domingo, 17 de janeiro de 2010

Quem Derrubou Aristide?




Atualizado em 17 de janeiro de 2010 às 18:51 | Publicado em 17 de janeiro de 2010 às 18:42

April 14, 2004
Return to Haiti
The American Learning Zone

por TOM REEVES, no
Counterpunch

Eu voltei este mês ao Haiti como parte da primeira delegação independente de observadores do Haiti desde a remoção do presidente Jean Bertrand Aristide em 29 de fevereiro. Mais de uma década atrás, ajudei a organizar as delegações de observadores da Nova Inglaterra ao Haiti -- nove grupos diversos de gente proeminente da região de Boston que foram ao Haiti depois do primeiro golpe de estado contra o presidente Aristide. Testemunhamos o reino de terror dos militares do Haiti no qual pelo menos 3 mil ativistas pela democracia foram assassinados. Também testemunhamos o júbilo universal da população pobre urbana e rural do Haiti (85% do total) com o retorno de Aristide.

Desta vez eu fui ver os resultados de outro golpe contra Aristide, um claramente planejado, financiado e orquestrado pelos Estados Unidos. Senti um terrível déjà vu: violência maciça contra os pobres, especialmente contra o movimento Lavalas de Aristide; os mesmos paramilitares ou ex-oficiais do Exército do Haiti cometendo atrocidades. Assassinos condenados agindo como juízes, administradores e policiais. Apesar da intimidação e de ataques brutais contra os bairros mais pobres, nós vimos o grande apoio dos pobres a Aristide e o ódio violento da pequena elite contra ele. Uma diferença crucial foi a atitude entre os profissionais e muitos intelectuais. Eles expressaram a sensação de que foram traídos por Aristide e festejaram sua queda. Ainda assim um deles me disse, "o povo haitiano elegeu Aristide e somente o povo deveria ter o direito de derrubá-lo".

Ouvimos de pessoas que testemunharam ataques noturnos contra o Lavalas. Em um caso na vizinhança pobre de Bel Air, fomos informados de que helicópteros dos Estados Unidos vieram com luzes brilhantes, soldados fortemente armados dos Estados Unidos atiraram na multidão, matando entre cinco e 20 pessoas (17 de março). Membros de nosso grupo entrevistaram parentes de vítimas e testemunhas desse ataque. Em caso atrás de caso, fomos informados de que criminosos conhecidos e ex-integrantes do exército foram incorporados à polícia. Eles ameaçavam ou batiam em apoiadores do Lavalas e cercaram para prender ex-integrantes do governo de Aristide.

Um grupo de pessoas veio nos ver saindo de seus esconderijos, correndo grande risco. Jeremy foi um. Agora com 21 anos de idade, ele encontrou Aristide aos 11. Trabalhou na rádio das Crianças (Radio Ti Moun), criada pela fundação de Aristide. Jeremy chorosamente relembrou do mês passado: ele fugiu quando a emissora de rádio foi destruída. Ele foi seguido e viu amigos sendo espancados. Ele correu para a casa da tia e três ex-militares vieram procurar por ele. Eles atiraram na tia e ela morreu a caminho do hospital. Isso aconteceu na semana anterior à nossa chegada. Jeremy ficou com medo de ir ao enterro da tia.

Uma mulher veio até nós, de um grupo comunitário, Ai Bobo Brav, vítima do golpe mais recente. Eu a havia encontrado em março passado, quando ela me disse que "todo bebê haitiano sabe qual o jogo do Bush". Lá atrás ela previu o golpe. Agora ela está vivendo o que previu. "Enquanto seu presidente estava dormindo, eles sequestraram nosso presidente. Eles o arrastaram. Foi desrespeitoso. Fiquei sentida". Ela chorou.

Dirigindo de volta a Porto Príncipe de Jacmel, na sexta-feira, eu vi uma vaca comendo lixo diante de um sinal em inglês que anunciava uma escola. A placa dizia "Benvindos à Zona de Aprendizagem Estadunidense". O homem forte do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Roger Noriega (também envolvido no escândalo Irã-contras, em que o governo Reagan vendeu armas ao Irã para arrecadar dinheiro dado aos contras da Nicarágua) disse a uma audiência em Washington no ano passado que Cuba e Venezuela deveriam prestar atenção próxima aos eventos no Haiti.

Um dos primeiros atos dos fuzileiros navais americanos depois de pousar no Haiti este ano foi estabelecer um perímetro em torno de Mole St. Nicolas, a península oposta a Guantanamo, que fica no estreito entre o Haiti e Cuba. Residentes locais disseram à mídia do Haiti que estruturas militares dos Estados Unidos estavam sendo construídas no lugar há muito tempo buscado pelos Estados Unidos como um complemento à base de Guantanamo.

Que interesses provocam uma lição cara e brutal como essa do Haiti? O Haiti não tem petróleo. Naturalmente que existem milhares de empresas têxteis nos quais os trabalhadores dão duro por menos de um dólar por dia. Naturalmente que há grandes companhias americanas que fornecem arroz, trigo e outros alimentos que substituem o arroz e a mandioca locais, de forma que 70% da comida consumida pelos haitianos precisa ser importada, principalmente dos Estados Unidos.

Isso num país que já deu à França mais riqueza do que todas as colônias francesas do Novo Mundo! E então houve Aristide, o pequeno padre da Teologia da Libertação que pregava uma mensagem de conflito entre a pequena elite a grande maioria pobre. Haiti fica tão perto de Cuba -- aquela obsessão da política externa dos Estados Unidos. Um dos primeiros atos de Aristide foi estabelecer relações com Cuba. Mais de 500 médicos cubanos permanecem no Haiti, ajudando as comunidades mais pobres.

Eles devem estar se lembrando de Granada, onde uma ocupação dos Estados Unidos vinte anos atrás expulsou os médicos cubanos. Acima de tudo o Haiti fica no que os Estados Unidos consideram seu quintal, seu playground, seu colo. Forças novas e incontroláveis no Haiti ficam muito próximas de casa. Assim, Venezuela e Cuba fiquem alertas: o Haiti é a zona de aprendizagem (imperial) dos estadunidenses.

O Haiti deveria ser uma zona de aprendizagem para os ativistas da solidariedade, também

O Haiti deveria ser uma zona de aprendizagem para todos os estadunidenses, que assim entenderiam e enfrentariam a política imperial de intervenção do país. Se os Estados Unidos podem se livrar da culpa pelo apoio clandestino e aberto à "rebelião" no Haiti, liderada por ex-militares e paramilitares, muitos dos quais foram condenados por assassinato e violação dos direitos humanos no golpe anterior, estarão prontos para operações similares na Venezuela e talvez até em Cuba.

Leia mais em Luiz Carlos Azenha, clicando Aqui.

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