Por Michel Blanco
Quem esperava um “pega pra capar” na tomada do Complexo do Alemão pelas forças de segurança sentiu-se frustrado. Anticlimática, a ação não correspondeu ao prenunciado em manchetes da véspera, como a do Globo: “Intenso tiroteio entre Exército e tráfico abre Batalha do Alemão”. Assim, com batalha em maiúscula, o diário reforçava a alusão absurda ao desembarque das tropas aliadas na Normandia, inaugurada na manchete da última sexta-feira (“O Dia D da guerra ao tráfico”). Esse é só um exemplo.
Entre o triunfalismo e o sensacionalismo, a cobertura jornalística da operação policial serviu de sela ao discurso oficial, mas também montou sobre um clamor coletivo por justiçamento, desatado em fãs da escola Capitão Nascimento. O que se viu na mídia – digital, eletrônica e impressa – foi a espetacularização dos fatos, em uma busca pelo protagonista de “Tropa de Elite” entre os homens das polícias e das Forças Armadas que subiam o morro, clicados em posição de combate. Acuado pelo fogo cruzado, o pessoal do morro, como de costume, não coube na foto.
Sintoma da disposição da imprensa para o espetáculo revelou-se na escolha das fontes. E lá estava o cineasta José Padilha a comentar a onda de violência que assola o Rio de Janeiro. Sem entrar no mérito da reconhecida competência profissional, a análise de Padilha é tão válida quanto uma palestra de Steven Spielberg sobre a extinção dos dinossauros, como disse uma amiga.
Se havia dúvidas sobre uma excessiva dramatização na cobertura jornalística, elas se desfizeram com as imagens dos bandidos presos no Alemão, exibidos na TV como troféus. Caso de Eliseu Felício de Souza, o Zeu, um dos condenados pelo assassinato do repórter Tim Lopes, em 2002. O finado “Aqui Agora”, do SBT, pareceu servir de referência ao autoelogiado padrão Globo de jornalismo. Revanchismo? Outras emissoras seguiram o mesmo caminho, e algumas se lambuzaram a valer, como a Band.
A chegada dos blindados das Forças Armadas foi saudada nos jornais com manchetes de uma guerra a ser vencida, em meio a um tom geral de “agora sim”. O emprego dos militares foi decisivo para o sucesso da operação, inclusive para que não se transformasse em um banho de sangue. Fato. Mas a participação do militares não é inédita no Rio e falta uma discussão séria sobre eventuais riscos do envolvimento das Forças Armadas em ações policiais. Alguém lembrou o que aconteceu no morro da Providência, há apenas dois anos, quando militares entregaram três rapazes para traficantes do morro da Mineira?
Jogando pra galera, a imprensa escolheu o caminho fácil da luta do “bem” contra o “mal”: forças de segurança de um lado, bandidos do outro. Atribuiu a onda de arrastões e carros incendiados a uma reação de traficantes às Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), ignorando que as milícias — policiais, bombeiros e até soldados envolvidos em tráfico de drogas e armas, extorsão e ‘gatos‘ de toda espécie, de gás a TV a cabo — são tão ou mais resistentes que os traficantes às UPPs (um ótimo projeto, diga-se).
O problema é que, no confronto do Rio, não existe a polaridade entre bem e mal apregoada na dramatização midiática, ante o elevado grau de corrupção e envolvimento de agentes da lei com o crime organizado – noves fora a perpetuação de métodos truculentos. A ficha caiu até para o Capitão Nascimento. Mas na cobertura do tal “Dia D”…
Infelizmente, não começamos a vencer o crime no último domingo, como festejou a imprensa. Estamos longe, e só chegaremos lá quando soubermos dizer quem realmente é polícia e quem é bandido. Ou pelo menos identificarmos entre os mortos da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão quem portava um fuzil ou apenas carregava um guarda-chuva.
P.S.: E alguém acha que depois da apreensão de 44 toneladas de maconha no Complexo do Alemão vai faltar erva no Carnaval?
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