimento é um ato sobre o qual não temos controle absoluto. Já o perdão é um ato de vontade explicita.

6- Diante disso, pergunta-se: a sociedade brasileira está disposta a perdoar a tortura e os torturadores? Creio que não. Como creio, também, que esta página da História só será virada quando estes crimes e seus praticantes forem admitidos e expostos como tais. Quanto ao julgamento e eventual punição, isto compete soberanamente à sociedade e à suas leis.

Amanhã discutiremos a questão de como a mídia mistura deliberadamente as coisas, pretendendo, através de um maniqueísmo precário, estabelecer uma absurda equivalência entre torturadores e torturados.


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